Confabulação de fantasmas

Mais vez acordou no meio da noite com o som de barulhos estranhos. Sua mente sempre arranjou desculpas convenientes para esses fenômenos, entendendo-os como naturais, por exemplo, rangidos de madeira. No entanto, dessa vez, eram muito nítidos, André não pôde ignorá-los. Há apenas três meses morava sozinho naquele casarão com três espaçosos quartos, duas salas, dois banheiros, cozinha, dispensa e uma grande área de serviço. Apesar de completamente reformada os vizinhos e outros conhecidos buzinavam constantemente em seu ouvido sobre os mistérios que rondavam o casarão, diziam já ter pertencido a um antigo praticante de ocultismo, que pessoas morreram de forma violenta ali, muitos afirmavam ouvir ruídos estranhos emanados do seu interior quando estava desocupada, e tantas histórias quanto era possível contar.

Muito corajoso que era, André não acreditava em histórias de outro mundo, ou qualquer tema relacionado ao espiritual, era secularista assumido e não temia o que não podia ver, ou ouvir. Mas os sons daquela noite o perturbaram. “O que poderia ser?”, pensou. “Ladrões!”, concluiu. “Sim, devem ser ladrões”, definiu. Não conseguia imaginar como teriam conseguido entrar com todo o sistema de segurança, destacando a cerca elétrica acima do elevado muro com três metros de altura. “Devem ser profissionais no ato de roubar casas”, pensou. Raciocinava enquanto ainda estava na cama. Os sons vinham inarticulados, impossível traduzi-los daquela distância.

Ao invés de ligar a luz do abajur acima do criado mudo ao lado de sua cama, abriu vagarosamente uma das gavetas e pegou uma grande lanterna, ligou. Vestiu um calção e calçou as chinelas de dedo. Caminhou vagarosamente e abriu a porta do quarto que dá acesso à sala de estar. Abriu-a devagar e continuou a caminhar, passando por toda a extensão da grande sala e foi em direção ao corredor interno. Os sons aumentavam, pareciam ser emitidos por mais de uma pessoa. Não tinha bem ideia do iria fazer ao abordá-los, embora fosse muito robusto do alto dos seus 27 anos, sabia que não poderia dar cabo de mais de uma pessoa sozinho, principalmente se portassem armas de fogo. Continuou na expectativa de vê-los fugir quando os surpreende-se, caso resistissem diria que tinha ligado para a polícia.

Ao entrar no comprido corredor virou a luz da lanterna contra seu corpo para não ficar no breu total e apoiou a mão esquerda na parede, arrastando-a a medida que caminhava. Pé depois de pé muito calmamente para não ser ouvido. Seu coração batia forte e suava frio, no entanto, mantinha a confiança. Nesse momento não lembrava mais das histórias de fantasmas que tanto lhe contavam. “Idiotas”, pensou. Aproximava-se da entrada da sala de jantar onde havia uma grande mesa de madeira que por algum motivo desnecessário havia adquirido à custa de um dinheirão. Nunca havia feito uso dela, talvez fosse apenas para ocupar espaço.

Ao chegar a entrada da sala distinguiu três vultos graças a um pequeno raio deluz que passava pela fresta da porta. Os três estavam virados um para o outro e pareciam confabular sobre algo muito interessante, era estranho como não se mexiam nem corriam para os lados e buscavam ensacar objetos de valor, permaneciam lá, parados. André via os vultos, mas não os compreendia, não entendia aquelas formas. A luz da lanterna continuava apoiada contra o seu corpo. Algo não lhe cheirava bem. Um medo inexplicável já tomava conta de seu coração. Decidiu apontar a luz para os três:

- O que fazem aqui?...vão embora! – falou com um tom de voz forte que não acusava o forte medo que sentia.

A luz sobre os três estranhos lhe mostrou o que eram. O medo deu lugar ao mais dilacerante pavor. Aquilo que pensava ser três homens eram criaturas com aspecto disforme. Todos trajavam vestes idênticas. Usavam uma única peça de roupa que cobria todo o corpo. As vestimentas eram de cor branca e pareciam bastante gastas e carcomidas. As únicas partes não cobertas eram as mãos sem pele nem musculo, apenas ossos, e a cabeça. Com longos cabelos negros e secos fixados em crânios amarelados com olhos humanos no fundo das orbitas. Todos tinham o mesmo aspecto. Quando perceberam a luz viraram-se e ficaram a olhá-lo, enquanto ele as observava incrédulo, os olhos querendo saltar das órbitas. André, “O Corajoso”, como era chamado pelos amigos, gritou o mais alto que sua garganta podia suportar, deu meio volta e correu como se os fantasmas viessem atrás dele, no entanto eles não se moveram.

Encontrou a chave estava na porta da frente, abriu-a e continuou a correr e gritar por todo o jardim até chegar ao portão, abri-lo e continuar a gritar mais e mais. Enquanto corria pela rua com as mãos na cabeça. Muitas pessoas saiam e percebiam que se tratava do vizinho da casa assombrada. Tentaram perguntar o que estava acontecendo, mas ele não dava ouvidos, até ser imobilizado e conduzindo a um hospital. Depois de meses de terapia e tratamento medicamentoso, André pode retomar a sua vida “normal”, voltou a trabalhar e reconquistou os antigos clientes mesmo que o surto psicótico do qual foi vítima tenha abalado sua credibilidade no mercado. Jamais voltou a casa nem para pegar as suas coisas e objetos pessoais que estavam todos lá.

A casa permaneceu fechada por muitos anos, os corretores não conseguiam compradores, até que um jovem casal de noivos aproveitou o baixo preço e a adquiriu, verdadeiramente uma pechincha.

- Seremos muito felizes aqui, não seremos? – disse Michele enquanto passava o braço pelo pescoço do marido que observava a sala ouvindo o corretor falar sem parar sobre as inúmeras qualidades do imóvel.

- Seremos sim – disse Gustavo passando o braço pela cintura da jovem esposa.

Da porta entreaberta do antigo quarto de André, três criaturas observavam e parecendo ouvir a conversa do casal apenas balançavam a cabeça afirmativamente.

FIM.

Aermo Wolf
Enviado por Aermo Wolf em 04/08/2012
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