Em Vestido de Noiva

Um manequim.

Com aqueles olhos castanhos vítreos, tão contemplativos. Um sorriso tímido nos lábios rosados, e a expressão da mais pura felicidade. Aquele manequim lhe fornecera a vivacidade que tanto necessitava em sua loja, onde noivas sonhadoras de todos os lugares procurariam o seu tão sonhado vestido.

Por noites, permanecia ali, depois das horas de trabalho, a contemplar sua noiva. Com uma cálice de vinho a mão, sentado as pés da dama, ele sonhava. Imaginava aqueles lábios tenros, ganhando vida, os olhos dela cheios de ternura tomados de amor, as palavras mais doces proferidas por seus lábios. As mãos, tão pequenas, a toca-lo. De todas as outras, ela era a sua preferida, pois nela ainda havia vida.

O som da vitrola inundava o ar, enquanto ele a segurava firme nos braços. Ajustava cuidadosamente os laços, fitas e pérolas, recolocando por fim o anel de ouro em seu dedo. Pregava os botões, os cristais que iluminavam sua saia, atava os laços trançados em suas costas, e por fim, contemplou-a com a diadema prateada, que apenas realçava o tom castanho vibrante de seus cabelos.

Ela era a sua maior obsessão. O fruto do seu desejo desmedido. E nos olhos dela, em silêncio, ele existia. E se acaso pudesse, ou houvesse poder maior neste mundo, lhe daria a vida, novamente.

Ajeitou-a de fronte a vitrine, espalhando a calda do vestido, alguns últimos ajustes e o vestido estaria pronto.

O vestido perfeito para a noiva perfeita.

Quando as horas jorravam, viu-se em plena madrugada, perdido em devaneios de amor. A hora dos mortos soou no relógio de corda, ressoando em sua solidão e então a música cessou.

Levantou os olhos, e viu sua amada docemente virada em posição contrária, com os olhos brilhantes a encará-lo, desnudando-o em ternura. Esfregou os olhos, para ter certeza de que o sono já se transformara em um sonhar de olhos abertos.

Ela sibilou seu nome. Os lábios finos se contraiam em um sorriso terno.

Ele sentou aos pés da dama, mas ela continuava, ali dura como um cadáver. Tomou um gole do vinho, chamou por ela. Mas era só silêncio. Podia ser o vento, a sussurrar seu nome, a brincar com o seu desejo. Sim, era isso. Era só o vento.

Um corvo crocitou na noite, e o vento uivou novamente. Ele retomou a sua noiva, a recolocando em sua posição, a olhar pela vitrine, para que pela manhã, seus olhos fossem fitados por jovens e sonhadoras damas, assim como ela um dia fora.

Pegou o molho de chaves, afinal já era hora de fechar a loja e dormir, para que no raiar do dia, tudo recomeça-se. Ouviu o arrastar de algo, e quando seus olhos se levantaram, lá estava ela, no meio do salão a fita-lo, em uma expressão estranha e triste. O medo lhe atingiu, mas o desejo em tê-la dissipou-o. Ele sabia, ela, sua noiva não queria deixa-lo ir para longe de si.

Ela elevou o braço direito e estendeu os dedos em sua direção.

Se aquilo não fosse real, não importava pois ela estava diante de si, viva como esteve antes. Deixou o molho de chaves cair aos seus pés, antes mesmo de abrir a porta, andou temeroso até a noiva que o encarava, esticou os seus dedos ávidos, e a tocou. A pele lisa e macia o fez estremecer e arder, ela o tocou com os dedos, deslizando por seu rosto, tocando os lábios trêmulos. Ela sorria. Estava ali diante de si, viva.

- Tire minhas vestes... – ela sussurrou. Trançando os braços em seu pescoço, deixando-o aspirar o cheiro doce que havia nela.

Despindo-a com cuidado, tocou a carne dura e lisa de sua noiva, sentindo os seios gélidos em suas mãos, deslizando entre as suas costas, fazendo-a a gemer em seus ouvidos. Jogando-o ao chão, ela laçou-o com as pernas, soltou os cabelos jogando a diadema de prata, deixando as mechas lisas desaguarem entre suas costas.

- Sentistes minha falta... em minha clausura...a que me condenastes... – ela o beijava avidamente, mordicando os lábios temerosos do rapaz, que fremia sobre ela, sobre seu peso, seu corpo.

- Eras minha e de mais ninguém.... eras minha... –a respiração entrecortada o deixava tonto, com os olhos perdidos nos dela.

Retirando as roupas dele, rasgando os botões de sua camisa, deixando-o a mercê de seu próprio desejo, transformada em carne o que um dia fora apenas cera, ela deixou-se invadir por ele, completando-o.

- Eras minha... e de mais ninguém... – sussurrava ele em seus ouvidos, afundando os dedos desejosos em seus cabelos, em seus seios, em suas coxas. Permitindo que aquele anseio louco o consumisse por completo.

Em uma cavalgada desenfreada, ela arrastou os dedos até o seu pescoço em uma carícia sensual, circulando com seus dedos, enquanto deixava-se inundar do mais intenso prazer. Os olhos dele nublados, entregues a ela, perdidos em suas fantasias, não notaram a expressão ardilosa que surgira na face de sua amada noiva. Sentiu os dedos gelarem e apertarem com força sua traqueia.

- Por que me condenastes? Por que me matastes? – a expressão demoníaca nos seus olhos arrebatou o prazer para longe, e a força em suas mãos sugavam o ar de seus pulmões – não pertenço a ninguém, assim como não pertencia você!

Em uma luta engasgada, tentou desvencilhar-se do aperto assassino de sua noiva, mas sua força descomunal o pressionava contra os chão, sentia que seus ossos seriam esmigalhados.

- Tirou-me de meu amado, apenas para sustentar sua doentia obsessão – os olhos dele já se tornavam rubros, banhados de sangue – e me transformou em sua noiva, em uma prisão!

Os pulmões ardiam, agarrou os pulsos da noiva sentindo que a força já o abandonava, o corpo convulsionava à espera da morte, sentiu os ossos partirem em algum lugar, a pressão fez saltar um dos seus olhos, a visão turvou em vermelho vivo e a consciência o abandonou.

Acordou em sobressalto, com o som da taça de vinho a se estilhaçar aos seus pés, a música ainda fluía lenta, e a noiva estava à vitrine de costas, como devia estar, a encarar a paisagem outonal. Esfregou o rosto, presumiu que havia bebido demais, afinal ela não podia voltar à vida. Jurou a si mesmo, que até o fim de sua vida, ela seria sua. Apenas sua, para contempla-la, admira-la, como deveria ser quando estava viva.

Somente sua, sua amada e ingrata noiva.

Pegou o molho de chaves que estava no bolso do paletó, escolhendo dentre elas a que iria encerrar aquela noite sombria. Iria para casa, tomaria um bom banho e dormiria em um sono dos amantes amargurados.

Ouviu o arrastar de algo. Ergueu o olhar, temendo que o pesadelo o perseguisse, e ao fita-la estava ela a sua espera...

Conto inspirado na noiva ´´Cadáver`` Mexicana, La Pascualita.

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Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 02/05/2012
Reeditado em 08/05/2012
Código do texto: T3644812
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