Ritual

Em algum lugar, longe das grandes multidões. A floresta serve de templo aberto, onde os animais noturnos são expectadores discretos, vez ou outra interferindo com algum som que parece fazer parte da composição rítmica dos executores. Tochas posicionadas nas quatro extremidades, um simbolismo aos pontos cardeais. Velas também decoram, com sua chama tremulante. A luminosidade faz contorno aos corpos com cobertos com túnicas negras. No centro de uma clareira, um imenso pentagrama que fora traçado, a belíssima estrela de cinco pontas circundada pelo halo. Incensos queimam, dando uma fragrância forte que intoxica. Imensos recipientes com água cristalina, espalhados. Os quatro elementos unidos aos quatro pontos cardeais.

Inicia a cerimônia. O membro se despe, expondo o falo amolecido, segurando uma espada que toca a fronte de outros participantes, que estão ajoelhados, aguardando a saudação. Somente um capuz no rosto, mantendo o restante do corpo nu. Uma das mulheres se aproxima, levanta a túnica, agacha e urina no centro do pentáculo, as outras repetem o gesto. Apenas uma se mantém afastada. A poça de urina tem tom avermelhado, pois todas as que contribuíram com a oferta estão menstruadas. Somente a da outra extremidade que não contribui, está grávida, a barriga proeminente é beijada por todos, assim como a vulva com vasta quantidade de pelos. O sangue menstrual se mistura ao dos animais sacrificados.

Inicia a dança, incentivada por uma música criada pelos membros, tocada em instrumentos de percussão rústicos. A cabeça de uma ave torcida e arrancada, o sangue escorre e o corpo do animal, feito uma ânfora, derrama sobre o corpo nu do dançarino, que bebe o fluído da vida. No momento em que um casal começa o coito, explorando diversas posições, cada uma favorecendo um dos sexos. Na sodomia liberada, homens penetram outros homens. Mulheres acariciam com os dedos e as línguas as genitálias umas das outras. Outras espécies são inseridas na orgia, após convite licantrópico. Pequenos iniciados nas práticas rituais, dos prazeres da carne a violência do sacrifício. O chiado de imensas panelas de barro que cozinham partes de todos os animais, inclusive os humanos.

Rezas pronunciadas em latim. Um coro repete certos trechos, sendo atiçados por alucinógenos, do álcool a folhas de coca. A grávida é amarrada. O sacerdote usando uma adaga perfura seu ventre, todos os outros participantes repetem o ato. A noite é de sacrifício do não nascido. Uma geração extinta. Todos se cortam, ofertando o sangue em noite de lua vermelha. Pede-se a emergência de uma lua nova, com uma representante fazendo-se símbolo, totalmente depilada, com a pele de uma brancura de porcelana. É fertilizada por cada um dos devotos, preenchida por todo o sêmen que foi possível gerar, acariciada por todas as formas que as outras fêmeas puderam encontrar. Aponta o dedo para aquele que será seu eunuco. O sujeito é castrado, tendo sua sexualidade restringida à cópula anal, passivo enquanto viver.

Chega ao término mais uma madrugada. Cada um dos praticantes volta ao seu papel convencional. Membros familiares, profissionais ilibados, autoridades exercendo governo. Até as lembranças deixam de existir, o que ocorre no rito, fica no rito, absorvido por Gaia. Outra moral se exerce em um Sabbat. A floresta absorve a energia atuando em harmonia com a magia. O adubo sacrifical revigora natureza, que clama por oferendas, daí a necessidade das batalhas pela sobrevivência de uma espécie. A vida é irmão siamesa da morte, ambas dividem cada etapa do processo, incessantes em produzir para destruir. Eis o grande círculo, que envolve cada astro, promovendo explosões com intuito de sempre expandir, pois a vontade de potência e a grande lei dos fragmentados.