Lagrima

A folha branca maculada com o vermelho carmim do sangue, uma gota caudalosa, a quem a observasse na superfície saberia vinda de um sulco profundo na pele, uma narina ferida talvez, mas quem visse que se tratava de uma lagrima se perguntaria do impossível de tal cena.

Uma mulher, com todo o peso da palavra em seus vinte e poucos anos, a desilusão brotando entre as noites vazias, perdida entre insônia e despertares assustados: um ser em caos mental.

Era silenciosa, delicada e ao mesmo tempo dura, erguia muros a seu redor, algo de sedutor e inacessível, habitando em uma silhueta fina e torneada, tez morena e olhos brilhantes. Dentre os absurdos de seus pensamentos em uma noite foi visitada por um homem. Se alucinação ou realidade não poderia dizer, parecia se movimentar com a leveza do vento, era um vulto encarnado, parecia disforme, algo entre a bruma e o concreto. Tocou sua pele, com olhos negros presos aos seus e delicadamente se abaixou em sua direção, uma dor aguda no pescoço fez com que seu sangue escorresse e aquele ser sugou com leveza, usou certamente as unhas ou algum instrumento, mas via claramente que agora sorvia seu sangue em um deleite demoníaco.

Acordou pela manhã sem forças, a lembrança daquele homem estava nítida, mas poderia certamente ser só um sonho. O dia, em sua lentidão doentia, parecia que o sol estava mais quente, que o ar era denso demais para seus pulmões e sua pele parecia prestes a descolar deixando só os músculos a mostra. Não se sentia bem em sua própria pele, o estômago embrulhado, uma tonteira que vinha de tempos em tempos. Foi a enfermaria da empresa, diagnosticada com queda de pressão foi liberada, mas remédio algum surtia efeito, foi para casa na esperança de descansar e melhorar.

Em delírios de febre se contorcia, em espasmos alucinava com cores, luzes e a figura do homem voltou à sua mente, e seus ultimo momento de lucidez, notou que era real, a espreitava silenciosamente, desmaiou então.

Acordou então atônita, era noite, sua casa silenciosa, foi ate a cozinha comer algo, mas a boca rejeitava tudo, pegou seu celular e viu 50 chamadas não atendidas, de inicio não compreendeu, tinha ligações da empresa que trabalhava, de amigos e ate de sua mãe, quando notou, finalmente, se tomou de pavor, era dia vinte e quatro! Não era possível, o dia que passou mal era dia vinte! A casa escura, todas as cortinas fechadas, confusa, não sabia se retornava a ligação, ou se esperava o dia clarear para fazê-lo. Sentia sede, uma sede profunda, mas a água que bebia logo vomitava. Sentou ao sofá e esperou a mente se acalmar, quando notou não estar sozinha.

O homem se sentou em sua frente, atônita já pretendia ir a porta, ligar para policia ou similar, mas temia que estivesse armado e ficou apenas ali, olhando assustada para ele.

-Agora és minha, escolhi para ser minha companheira pelos próximos séculos.

Não compreendeu de imediato, olhava com temor ao invasor que dizia coisas sem sentido.

Em um rápido movimento foi até ela e a puxou para si:

-Você está morta.

Estava de pé, era capaz de pensar, realmente agora questionava a sanidade daquele homem, até que foi surpreendida com um movimento rápido que abriu um rasgo em seu braço, o sangue escorreu, mas a dor era irrisória. Notou que a pele se regenerava em um certo pavor tomou conta de si.

-Uma morta-viva, como eu. Agora vamos beber sangue, está fraca.

***

A gota se sangue, que agora borrava o papel branco era uma lágrima de uma morta viva, que acabara de sorver a vida de um ser humano, e que agora lamentava a maldição que recebera da imortalidade. Era vil, com poder, força e a animalidade nociva que somente um predador pode ter... caçava pessoas, precisava do sangue, e desde então sua alma se esfriava a cada instante, mas aquela lagrima era seu ultimo pedido de socorro de uma ultima fagulha de emoção. Logo escreveria com o próprio sangue em seu diário, que mesmo que não tivesse poder para tirar daquela morte, era o consolo que restava...

T Sophie
Enviado por T Sophie em 24/07/2012
Reeditado em 26/07/2012
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