“Meu amigo Saci”.

Quando meu pai morreu, deixou um pedaço de terra para eu cuidar e tratar de meus irmãos e minha mãe. A situação era muito difícil, só conseguia colher um pouquinho de feijão, batata doce, inhame e fazer uma pequenina criação de galinha e porco.
Minha mãe não tinha saúde e nos deixou, foi para junto de meu pai, na grande fazenda do céu.
Depois os irmãos desgarraram, foi um para cada lugar. Alguns se deram bem, outros não conseguiram nada, mas nenhum voltou para ajudar, como era a promessa de todos.
Fiquei só eu e a terrinha, pequena, mas daria para me sustentar não fosse minha preguiça. De manhã eu ainda ia pra roça, capinava um pouquinho, depois ia para um riachinho, ver se pegava uns peixinhos para comer. Sempre conseguia uns lambarizinhos ou tilapinhas, às vezes até uma carpa mais graúda, que dava para comer alguns dias. Só que peixe grande tinha que salgar, dava um trabalho medonho. Então não valia a pena melhor era o lambarizinho mesmo.
Nesta época eu fumava cigarro de palha.
Como não tinha plantação de milho, tinha que comprar até a palha. Achei um desaforo então fiz um pito de barro.
(pito=cachimbo).
A partir daí fumava quase o dia inteiro, quando não fumava por comodismo punha o pito no canto da boca e quando dava vontade de fumar, colocava ele para frente e acendia.
Um dia na beira d’água, o pito atrapalhava e coloquei-o numa pedra próxima. Como não estava conseguindo pescar estendi a mão para pegar e dar uma baforada. Qual não foi meu susto, quando vi que eu tinha um sócio. Maior ainda era o medo, pois era um saci que dava lindas baforadas no cachimbo fazendo rodelas de todo tamanho. Dando risada, ele falou para mim:
- Olha aqui o caipira, eu não sou ladrão, sou um saci, e saci não rouba, só faz molecagens.
Fui me acalmando e falei para ele:
- Pode fumar a vontade! Tem fumo aqui de sobra.
Mostrei uma bolsinha que carregava o fumo já picado. Com o pouco tempo que estávamos juntos já havia certa intimidade.
Falei para ele:
- Rapaz, para um saci você fuma muito bem. Dá cada baforada que é uma beleza.
Aí ele se empolgou e começou a me mostrar várias que sabia.
- Esta é de carneirinhos.
Não é que o safado fazia direitinho parecia carneirinho mesmo. Parei de pescar, tive uma aula de pito. O cara era bom mesmo. Aí ele falou uma coisa que me deixou triste.
- Quando pulava pelas pedras ao lado da cachoeira meu pito caiu n’água e nunca mais eu o vi. Acho que meu primo o Caapora pegou para ele.
- Mas não tem importância fica com este, eu faço outro para mim.
- Ah, mas não deve.
- Porque neste dedinho de prosa percebi que você é um baita de um amigão. Pode ficar com o fumo também, lá em casa tenho mais.
- Qual é seu nome?
- Meu nome é João Alfredo.
Ele ficou muito feliz e deu um assobio. Confesso que do assobio não gostei. Era muito forte e fino. Doía a cabeça. Aí ele falou:
- Bom João, então vou pegar meu pito.
- E seu fumo também!
-Vou embora, hoje não fiz nenhuma atrapalhação.
-Ta bom meu amigo, até amanhã!
Ele entrou num redemoinho e foi embora.
Eu que nunca tivera amigos, o primeiro que achei, tinha que ser um saci? Essa é muito boa... Nos dias que se seguiram encontrei meu novo amigo, todos os dias. Num dia destes, ele perguntou:
- O que você gostaria de ganhar?
- Amigo eu não preciso de nada, só eu conseguir guardar o dinheirinho para pagar os juros que devo ao banco.
- Juros? Então você deve dinheiro e paga os juros.
- É, mas ultimamente não tenho ganhado nem o dinheiro dos juros.
- E quanto você deve ao banco?
- Nem sei, tem uma hipoteca antiga. Teria que calcular e não sou muito bom nestas coisas.
- Amanhã não venha aqui, vá ao banco e mande calcular tudo, até uma escritura definitiva.
-Por que, meu amigo? Qual é sua ideia?
- É surpresa. Depois eu te conto. Meu fumo está acabando, compre um pouco mais para mim também?
- Meu amigo te dou o que tenho, mas não tenho dinheiro para comprar mais.
- Espere aqui que já volto e montou no redemoinho desaparecendo.
Acho que cinco minutos depois, estava de volta.
- Neste saquinho, tem algumas pedrinhas, valem bastante, porque até matam por ela.
Venda-as e compre bastante fumo, até pague a hipoteca se der.
- Vou à cidade de Hortolândia do Sul, porque lá tem um homem honesto que mexe com pedras. Ele pagará um preço justo, depois eu te pago por mês como estava fazendo com os juros da hipoteca.
- Primeiro pague, depois a gente se acerta.
- Meu amigo, espero poder pagá-lo breve porque você me tratou como nem parente faria.
- Quando você também me deu o pito, e o fumo fiquei pensando. O que será que ele vai querer em troca? O tempo passou e você não pediu nada, comecei a ver o valor da amizade e por isto não vou aceitar nada de volta faça bom proveito com o dinheiro que sobrar.
- Então vou fazer um estoque de fumo para a gente, assim teremos sempre um fuminho para queimar.
- Ta bom amigo, mas é cedo ainda, venha que eu te deixo perto deste homem que mexe com pedras.
Deu medo, mas realmente se você conseguir montar no redemoinho, o negócio e bom mesmo. Foi um cisco e estava lá.
O ourives que trabalhava com joias conhecia até meu pai e falou:
- Você tem uma pequena fortuna nas mãos, não tenho todo este dinheiro para te dar, amanhã vou ao banco e acerto para você a escritura e tudo o que sobrar, eu te dou e vai sobrar muito.
Pedi para ele um adiantamento e comprei quase dois quilos de fumo, quando Ia sair vi um cachimbo, não era igual o pito que eu que havia feito e dei para o meu amigo.
Com um saquinho nas costas caminhava feliz, embora que seria uma viagem e tanto até em casa.
De repente um vento forte e meu amigo gritou:
- Vamos depressa que ele não espera.
Corri entrando no redemoinho apoiando no braço de meu amigo saci.
Quando chegamos ao sítio expliquei para ele tudo que o ourives me disse.
- Ele falou então está bom, mas parece que você pegou o fumo que eu havia pedido.
- Sim só que tem um problema.
- Fale amigo qual é o problema?
- É que junto com o fumo, veio um negócio que gostaria que você aceitasse.
Quando ele viu o cachimbo estalou os olhos de felicidade e disse:
- É seu? Que bonito!
- Não, eu não teria o que fazer com algo tão belo, então resolvi dar para um amigo.
Como se não soubesse, pois o bichinho era mais que vivo perguntou.
- E eu conheço este amigo?
- Acho que não, ele é de muito longe.
Percebi que meu amigo ficou triste, mas não deixou transparecer e já alegremente falou:
- Fico feliz por ele, é bom ter amigo.
- Rapaz pegue seu cachimbo, que você já está me encabulando.
- Mas não precisava, olha só que lindo, não precisava.
E sorria com a boca mais lindo do mundo cheia de dentes.
- Sabe amigo agora descobri como é bom dar presentes, você se sente feliz mais que quem ganha. Mas rapaz, estou morrendo de sono acho que vou tirar uma pestana, amanhã quero estar cedinho na roça. Agora que ela voltou a ser minha, quero trabalhar como nunca.
- Falou amigão também vou para um lugar mostrar o meu presente, mas não precisava... - e correu com sua perna só e falou: - precisava sim, fiquei feliz.
E sumiu na poeira com aquele assobio que aprendi a gostar, mas que era irritante era.
Dois dias depois assinei no cartório a escritura definitiva, agora podia morrer em paz.
Quando meu amigo voltou, estava todo feliz e eu falei do sítio que agora estava tudo bem.
- Como é gostoso ter amigos. - e tirou aquele cachimbo lindo. - Não empresto para ninguém, mas se quiser dar uma cachimbada.
- Posso?
- Lógico, você pode.
- Rapaz parece que fica mais gostoso ainda.
- Tome que isto não presta, é coisa dos outros. Sobrou muito dinheiro e preciso que você me diga o que fazer.
- É seu, você quem sabe, compre coisas para o sítio, não que esteja mandando, mas você quem sabe o que mais precisa.
- Meu sonho era por eletricidade, e uma bomba d’água no poço.
- Então o que está esperando? Compre se o dinheiro dá.
- Dá e sobra.
- Então tá bom. Mas hoje tenho que fazer algumas coisas que a muito não fazia. Vou ver meus primos de outra região.
Fiquei uma semana sem ver meu amigo, até que ele chegou e foi falando:
- Como vão as coisas?
- Ótimas, já vieram instalar a bomba para o poço e a luz já foi instalada dois dias depois que você viajou.
- Preciso de você, sempre me disse que era só pedir, então lá vai, quero que compre o sítio de seu vizinho.
- Lógico que existe uma razão, mas não vou perguntar, se algum dia quiser me falar estou as ordens, vou falar com ele.
- Vou te contar agora. Sabe o bambuzal que você tem na beira do rio? Metade é dele e parece que ele vai cortar. Nossos irmãozinhos nascem no gomo do bambu, se ele cortar como eles vão nascer? Conto com você e não se fala mais nisso.
- Tome um saquinho de pedras, venda e compre o sitio para você. Fale que quer aumentar e construir uma granja, todos vão acreditar.
- É verdade e a granja poderá dar emprego à muita gente.
- Verdade, fará uma bondade a mim e será um homem rico, granja dá dinheiro não?
- Sei lá, deve dar.
- Então mãos a obra meu amigo.
Dentro de uma semana comprei o sitio ao lado. O antigo dono ficou contente e nosso amigo mais ainda.
Não havia a preocupação de ganhar dinheiro e sim de servir o amigo.
Mas tudo que é despretensioso, parece abençoado e realmente a granja começou a render um ótimo dinheiro.
Conversando com ele disse:
- Sabe meu amigo, eu mal aprendi a ler, gostaria de ter uma escola para as crianças próximas do sítio, espaço nós temos, só falta construir.
- Me dá a ideia certa, que vou falar com o prefeito e os vereadores.
Consegui todo o apoio que queria e não deu outra. Mais uma vitória nossa, a escola foi feita e está em pleno vapor.
- Meu amigo, preciso te pedir um conselho.
É que estou ficando velho e não tenho ninguém para me cuidar em caso de doença. Sei que você sempre tem me ajudado. Mas preciso de ajuda diferente sabe?
- Só não falei porque é um assunto delicado. Quando eu vou visitar meus primos, não é bem verdade. É uma moça com três garotinhos que amo de paixão.
Outro dia falei para ela “Será que o João, não queria ter uma companheira?”, a mulher até falou: “Conversa com ele, tem tanta moça boa procurando um homem honesto.”
- É que tem na colônia uma moça bonita, de trato, corpo bão, trabalhadeira. Acho que ela também gosta de mim, se o amigo aprova eu vou falar com ela.
- Já devia ter ido, boa sorte.


Isto faz mais de cinco anos. Nossa família já aumentou varias vezes. Agora somos em quatro, eu, a mulher e um casal de galeguinhos lindos, iguais a filhotinhos de codorna. São a razão de minha vida.
Meu amigo agora virou meu compadre só que a esposa não conhece. Já pensou se ela soubesse que eu era compadre do Saci?
Damos boas risadas e nossa amizade continua cada vez mais forte.

Obs. Quando coloquei "terror "foi por causa do meu amigo saci, ele não aceitaria outra coisa, mas é um terror Light.
                        OripeMachado.

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 05/05/2012
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