A queda
Eu tentei. Tentei dizer que nada ia bem, tentei dizer o que de fato eu sentia o que me afligia, o que me atormentava e me fazia afundar em um poço de melancolia.
E você apenas queria os meus sorrisos. Insensível, ausente, distante, não me ouvia.
A noite estava tão linda, as luzinhas dos outros apartamentos cintilavam, e o vento cinza uivava entre os pombais de pedra.
E eu sozinha.
A cada noite, uma parte de mim se diluía, escorrendo entre as minhas pernas, eu me desmanchava em arrependimentos, desaguando em dúvidas e anseios, em uma insegurança e medo crescentes.
Você jamais poderia me proteger, nem ao menos de mim mesma.
Eu estava doente, e para você tudo estava como deveria estar: roupas limpas e passadas, o almoço pronto pontualmente, a casa - nosso santuário - em mais perfeita ordem.
Tudo perfeito como deveria estar. Menos eu.
Com meus dedos grudados na mureta da sacada, brancos de frio. Olhava fixamente os carros passando pela avenida. A vizinha do 106, passeando com o cachorro. O filho adolescente da morandora do 115, chegando com a nova namoradinha. E você não chegava...
E eu esperava... e esperava...
Ansiava tê-lo perto. Só meu. Em meus braços. Em meu corpo. O seu cheiro, suas carícias. Seu amor. Como no princípio, lembra?. Mas a chama arrefeceu-se e se apagou, não sobrando nem a brasa a ser acesa do meu coração. Não havia mais significado, naquilo que chamávamos de casamento.
Será que poderíamos nos chamar de casal?
Será que a pessoa egoísta, era eu?
Pendi o meu corpo, erguendo os pés do chão, arqueando o corpo, deixando o vento passar entre os meus dedos. Suspirando de tanta tristeza. O impulso à vontade, era irresistível, e não era a primeira vez que tais pensamentos obscuros turvavam a minha mente.
Eu tentei.
Forcei sorrisos para os seus amigos. Fingi simpatia para com os seus familiares. Sempre bela, loira e feliz. E assim perdia a cada gota, minha feminilidade. Quem eu era de fato?
Você me intitulava de frigida, dizia que o sexo comigo, era necrofilia.
O que eu podia fazer?
Já não era mais a mesma mulher vivida. A Vivian de sua vida e você já não era mais o homem da minha. Era o meu tormento, meu pesadelo diário, meu executor.
Escutei o tilintar das chaves, a maçaneta a girar, os pés arrastados, senti o seu cheiro misturado a álcool, perfume e batom. Eu sei, era boa em farejar mentiras.
Antes. Eu o encarei, com os olhos mais tristes que alguém podia ter. Você como sempre não entendeu. Franziu o cenho e apertou os lábios, sei que estava tão cansado quanto eu.
Joguei meu peso sobre a sacada, e senti pela primeira vez a liberdade. Como uma águia, estendi meus braços como asas, meus dedos em penas longas e brancas. Ouvi o seu grito em algum lugar, meu nome em desafino.
Vivian!
Vivian!
Não!