Penumbra

Ele virou mais uma esquina, apressado. Quem o conhecesse, se o visse, não diria que se tratava da mesma pessoa que estavam habituados. Ele andava de modo tão apressado que quase corria. Ele tinha os olhos dilatados de medo. Ele suava frio pelo terror que sentia.

Mas, é claro, havia um motivo para estar correndo tanto.

Àquela hora da madrugada, não se saía na rua, muito menos a pé. Ele ficara até mais tarde no escritório onde trabalhava e nem percebera a hora que era quando saíra. Depois, alguns quarteirões andados a pé (porque, para seu imenso azar, seu carro estava no concerto), ele percebeu, enfim, o que acontecia. Talvez tarde demais.

Alguém o estava seguindo. Espreitava-o. Observava-o. De longe. Esperando o momento certo de atacá-lo. Era um predador que o seguia e ele era a caça. Ele não tinha nada para provar isso, mas podia sentir que estava certo, que deveria apenas correr para se salvar, para não morrer naquela noite.

Ele não sabia o que fazer. Deveria ligar para Mônica, sua noiva, seu amor? Eles haviam brigado na noite anterior quando ela dissera que deveriam fazer uma grande festa depois de assinarem os papéis. Ele argumentara que não teriam dinheiro suficiente e fora desnecessariamente grosso com ela.

Ela saíra magoada, ele sabia. Mas nada pudera fazer. Era a verdade e ele tinha que dizê-la. Apesar disso, a amava mais que tudo. E a queria mais até que a própria vida. E, embora não pudesse dar o que ela queria nesse momento, ele sonhava dar tudo num futuro próximo, quando fosse promovido.

Era o que todos falavam. Ele seria promovido. Ele era o único que poderia assumir o cargo de Haroldo, o último gerente que fora brutalmente assassinado dias antes.

Aliás, pensando nisso, seria alguma conspiração contra o escritório? Ou seria alguém que queria o cargo? Quem poderia ser? Matheus? Antônio? Júlio? Não! Todos eram tolos demais para cometerem qualquer crime, quanto mais um assassinato.

Mas poderiam e seriam muito capazes de contratar alguém para fazer a parte suja para obterem sucesso. Sim, todos eles seriam medíocres a esse ponto! Eles contratariam um assassino tranquilamente.

Porém ele não podia ficar devaneando. Isso devia ficar para depois. O seu objetivo principal devia ser salvar a própria vida. Mas por que isso parecia tão impossível? Não havia possibilidade de fuga?

Se não houvesse, devia mesmo ligar para Mônica. Mas ele esperaria mais um pouco. Até ver que não teria mesmo saída. Só aí. Seguiu mais um pouco, com as pernas tremendo.

Virou outra esquina e vislumbrou o que mais temia: uma sombra atrás dele. Olhou de novo e viu só a sombra do poste. Teria mesmo visto alguma coisa ou era somente sua imaginação? E esse medo repentino que sentira seria por algo real ou a criminalidade de sua cidade o deixara cheio de medo, talvez até um pouco exagerado?

Não saberia responder. A única atitude que poderia tomar era correr. Então, correu. O medo o consumia e se transformava em desespero. Não havia para onde correr. Ali por perto, em seu bairro afastado, não havia nenhum lugar aberto com movimento de pessoas para se disfarçar no meio da multidão.

Só restava, então, ir para casa. Mas Mônica estaria provavelmente por lá e ele não faria ela se meter nessa confusão, nessa loucura sem sentido que ele nem ao menos sabia se era real.

E se fosse à delegacia? A polícia certamente poderia ajudá-lo, não? Não, muito provavelmente não! A polícia, principalmente a de seu bairro de periferia, estava se lixando para os inocentes que os bandidos corrompessem, física ou psicologicamente. Para eles, o importante era receber o salário no começo do mês. O resto que se danasse.

Fora assim com seu irmão. Morrera vítima dos traficantes que queriam a quitação da dívida de sua filha com as drogas. Não podendo pagar com dinheiro, pagou com a vida. Dele e da família, para servir de exemplo aos devedores.

Mas isso não importava no momento. Já pudera chorar por seu irmão mais velho no seu enterro. Agora, era por sua vida que deveria chorar. Implorar, se fosse preciso. Talvez, só talvez ousava pensar, conseguiria se salvar.

Foi, então, olhou para trás e soube de vez, sentido outra onda súbita de medo, mas também de aceitação: ele morreria e não havia para onde fugir. Seu momento chegara e ele podia sentir a Morte a chamar o seu nome na esquina da frente.

Chorou. Mas não foi por sua vida, foi por sua Mônica, seus desejos e vontades. Foi pela tristeza de não conseguir realizar tudo aquilo que queria dar a ela, fazer por ela.

A lágrima solitária escorria pelo seu rosto transtornado pelo medo, enquanto alguém misterioso observava num andar escuro do prédio onde ele estava à frente. Eles nunca se veriam, mas ambos sabiam que ele morreria, porque aquela noite exigia morte, farejava sangue.

A pessoa no andar lá em cima, fechou a cortina e, em seguida, a janela. Não queria se envolver com bandidos, muito menos com assassinatos. Isso fazia parte do dia a dia da sociedade. Bastava fechar os olhos, como fechava a um pedinte, e seguir em frente que isso dificilmente o afetaria.

Lá embaixo, o fugitivo finalmente percebeu que seu medo era real e que alguém o seguia de fato. Não estava ficando louco, afinal. Morreria, pelo menos, sabendo que não enlouquecera pelo estresse e correria da luta diária.

Enquanto chegava a tais conclusões a estranha sombra aproximava-se. Na sua próxima piscada de olhos, o estranho havia desaparecido de onde estivera momentos atrás.

Ele soube que deveria estar às suas costas o assassino, pronto para matá-lo. Não hesitou. Aceitou o chamado da morte e ela em si. Estava pronto. Sabia, no fundo, no fundo, que nunca houvera escapatória desde o início.

Ele começou a lembrar-se de tudo o que fora maravilhoso em sua vida, desde sua infância. Mas o rosto de Mônica era o que mais reverberava em sua mente: os traços fortes, os cabelos negros, os olhos claros, as sobrancelhas grossas, os lábios vermelhos...

Foi, então, que chegou a conclusão que devia ligar para Mônica, pedir perdão e dizer que a amava. Esquecendo-se momentaneamente de onde estava, de com quem estava, de como estava, e discou o número dela em seu celular.

Ela atendeu. Então, falou-lhe:

— Perdoe-me, querida Mônica. Eu te amo.

A linha caiu e, com ela, o noivo da garota também, na penumbra da noite.

Ele nem viu o que o matou. Na verdade, nem sentiu. Simplesmente foi-se, como vai-se uma pena no ar, muito longe, muito longe...

Tiaggio
Enviado por Tiaggio em 23/01/2012
Código do texto: T3456061
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