Vingança pelo sangue

- Podemos começar? – perguntou o homem sombra assim que surgiu do nada.

- Devemos esperar o momento certo, e este, sou eu quem decide, não você! – respondeu Alex com um tom de voz calmo e malévolo sem se virar para o demônio que se posicionou um passo atrás do seu ombro direito.

- Você como sempre se revela resoluto desde o dia em que buscou a nossa ajuda – comentou o homem sombra – a sua sede de vingança parece ser insaciável.

Alex ignorou o comentário, permanecia impassível, olhando a movimentada rua abaixo. Se encontrava no alto de um pequeno edifício de três andares, alto o suficiente para se manter longe de olhares curiosos, mais próximo para ver quem passava pela calçada. A rua estava bem iluminada e movimentada, apesar de ser tarde da noite o show de uma banda qualquer nas proximidades fazia o trânsito de automóveis e pedestres permanecer estável.

- Eles devem estar chegando – comentou Alex – com isso poderei fazer o que aspiro. Nesta noite voltarei a ter paz em minha alma tão atormentada.

- Os tormendos de sua alma não me interessam. Interessam-me os sacrifícios futuros – respondeu o homem sombra.

- Quanto a isso, não se preocupe, o acordo será mantido – devolveu Alex, sempre sem dirigir um único olhar para a sombra às suas costas, demonstrando despreso. Mesmo com a escuridão de onde estavam, era possível perceber a criatura fantasmagórica.

Quando viu os três assassinos dos pais sairem impunes após meses de processos e em um julgamento falho, Alex se decidiu a tomar uma atitude. Pensou em contratar assassinos, mas julgou que seria pouco, se associou a uma estranha ordem, denominada: “A Ordem das Sombras de Sangue”, da qual nunca tinha ouvido falar até um amigo lhe indicar. Após cumprir todos os rituais macabros exigidos para ingressar, pode pedir o seu primeiro favor, que também teria um preço a ser pago futuramente, e este era a vida dos assassinos.

- Você sabe que não precisava estar aqui, não precisava nem participar – disse a sombra – só precisava indicar e faríamos o resto.

- Mas eu queria esse poder, é minha responsabilidade, eu devo fazer isso, que o sangue deles pese sobre mim – respondeu Alex sempre com a voz calma, fria. Ergueu a cabeça e olhou para o céu carente de estrelas, lembrou-se de quando era criança e no colo do pai ouvia as mais varias histórias, apontava para cada uma delas, dando-lhes nomes. Uma lágrima poderia ter-lhe rolado pela face, mas não aconteceu, não as tinha mais. Tinha chorado todas no velório dos pais. O seu coração havia morrido.

Há muito era independente financeiramente, era um homem estável, bem sucedido, mas a ausencia dos pais era grande. Queria vingança. “Eles foram mortos covardemente, e os assassinos pagarão por isso com a vida”, pensou.

Olhou para baixo, viu três homens saírem de um Nissan recém estacionado junto à calçada, como sabia que aconteceria, havia estudado os três meticulosamente. Rubens, Neiva e Lourenço, playboys conhecidos e temidos em toda a cidade. Envolvidos com tráfico e prostituição, mas por serem filhos de políticos e empresários poderosos, permaneciam impunes. Mataram os pais de Alex porque precisavam de um automóvel para fugir quando corriam de uma briga de gangues, onde a deles levara a pior. Nenhum chegava aos trinta anos, mas já tinham cometido crimes por toda uma vida.

- Sabe o que fazer – disse a sombra.

- Sei! – retrucou Alex.

Com o olhar fixo no movimento dos três logo a baixo, puxou um pequeno canivete com cabo negro do bolso da calça social cinza que vestia, sua camisa era negra. Abriu o canivete e fez um profundo corte na palma da mão direita cujo braço permanecia erguido à altura do cotovelo. Estendeu a palma. O sangue fluia, vermelho como tinha de ser, repentinamente ficou negro, como se todo o sangue de Alex sempre fosse um líquido viscoso e sombrio, um pouco menos denso que óleo de motor.

As gotas começaram a cair lentamente no chão, concomitante a isso, sombras se erguiam na calçada onde os três assassinos caminhavam calmamente. Brotavam dos espaços nos azuleijos da calçada, das frestas, inicialmente lembrando água. As outras pessoas que trafegavam pelo local também viram o fenômeno. Alex virou lentamente a palma da mão, deixando-a de lado, como se fosse segurar uma barra de ferro na vertical. Moveu os dedos, fechando-os lentamente.

As sombras fizeram um movimento circular, rápido, e envolveram os três, que olhavam incrédulos. Um deles tentou se aproximar, e uma ondulação o atingiu e o jogou ao chão. Estavam cercados. Centenas de pessoas pararam e olhavam com ar aterrorizado. Eram sombras em meio á forte luz dos postes. Alex começou a fechar o punho, e o cerco apertou.

- Morram – sussurou.

Os três indivíduos foram envolvidos aos olhos de todos. Aos seus gritos de desespero e dor somaram-se os das mulheres que observavam e viravam os rostos com as mãos combrindo a face. Eles estavam sendo consumidos no meio da rua e se contorciam como se lhes tivesse sido ateado fogo. Minutos depois o que sobrou dos corpos pendeu no chão. Parecia que haviam sido devorados por chamas negras. Estas sumiram repentinamente, entrando nas mesmas frentas de onde haviam surgido. A polícia foi chamada, para nada, não havia o que ser feito.

Alex olhava para baixo com uma expressão de ferro no rosto.

- Satisfeito agora? – perguntou o homem sombra.

- Sim – respondeu Alex.

- Agora nos deve ainda mais. Sabe que vamos cobrar – ao dizer isso sumiu da mesma forma surgiu.

Depois de tudo a mente de Alex ficou confusa, não se sentia melhor com a morte dos assassinos, mas o que estava feito estava feito, e havia empenhado o proprio sangue. Havia abidicado da liberdade, tinha uma organização malévola para seguir e estaria à disposição, por toda a vida.

FIM.