A Legião dos Condenados - Republicado
 
Participei de um concurso literário com este conto uma vez, mas não tive muita sorte e então o publiquei no Recanto, originalmente como fantasia, mas relendo eu acho que ele também caberia na categoria Terror, republicar é uma forma de manter a escrivaninha em dia. Quem leu pode ler de novo e quem não leu uma boa leitura!!!
imagem: Google
Contam que nas intermináveis lutas contra os bárbaros Justiniano, grande e destemido general, venceu mais uma batalha, mas sentiu as garras da morte, seu corpo ferido não poderia abrigar a vida por muito tempo, então ele disse aos seus comandados:
“Agora não me resta muito tempo, mas se não posso mais morrer em combate já que venci todas as batalhas que eu possa então morrer nos braços daquela que amo.”
Seus soldados então o levaram para sua casa e o entregaram a Valéria, sua bela e amada esposa que muito chorou e se desesperou ao ver o estado do marido.
“O ferimento é mortal”, eles disseram, “nossos melhores médicos não puderam cura-lo.”
Grande foi o tormento de Valéria e em sua aflição ela apelou para todos os seus deuses, novos e antigos, mas em vão foram suas preces.
“Eu daria minha vida pela dele”, exclamava ela.
E esse seu clamor desceu até as profundezas da Terra e chegou aos ouvidos do Inimigo do mundo que sempre sondava o coração dos homens em busca de almas fracas e ingênuas para escravizar. O demônio então se disfarçou de uma velha bruxa e se apresentou a porta de Valéria.
“Tenho a chave da vida de seu marido”, e Valéria lhe deu ouvidos, “mas isso terá um preço”
“Dê seu preço, pois tudo que tiver eu darei pela vida de quem amo”
“Quero sua alma!”
Valéria olhou para Justiniano que jazia na cama, por ele faria qualquer coisa pois em sua paixão e desespero não podia ver as consequências de seus atos.
“Feito”, disse ela e o demônio disfarçado de mulher riu como a bruxa que era.
“Assim seja”, e imediatamente Justiniano abriu os olhos e viu Valéria ao lado da velha. Valéria correu para ele e quis abraça-lo, mas a bruxa a impediu.
“Agora o meu pagamento”, e jogou um feitiço sobre Valéria que gritou de dor e pavor.
Justiniano observou estarrecido enquanto o corpo de sua mulher envelhecia rapidamente a sua frente, como a pele antes macia como o pêssego agora se enrugava, os cabelos que antes eram como uma seda dourada agora se transformavam em uma massa suja e embranquecida e os dentes antes tão alvos caíam podres e enegrecidos de uma boca que ainda tentou murmurar suas últimas palavras: “Adeusss...mm...me...meu...amorrrr”, e depois disso Valéria sucumbiu, transformada em uma horrenda caveira sem olhos que finalmente se dissolveu e teve as cinzas sobradas para o além.
“Maldita feiticeira!”, gritou Justiniano,” Nenhuma bruxaria vai livra-la de meu ódio”. E Justiniano se levantou como se nunca estivesse um dia a beira da morte, pegou sua espada e avançou com ela por sobre a bruxa. Tamanho era seu ódio e sofrimento que a velha não teve tempo de escapar e quando deu por si já estava no chão com a lâmina sobre o pescoço.
“Traga-a de volta bruxa. Traga-a de volta ou sentira o poder do meu aço.”
Mas a bruxa riu.
“Ah Justiniano, quer ver Valéria de novo? Não tenha pressa, pois chegará o dia em que a morte finalmente te buscará e tu virás aos meus porões, pois não sou cego e vi as matanças que fizeste e o sangue inocente que derramaste e há muito me interesso por ti para liderar meus exércitos, pois todos aqueles que praticam o mal cairão sobre minha sombra. Enquanto isso sua Valéria me servirá e sofrerá como todos os outros no Inferno!”
Justiniano então compreendeu que a bruxa era o Diabo e tomado de uma fúria intensa desferiu um golpe que decapitou a velha. Mas a cabeça continuou a rir e zombou dele:
“Homem nenhum pode me fazer mal”, disse o Diabo e ele novamente assumiu sua forma nefasta e desapareceu no vazio.
“Demônio covarde!”, bradou Justiniano cheio de raiva e agonia, “Eu juro que antes de minha morte ainda nos veremos no Inferno e provará de minha espada!”

Os relatos dizem então que Justiniano vagou pelo mundo em busca de uma porta que o levasse ao inferno e sua sede de vingança era tamanha que poucos barravam seu caminho. E Justiniano reuniu um exército de criminosos, assassinos e renegados que creram em suas palavras e muitos outros que outrora estavam sob seu comando e compartilhavam o mesmo destino nefasto e desejavam libertar-se de sua sina desferindo um golpe no senhor das sombras. Sua legião marchou pela Terra massacrando todos aqueles que tinham pacto com o demônio, torturando bruxas e feiticeiros para que lhe revelassem uma passagem para o abismo, mas nada conseguiam pois os servos do Diabo desconheciam como chegar até seu mestre, Justiniano então ordenava que esses infelizes fossem deixados para morrer atravessados por grandes estacados ou os queimava vivos. A fama de Justiniano então se espalhou e muitos dos servos do mal se esconderam e a Terra teve paz.
E o demônio muito se enfureceu e castigava Valéria, e para atormentar Justiniano fazia que os gritos de sua amada fossem por ele ouvidos em sonho todas as noites. E nesses sonhos Justiniano via sua amada pressa por grilhões de ferro, queimando em carne viva sobre as chamas das profundezas.
Aconteceu que um anjo dos céus muito se admirou com as proezas de Justiniano e desobedecendo a seus superiores desceu entre os homens e apresentou-se a ele como um servo do Altíssimo que desejava ver o mundo livre do mal.
“Seus feitos Justiniano, são tão grandes que até os céus o invejam.”
“Meus feitos não valerão de nada se não alcançar o que busco.”
Justiniano contou então ao anjo o motivo de sua luta.
“Alegra-te então Justiniano, pois sua busca acabou. As portas do inferno são desconhecidas dos homens, mas os seres imortais conhecem muitas. Não longe daqui existe um poço que leva as profundezas do mal.”
Justiniano então reuniu seu exercito de desgraçados e marchou uma última vez.
Eles chegaram então a um palácio abandonado.
“Aqui”, disse o anjo, “viveu um antigo servo do mal que ousou desafiar seu mestre, mas o demônio é vigilante e abriu uma passagem através do poço por onde mandou seus lacaios que capturaram o desgraçado e o levaram para seu senhor.”
Muitos daqueles que acompanharam Justiniano se acovardaram com as palavras do anjo e abandonaram a marcha, mas a maioria ficou. Porém Justiniano lhes falou:
“Em lugar nenhum da Terra encontrarei soldados tão valorosos, mas esse jugo é meu e a ele estou preso, vós porém estão livres dessa sina e podeis partir.”
“Não general”, disseram eles, “pois esse jugo também nos pertence e não estamos todos nós destinados a sofrer no Inferno? Mas se há no mundo uma chance de nos libertamos então devemos aproveita-la. E o senhor é de todos o maior general, e é de nossa escolha segui-lo até os confins do Inferno!”
E ouviu-se um brado tão grande a beira do poço que dizem que até no inferno ele foi sentido.
O anjo, que possuía dons ocultos, transformou as hostes de Justiniano em nevoa e a fez descer sobre o poço. Assim, pela primeira vez um exército de mortais entrou no mundo daqueles que não tem mais corpo.

Os portões do Inferno eram imensos e guardados por criaturas das trevas, mas a guarda era feita para evitar fugas, pois demônio nenhum temia uma invasão, por isso foi grande o medo quando surgiu Justiniano à frente de seus estandartes e suas trombetas tocaram em desafio. Dizem que os pilares do inferno tremeram com o som das trombetas, e os espíritos traiçoeiros se encheram de pavor e os que eram cativos injustamente se encheram de esperança, até Valéria deixou de sofrer por um momento e deve a certeza que era seu amado que chegara.
“Demônio, venha”, desafiou Justiniano, “Cumpri meu juramento e como tu foste a minha casa agora eu venho a sua buscar o que é meu. Venha me enfrentar, ou és um covarde que se esconde atrás de muradas?”
O Diabo então conheceu o medo mas foi obrigado a sair pois sua autoridade fora ameaçada na frente de todos os seus servos. As portas do inferno foram abertas e o Inimigo do mundo surgiu à frente de uma infinidade de criaturas das trevas e avançou sobre o exercito de Justiniano.
Vendo o medo nos olhos dos homens o anjo que os acompanhava bradou:
“Vejam homens, o destino dos desgraçados da Terra, não temam, desafiaram o demônio e por isso terão seu lugar assegurado no Paraíso!”
Ouviu-se um desembainhar de espadas mais forte que mil trovões e então se iniciou a maior batalha desde o surgimento dos homens. E a cada golpe de espadas os demônios conheciam a dor e recuavam com medo e agonia, pois eram fracos e lutavam por servidão enquanto os homens de Justiniano lutavam pela libertação de suas almas. E o anjo espalhava luz nas trevas cegando as criaturas do mal e abrindo espaço para o mais destemido dos exércitos dos homens.
E Justiniano e o Diabo se encontraram face a face, o demônio assumiu sua forma original de Príncipe do Mundo e uma grande luta se iniciou.
“Ainda se ajoelhara diante de mim Justiniano e levará meu nome sobre a Terra.”
Mas Justiniano agora era surdo às palavras do Diabo, ele brandia sua espada com fúria e segurava seu escudo com bravura. A peleja durou horas e no final poucos soldados restaram, mas das forças das trevas não se via mais sinal, enquanto isso Justiniano ainda duelava com o mestre do mal até que em um golpe final arrancou um de seus braços. O Diabo então caiu de joelhos aos pés de Justiniano.
“Piedade grande General, tenha piedade e farei de ti o maior dos homens.”
“Levante demônio. Tu não sabes o que é a piedade, suas palavras estão cheias de malícias e mentiras!”
Justiniano amarrou o Diabo em correntes de prata e adentrou o inferno onde com a ajuda do anjo resgatou Valéria de seu sofrimento.
Porém o anjo disse a Justiniano:
“Justiniano, Valéria está liberta, mas não pertence mais ao mundo dos mortais. Agora tu deve deixa-la ir ao meu mundo, onde um dia voltarão a se reencontrar.”
Justiniano chorou e abraçou uma última vez Valéria.
“Valéria, lutei tanto por ti e para nada!”
“Não foi em vão meu querido, pois sua luta libertou muitas almas e um dia nos encontraremos no além.”
Justiniano e Valéria então se beijaram e pela primeira vez o inferno conheceu o amor, e dizem que foi por esse amor e não pelo ódio de Justiniano que o Diabo caiu. Mas por fim o espirito de Valéria se desfez e subiu aos céus.
Justiniano, o anjo e os poucos soldados que restaram conduziram o Diabo como cativo e voltaram para o reino dos vivos. Porém assim que a noite caiu os servos do demônio subiram o poço e resgataram seu mestre apesar dos esforços dos soldados de Justiniano.
“Deixe-os ir”, disse o anjo, “Essa guerra ainda demorará muitas eras para ser vencida, mas o inimigo do mundo conheceu sua pior e mais vergonhosa derrota.”

Nas narrativas que chegaram até nós muito se perdeu, mas sabemos que Justiniano e seus liderados descansaram após a batalha e depois ainda percorreram o mundo muitas vezes em busca dos seres do mal, porém não se reuniu nenhum exército tão glorioso como aquele que invadiu os recônditos das sombras. Justiniano enfim encontrou a morte e foi descansar no Paraíso onde reencontrou sua amada Valéria, dizem ainda que ele aguarda com todos os seus liderados o dia do Juízo Final quando mais uma vez marchará com sua legião.
Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 25/04/2012
Código do texto: T3632703
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