Filha da Ira

O coveiro fumava o mesmo cigarro de alguns minutos trás, fazia isto com a calma mórbida de quem não tem pressa. Via a morte o tempo todo, morava naquele cemitério, sentia a presença de espíritos bons e maus, sabia de verdades que tirariam o sono de muitos.

Quando uma luz branca emanou do ultimo tumulo da décima terceira fileira ele se assustou, aquela moça, morta por um jovem mimado, que teve seu fim tão prematuramente aos 18 anos certamente queria vingança. Preocupado com as conseqüências de tal sentimento invocou um espírito pacificador, não queria que uma alma se perdesse por um sentimento tão vil. Infelizmente, quando notou já era tarde, ao invés de uma vela branca usara uma vela amarela na invocação, aquele espírito que logo se levantaria nada teria de pacificador, seria a personificação da própria ira, maldito instante! Correndo afobado pelo cemitério, foi se esconder atrás do tumulo de Dom Carlos Antunes, um santo que passou a vida ajudando espíritos desgarrados, e que mesmo depois de morto ainda recendia a luz e paz que só o bem pode ter.

Quando viu a ira, linda morena de olhos negros tocar a face desgastada da moça vingativa sentiu um forte vento, era o inicio de uma sangrenta vingança...

...

Chegando a um povoado, que mais parecia um cenário de historias de terror desceram do carro, conheciam a historia daquele lugar, não sabiam apenas se o cheiro de sangue era real ou imaginação. Muitos contavam que houve um sangrento massacre que teria se dado pela vingança de uma jovem assassinada, um espírito perturbado que sentia muita sede de sangue.

Ao se aproximar de uma escola, uma das moças, sensível desde pequenas a coisas sobrenaturais, começou a chorar, tapando os ouvidos e dizendo:

-Ela matou todas as crianças, posso ouvir o choro delas, ouço os passos, elas a procuram por ter-lhes roubado a vida...

Quando os rapazes tentaram consola-la já era tarde, uma linda morena de olhos negros sorria maliciosamente, e mais sangue regava aquele chão, tornando o fértil para o nascimento de mais mal.

...

Quando Sophie desceu de seu carro esporte e olhou a seu redor teve certeza, era o lugar que vinha sonhando por dias. Não era uma mulher, se fosse necessária uma classificação se diria que ela era um tipo de vampiro por precisar de sangue humano para viver, mas como era mais antiga que aquele termo e só se alimentava de sangue ruim poderia ser chamada apenas de Guardião, termo que a classificava bem, pois sua função era guardar os segredos ocultos até que o momento de serem revelados chegassem.

O cheiro de sangue se mantinha, sentia que há pouco tempo alguns jovens tinham sido ceifados pela vingança, e podia também sentir o perfume da Ira, sua velha conhecida, quando chegou ao cemitério e viu próximo do portão um senhor velho que teimava em manter as folhas secas juntas, tentou chama-lo.

O homem, magro pela idade levantou os olhos e sorriu, sentiu nela a quietude que tanto faltava naquele lugar, proferiu palavras saudação dando um grande sorriso, ela viu então em seus olhos que ele era o sobrevivente.

-A culpa foi toda minha, acendi a vela errada, e assim a Ira se levantou...

-Não se preocupe, logo estará terminado.

Abrindo então o tumulo da jovem, vendo o rosto lindo que se fantasiava com uma paz nada real ela estremeceu, aquela espírito construiu um corpo de Ira, era quase tão linda quanto a própria Ira, mas tinha os traços mais delicados, alem de cabelos muito mais claros. Quando arrancou a cabeça dela com uma foice de prata e todo corpo tomou sua real forma de putrefação as flores a muito mortas dos túmulos ao redor voltaram a brotar, o sol se pôs novamente naquela terra de tormentos e o pobre coveiro pode finalmente descansar em seu descanso eterno sem a Culpa, que o mantinha de pé.

T Sophie
Enviado por T Sophie em 25/01/2007
Reeditado em 26/01/2007
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