O Viajante - Parte IV

Atordoado, Kurt abriu os olhos. Ao ver Paul parado diante dele, deu um berro de horror, correndo para um dos cantos do aposento, como se estivesse fugindo da própria morte.

- Assustado com algo, Cartman? - perguntou o homem sentando na cama, que Kurt logo reconheceu ser Paul.

- O quê está... O quê fez comigo, desgraçado?

- Ora, você não me parece tão confiante agora, não é? De fato, você é patético - disse Paul, abrindo um sorrisinho amarelo - Eu esperava mais de você.

- Do que você está...

- Andou tendo bons sonhos, Cartman? - Paul interrompeu-o, analizando o homem encolhido no canto da parede - Hein?

- Como você sabe...? - indagou Kurt, a cor se esvaindo do rosto novamente.

"Vejo que já houve algum efeito,", pensou Paul, "mas o objetivo está muito além disso."

- Me diga, seu merda, como você sabe?

- Chegou o fim da estrada, filho, - disse ele, levantando-se da cama - e só há um jeito de você sair dessa.

Paul então se levantou, indo em direção a porta, que Kurt, ao olhar de relance, viu que estava aberta. Juntou então todas suas forças para levantar-se e foi em direção ao homem.

- VOCÊ NÃO VAI ME DEIXAR SOZINHO AQUI OUTRA VEZ, SEU FILHO DA PUTA! - gritou Kurt, pulando nas costas de Paul. Este, por sua vez, agarrou Kurt pelo braço com extrema força, e sacando um revólver, bateu com a coronha em sua cabeça, desmaiando-o novamente. Após o feito, jogou a arma no chão de madeira do aposento, que sumiu de vista depois de deslizar para debaixo da velha cama.

Paul abaixou-se, agarrando Kurt pelos cabelos e olhando para sua face adormecida, arrancou três dardos vermelhos do bolso da calça e enfiou-lhes no pescoço.

- Da próxima vez que eu o vir, você estará perdoado - pensou Paul em voz alta, erguendo-se e indo em direção a porta de ferro, trancando-a novamente.

***

Kurt estava dentro de um carro em movimento. O homem que o dirigia puxava assunto alegremente com ele. A mulher no banco de trás brincava com um bebê de cabelos louros, fazendo cócegas em sua barriga.

Ocorreu então uma distorção temporal, e o mesmo ambiente, passa do casual ao bizarro.

O homem que antes dirigia o carro, agora jazia com um corte na garganta sobre o volante. A mulher estava aos gritos, enquanto Kurt tentava tomar o bebê de seus braços. Quando perdeu a paciência, Kurt enfiou o facão com o qual havia cortado o pescoço do homem em um dos braços da mulher, que por fim, acabou cedendo.

- Por favor, não faça nada com o bebê - pediu a mulher segurando o braço ferido, em pânico, observando Kurt erguer a criança pelo colarinho da roupa.

- Ah, você quer ele? - disse Kurt em tom de gozação, ao pronunciar uma das frases do pai a respeito de Bud - Saiba que querer não é poder! E sou eu quem manda aqui!

A mulher começou a chorar, e o choro da mulher o perturbou.

- Pare de chorar - gritou ele, sacudindo o garoto com a outra mão e bradindo o facão em direção a mulher - Pára de chorar, porra!

A mulher começou a choramingar ainda mais alto, e dessa vez, vieram os soluços, intercalados com o choro.

Então você se descontrolou, apenas porque era parecido com...

- Não! Pare com isso! - gritou Kurt, enquanto a mulher e o bebê entoavam um coro de choros e soluços.

Então você se descontrolou, pela primeira vez naquele trabalho.

- Eu - para desespero maior da mulher, bateu a cabeça do garoto no painel do carro, esfacelando seu frágil crânio - mandei - outra batida, e a mulher começou a gritar histéricamente - você - calar - a - BOCA!

A mulher, que já não agüentava mais ver a cena, botou de lado a dor em seu braço e atacou a mão de Kurt que bradava o facão em sua direção, com uma forte mordida.

- SUA VADIA! - gritou Kurt, os olhos enchendo de lágrimas com a dor.

Largou o garoto no chão do carro e partiu para cima da mulher, onde o facão subiu e desceu perfurando seu corpo. Quando a mulher estava imóvel, Kurt parou, ofegante mas ao mesmo tempo aliviado, com o silêncio ao seu redor. Kurt olhou da mulher para o menino no chão do carro, aos pés do banco da frente, imóvel como um boneco.

Houve outro distúrbio temporal, onde a escuridão predominou.

Foi neste momento que o inferno teve início, quando os soluços começaram a ressoar em sua cabeça, tão altos que pareciam reais.

'Faça ela parar', disse a insana voz em sua cabeça.

- Não dá! - disse Kurt para si mesmo.

Os soluços aumentaram, tomaram conta de sua mente, deixando-o em estado de choque.

FAÇA ELA PARAR!

***

Kurt acordou com as mãos nos ouvidos, e ao abrir os olhos, enxergou um quarto parcialmente escuro e borrado. Olhou então ao redor do aposento, a cabeça estourando de dor, e sentou-se na cama.

"Enfim, ela parou", pensou Kurt.

Mas ali estava a mala, localizada agora no centro do aposento onde, ao obter a atenção de Kurt, fez ressoar no quarto novamente aquele enigmático soluço, tão perturbador aos seus ouvidos.