A Enfermeira Maldita

A Enfermeira Maldita
Jorge Linhaça

Num hospital no meio do nada, fui refugiar-me d'uma tempestade após haver batido meu carro e sofrido algumas escoriações. O acidente acontecera quando, em meio à chuva torrencial, pareceu-me ver um vulto atravessando a pista.

Desviei-me abruptamente da estrada indo chocar-me com uma árvore à beira da mesma.
Como o carro sofrera poucos danos mecânicos, ao menos nada que me impedisse de seguir viagem,mesmo ferido segui pela pista quando deparei-me com uma placa que indicava um hospital entrando no próximo desvio à direita.

Dirigi cautelosamente na estrada em péssimas condições por cerca de 3 ou 4 quilômetros, até que
encontrei o pequeno hospital isolado no alto de uma pequena colina.
A luz falhava a cada momento coincidindo com as descargas elétricas na atmosfera, cada raio e trovão faziam as luzes do edifício piscarem.
Adentrei ao saguão e encontrei-o vazio, começando a chamar por alguém já que não conhecia o local.

Minutos depois apareceu-me uma enfermeira, jovem, muito bonita, com seus lindos cabelos loiros a emoldurar sua face.
Expliquei-lhe o ocorrido e perguntei se havia algum médico disponível, ao que ela respondeu que não, apenas ela estava no hospital pois provavelmente a tempestade tinha cortado a passagem dos que vinham da cidade e ela estava cumprindo um plantão de 12 horas.
Perguntei se havia algo que ela pudesse fazer por mim, pois sentia muitas dores no braço e na perna, por conta da colisão do veículo.

Levou-me à sala de enfermagem e preparou uma injeção que, segundo ela, iria aliviar a dor em poucos minutos.

Ao ser assim medicado, quase que instantaneamente senti uma vertigem muito forte, de modo que parecia-me que a sala estava girando. Busquei concentrar-me no rosto da enfermeira e ele pareceu sofrer uma transformação grotesca assumindo um aspecto quase que cadavérico.

Perdi por fim os sentidos e quando despertei estava amarrado a um leito hospitalar, sem conseguir me libertar por mais que me esforçasse para tal.
Ainda tonto pelo efeito da tal medicação, mal tinha forças para falar, minha língua parecia inchada como quando se toma anestesia para uma procedimento odontológico.
Fui tomado por um grande temor em minha alma pois os únicos sons que ouvia eram os dos trovões que ainda retumbavam do lado de fora do hospital.

Os minutos pareciam arrastar-se qual lesmas sobre a relva...Já não tinha em mim o temor antes sentido, sentia agora um horror profundo prestes a consumir minha alma por inteiro.

Repentinamente gritos de horror se fazem ouvir como se alguém fosse pouco a pouco eviscerado...outros gritos se sucedem vindos de lugares diferentes como se aquele hospital estivesse recebendo uma multidão de corpos mutilados por conta de algum acidente terrível.
Minha alma a estas alturas já estava gelada como um iceberg, foi quando vi, pela porta do quarto que permanecia aberta, uma procissão de seres ensanguentados, arrastando-se pelo corredores carregando seus membros amputados ou as vísceras que lhes saiam do abdômen...a cena era tão horrível que meu coração quase parou...tão logo a procissão dos moribundos ou fosse lá o que fossem terminou de passar pelo corredor, deixando atrás de si um rastro de sangue e um odor fétido de putrefação, diria até que o cheiro da morte, a enfermeira entrou pela porta empurrando um carrinho de instrumentos ensangüentados...sua face estava totalmente modificada, seus olhos brilhavam de loucura e insanidade, um sorriso macabro se espalhava em seus lábios enquanto se
aproximava de mim dizendo-me:

- Não tenha medo, logo seu braço e perna não mais doerão...nunca mais!

Um grito de pavor morreu em minha garganta,enquanto ela aproximou-se com um serrote hospitalar
meu pavor foi tal que perdi a consciência.

- Moço...moço...mooooçooooooo...você pode me ouvir ?

Foram as palavras que ouvi enquanto voltava lentamente à consciência, encharcado, deitado sobre os degraus das ruínas de um velho edifício.

Levantei-me num sobressalto e só ai me dei conta de que estava solto. A dor no meu braço era intensa, mas a adrenalina por instantes fez com que sumisse. O mesmo também era verdade quanto à minha perna.

Posicionei-me defensivamente, esperando encontrar diante de mim a tal enfermeira demoníaca.
Já era dia...e só então notei que um grupo de pessoas é que tentava me reanimar.
Não entendi nada...de onde eles saíram? Onde estava o tal hospital? Que fim levara a enfermeira?
Depois de atendido por aquelas pessoas que me levaram dali para um outro hospital é que pude contar a minha história e ver seus olhos cheios de espanto ou incredulidade, era difícil discernir.

Um deles me contou que o lugar em que eu havia sido encontrado eram as ruínas de um velho hospital que havia sido desativado depois que uma série de assassinatos ali haviam acontecido praticados por uma enfermeira que havia enlouquecido.

Meu coração disparou no peito, gaguejando perguntei como era possível que eu a tivesse visto e como escapara do destino que parecia certo...

A única explicação que encontraram era que com a chegada do dia, coincidindo com o momento em que ela se dirigia para mim...o mal havia se dissipado na luz, o que salvara-me a vida.
Eu ainda teria de passar uma noite no hospital devido ao estado de debilidade de meu corpo, causado não apenas pelo acidente, mas também pela exposição à tempestade durante toda a noite.

A noite chegou e com ela a troca de plantão...eu descansava tomando soro para repor o liquido perdido...
As luzes do hospital foram se apagando para que os pacientes pudessem repousar com mais serenidade...
No meio da noite fui despertado por passos em meu quarto...
-Não..não podia ser...lá estava ela a tal enfermeira...
- Lembra-se de mim? disse ela, soltando uma enorme gargalhada...enquanto abria-me o peito com um afiado bisturi.

*****
Passos correndo pelos corredores, enfermagem e equipe médica....desfibrilador...hora do óbito:
00:01

- Pobre coitado, depois de tudo que passou teve um enfarto fulminante.

Ah se soubessem a verdade...mas não me vêem nem me ouvem...já não pertenço ao mundo dos vivos.
Salvador, 3 de março de 2012