Conectados

Em salas obscuras, cobertas de um lodo negro, que gruda a ponto de jamais conseguir ser retirado. Criaturas perambulam. Seu crânio alongado, dando impressões humanas com proporções avantajadas. A boca, com um sorriso de dentes afiados, onde escorre uma saliva que é pestilenta. Os corpos nus, exibindo uma anatomia diferenciada. No primeiro da espécie, as vértebras que ressaltam sob a pele dura, que parece um exoesqueleto. Sem cabelos no crânio liso, que faz brilhar a escuridão nesse espelho frontal. Das genitálias, um tubo em forma de falo que já se conecta de imediato a outro da sua espécie, que recebe o duto por uma cavidade traseira, que faz com que mantenham uma íntima ligação.

Fixado o tempo todo em um pequeno campo. Oval por inteiro, parece chocar a si mesmo.Uma espécie de casco que paira sobre si, deixando apenas uma cabeça se expor em dado momento. Olhos pequenos e face horripilante, com gengivas sem dentição, deixando escorrer a saliva que não consegue ser contida pelos lábios cheios de fendas. Elimina suas secreções fecais em harmonia com o fluído de sêmen que recebe do outro que se conecta a ele. Da cabeça, escorre porções de massa encefálica, que inunda o espaço que habita. Da boca um túnel que engole outra fração, de um terceiro membro. Que possui um escoamento maior, depositando tudo que não lhe serve no outro que lhe abriga a forma de mangueira que vai de algo próximo a um umbigo, direto para a cavidade bucal.

O terceiro, movimentando seus membros, expondo garras, reage com pequenos passos. Escoando a partir de seu cordão umbilical espesso. De uma finura que o faz curvar-se, deixando todo o esqueleto à mostra. Dependendo da pressão do movimento, o coro pende para um lado ou para o outro, como se não conseguisse conter o peso dos ossos da parte superior. Um desequilibrado que possui andar de bêbado. Gemendo com um grito de ave de rapina, estridente. Parecendo uma marionete que é guiada de forma desleixada. Um fantoche ridículo de pouca substância, que mais deixa fluir a partir de si, do que impõe sua fluidez. Olhos sem pálpebras, que deixam as órbitas atentas, sem descanso diante das trevas que são sua morada.

O lânguido andarilho, abre uma cavidade no baixo ventre, recebendo três conectores fálicos que serpenteiam dentro de si. Um tridente de um Netuno bizarro, que rasteja com os membros invertidos, parecendo um inseto com as patas para cima. A barriga desliza pelo solo, roçando os tentáculos no solo úmido. Os membros iguais, sem poderem ser distinguidos, quais se fazem pernas ou braços, se é que os tem, fazem movimento de pinça, na tentativa de agarrar o céu negro que paira sobre seu corpo. As narinas, próximas ao chão, conseguem farejar o perfume de esgoto que é habitual aos que vivem em subterrâneos. Sua fala é um vômito que é lançado em algo parecido a uma cloaca, ligando-o ao quinto membro.

A quinta monstruosidade, abre-se em poros imensos, aspirando o que há de minúsculo ao redor. Sem olhos, possuindo apenas fossas orbitais, como outro tanto orifícios alongados que se multiplicam em sua estética. Pelos roçados arranham feito pequenos dentes. Cerdas que varrem a superfície que se estende por aqueles túneis. Apenas uma das cavidades que se pluga a um sexto habitante. Um fino ligamento que é um fio condutor, que quase se rompe com leves gestos, mas que engana a força, tornando-se maleável, chegando quase a escorrer em dado momento. De uma firmeza gelatinosa, que provoca viscosidade que o seu condutor faz alastrar. Tal condutor, um emaranhado de cabos, que forma um novelo. Impossível identificar os pontos de ligação, diante da proliferação de linhas. No centro, um pequeno espécime, que se faz sétimo

De tão diminuto, transmite um ar inofensivo. Apenas aparência. Contendo toda a descarga de todos os outros, como se fizesse um processo digestivo, distribuindo a cota devida a cada um dos ali enterrados. Possuindo estrutura corpórea ínfima, mas de identificação a olho microscópico, dos traços bem definidos, como se houvesse sido fabricado por meticuloso artesão. A face abre e fecha, conectando e desconectando em um fluxo de troca interminável. Prosseguindo e interrompendo os filamentos que brotam do oitavo cativo. Núcleo que expele com fúria desmedida, rastros de si. Produz incessantemente. Forma de difícil definição, já que nunca se faz, sendo percebido por esse desfazer inquietante. Alimentado pelo vácuo criado por suas interrupções que abre um portal que o liga ao nono.

A chave. Esta hedionda criatura. Ossos contornados por veias de múltiplas cores. Órgãos diferenciados. No coração, uma bomba mecânica de força aérea. O fígado rochoso. Pulmões interligados aos rins que são velas que assopram o ar que bombeia o coração, sempre desgastando o fígado, que solta grãos arenosos. Do ventre surge seu local excretor, depositando o que elimina, no primeiro da espécie. Em sua parte lateral, pende de um lado, um falo que nunca preenche a vagina da outra extremidade, que por conta de sua necessidade de substância, busca esse espaço que o oitavo permite criar, na ânsia pelos filamentos constantes que o outro verte em sentido contrário ao do seu desejo. Não conseguem descobrir quando o primeiro surgiu, nem mesmo se algum dia algum deixou de existir. Um ciclo que tende a não ter fim, sendo que a finitude, encontra-se emoldurada na repetição de um processo inacabável.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 01/08/2012
Código do texto: T3807816
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.