Esdrúxulo

Esdrúxulo

Jorge Linhaça

Nasceu com um defeito genético imperdoável e inapropriado para os de sua espécie, seus dentes não despontaram como os dos demais e os caninos mirrados o faziam ser uma aberração, motivo de chacota e bulling, para seus semelhantes.

Sua aparência era por demais humana apesar da lividez de sua pele.

Era a vergonha de sua colônia de hematófagos.

Alimentava-se de forma intravenosa, longe dos olhares cruéis de seus pares.

Jamais seria o macho-alfa do bando, estava condenado a ser apenas um pária em sua sociedade. Não obstante sobrevivia, não mais do que isso.

Em uma sociedade de caçadores de presas seu defeito congênito tinha tudo para ser fatal.

Não suportando mais a pressão social em seu clã, o repúdio opressivo de seus pares, migrou para a cidade dos humanos.

Seus modos taciturnos não eram assim tão estranhos já que havia muitas tribos urbanas que cultivavam o sombrio como uma maneira de destacar-se da multidão.

Aclimatou-se o melhor que pôde ao seu novo mundo, fez alguns amigos e

apaixonou-se por uma bela jovem embora isso fosse para ele um problema devido à sua condição diferenciada. Por isso jamais teve a coragem de revelar-se a ela, quem em relação aos seus sentimentos quanto a respeito de sua origem.

À noite saia para caçar pequenos animais e retirar-lhes o sangue que o mantinham forte para mais um dia de vida.

Ele a jovem sentiam aquela atração quase irresistível, aquele desejo de estarem juntos a cada momento, no entanto nada de romântico existia entre eles, comportavam-se como grandes amigos embora os seus olhares demonstrassem que desejavam ser muito mais que aquilo.

A vida prosseguia com a repetição constante das mesmas ações, a rotina só encontrava algum ânimo quando estavam juntos.

Ele saiu novamente para caçar,à moda dos humanos embora seus poderes e habilidades lhe dessem grande vantagem em relação a estes.

Em meio à mata , pela primeira vez farejou algo diferente, um tipo de animal que ainda não havia conhecido com alguma coisa de humano em seu odor.

A noite era de lua cheia e ele decidiu ter cautela redobrada em sua caçada.

O outro ser também o farejara, sentira sua presença e pela intensidade do aroma que percorria o ar, podia sabê-lo bem próximo. Suas narinas se dilatavam tentando reconhecer esse cheiro estranho de bicho-homem misturado a outra coisa qualquer.

Por mais cautela que ambos tenham tido, o encontro foi inevitável.

Ele avistou o ser estranho, parecido com um lobo mas movendo-se sobre as patas traseiras, mas não era um lobo qualquer, a ausência de pelos na tal fera desconhecida emprestava-lhe um aspecto estranho e surreal.

Resolveu seguir a tal criatura e esta, por sua vez , procurava sumir de suas vistas embrenhando-se cada vez mais na mata.

O curioso jogo de esconde-esconde durou horas sem que nenhum dos dois desistisse ou desse sinais de cansaço.

Quando irromperam os primeiros raios da aurora ,nosso amigo sem presas, assombrado viu o outro ser começar a se metamorfosear...adquirir traços mais humanos e para seu maior espanto os traços eram femininos.

Movido por um impulso formidável, lançou-se em direção à antiga fera e segurando-a imobilizada pode ver o final de sua transformação...

Continua...

Salvador, 7 de março de 2012