Ao meu amigo enxadrista

Buscaria em teus olhos as correntezas de minha insensatez mesmo que houvera grande garbo de minhas honorárias passagens esquecidas desse astuto local onde minhas vértebras sentem calafrios, saciando a saudade que dolorosamente carrego e entre meus dedos, fomentam um fato inexato entre a lógica e o pavor. Raramente trataria o espaço que de mim é acomodado, mas as lembranças felizes que trago ao lustre cinzento sobre as cabeças que aqui estiveram e olharam a vida desvanecer.

Tórrido ar de todo o aglomerado das substâncias errôneas sucumbirão uma carta a mim mesmo quanto as minhas pegadas familiares, entornadas pela terra e suas entranhas, jazeria mais um, eu, ou aquele, que tentara colidir a razão e o tempo.

Quisera estar entre as folhas rubras da estante encostada fronte a moldura lúgubre de olhos fixos, ainda que quisera, talvez, a atmosfera gelada inundou as mais espaças basculantes e trouxe o pensamento daquilo que jamais fora esmiuçado.

Bruxuleou a chama anis de uma das velas quando pude olhar nos olhos de meu austero amigo, sobre tais qualidades que proponho a contar, embora suas vestes tivessem maltrapidas, o tempo é o álibi para tal pecado nefasto de todas suas longas e pungentes escolhas, olhos brilhantes como estrelas grandes em noite enluarada, mas veementes sugestivas e traçadas a mãos de anjos, cabelos negros, tão escuros que na escuridão fazem o brilho azulado de seu reflexo jovial e controverso, dentes e lábios pecaminosamente belos. Com o olhar cravado feito presas inundou-me de sentimentos arbitrários.

Haveria ainda oportunidade de trata-lo como um grande homem, ou esquivaria de todo o desmazelamento que carrego em meus bolsos e pés?! De súbito jamais consideraria suas visitas inesperadas que quiçá compreenderia em melhor hora. Caso fosse o mais sutil dos meus companheiros, sugiro um jogo para que nossas diferenças jamais atrapalhem nossa proximidade, rapidamente trago de minhas facetas imorais um discurso entorpecente.

Trato apenas de um jogo, mova primeiro o peão, seja o mais franco dessa vez, e tente ao menos correr das trapaças organizadas que de tanto o critiquei, mas severamente peço que não use de seu conhecimento obsoleto, que apenas saberias alguém semelhante a ti, se consideras um escárnio, delibero que seus lábios permitam menores contrações, sugeria ainda que lançasse com menor frequência o desprezo no qual hostilizadamente leio eu sua face.

E que ainda, não trate apenas como um simples mover no xadrez, mas que minha presença o satisfaça cada vez mais de suas vindas, seja sem o vinho e todas as gargalhadas de outrora, sabes de que falo amável amigo, ainda que tentasse livrar as lágrimas de seu olhos, creio que as maçãs de seu rosto estão cada vez mais pálidas e belas.

Se cada passo ilustre de meus pensamentos trazem a ti, lembranças em vida, trato de esquecê-las quando estiver sobre minha presença nas partidas, mas obviamente gozarei das recordações como um manto aveludado de minha memória, traçando uma linha desconexa entre a luz e a escuridão, embora não esteja pregando nada que afete sua convicção humana ou espiritual, romperia meus laços intrínsecos quando a saudade de seus questionamentos inconvenientes sobre a maneira na qual levo minha arte. Humilhando me a fazer parte de seu posicionamento vil e agourado, estando mesmo entre a solidão de seus dias e a minha perturbação, reconheço que em breve estarei contigo para tratarmos de ocasiões que realmente superam a dor da perda e o frêmito gosto da morte.

- Marcos Leite

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