O Lugar

Um recinto pequeno, envidraçado, onde de fora é possível observar o interior, salvo pela pintura sobre a vidraça, que esconde o ambiente interno, embora muitos pontos descascados revelam o que tende a esconder. O homem estrábico aponta para dentro. Passo a passo termina o cômodo pequeno, cimentado. Uma escada leva a parte superior, se corrimão, apenas o cimento bruto dos degraus, que terminam em outro cômodo pequeno, como duas caixas de fósforo sobrepostas. é possível ouvir a movimentação frenética na avenida que passa em frente. As mãos em volta dos joelhos, agachado e balançando, feito um autista da depressão.

Na falta de televisão para distração, assim como livros, apela para a imaginação. Cria figuras fantásticas que habitam mundos surreais, onde é devorado a cada instante pelos pensamentos vorazes. A própria música é fabricada, um ritmo contínuo que se faz mantra da agonia. As mãos alisando o corpo nu, procurando verificar se tudo encontra-se no lugar, mesmo que um pelo ou outro tenha se perdido. Mordidas nos lábios fazem com que sinta o sabor ferruginoso que é sorvido ansiosamente. Unhas já compridas arranhar as paredes que descascam, cedendo a insistente fricção.

Sentado no solo do banheiro, se masturba. Segurando o membro despretensiosamente, com o gesto mecânico que o enrijece, enquanto os testículos contraem. O gozo escorre pelo piso e salpica a parte interior das coxas. Fita o teto com o dedo rodopiando a poça de sêmen. Sentando-se em seguida na privada e defecando, sem força, como se as fezes já desejasse sair por conta própria. Entra embaixo do chuveiro com as nádegas embostadas, passando a mão entre elas e contemplando a água marrom que vai em direção ao ralo. Ensaboa-se por inteiro e deixa a água cair por um longo momento sobre a fronte.

Cai deitado nu sobre a cama, que ocupa praticamente o cômodo inteiro. Quando vira para tentar adormecer, se depara com aqueles olhos arregalados lhe encarando. O corpo nu de mulher, morto, com o sangue já seco nos lençóis. A abertura das facadas na região abdominal, a boca pálida que beija e sente o hálito da morte. Aperta as nádegas frias, abraçando o tronco rígido. A franja cai sobre um dos olhos, dando um ar de mistério. Encara os olhos mortos e relaxa, fechando lentamente suas pálpebras e adormecendo, com lindos sonhos e gemidos de prazer que geraram uma polução àquela noite.