O Demônio Familiar IV

Holtz mandou um beijo para o marido. Ele fingiu o pegar no ar e sorriu. A agente fechou a porta do apartamento e desceu as escadas lentamente. Pensava em morte e assassinato, relembrando todas as cenas horrorosas que havia visto. De algum modo insano, tudo fazia sentido em sua mente. Eram ligações obscuras que ela sempre refutou. Tentava não compreender a insanidade do mundo, talvez para manter o que chamava de sanidade, mas percebia cada vez mais que a sanidade era só um conjunto de regras que só fazia sentido à luz da sociedade. Tudo mudava nas sombras. Bastava à pessoa caminhar para as trevas, longe dos olhos vigilantes da luz, que a vida mudava. Entre quatro paredes, longe do sol, a mente era outra, livre das regras.

De certa maneira, agora ela entendia porque se sentia tão livre e se excitava tanto quando falava sacanagens no sexo. Estava longe da luz e aquele proibido era a parte obscura dentro dela que se escondia em suas entranhas quando a luz vinha para inspecioná-la. Não tinha nada contra a luz... Nada... mas ao menos aprendera que ela não era assim tão boa ou reconfortante quando se acostuma a conhecer o que existe dentro de cada um.

Descia cada vão de escadas com o mesmo pensamento e definindo como chegara a ele. O estranho soubera como convencê-la. Ele tinha provas sobre tudo, provas marcadas em seu próprio corpo. Tinha o demônio na carne. Ela saiu pelos fundos do prédio, entrando em um pequeno jardim com um parquinho para crianças. Decidira naquela semana, depois da conversa, que era melhor não ter filhos. Não queria oferecer carne fresca para o mundo.

Coçou o nariz nervosamente quando viu a sombra sentada no balanço. O homem mexia para frente e para trás, só um pouquinho por vez, controlando o movimento com os joelhos. Holtz se aproximou. Ele já havia a notado. Teve quase certeza de que os demônios estavam sussurrando no ouvido dele. Sentou-se no balanço ao lado e colocou as mãos no bolso do casaco.

Ficaram em silêncio, ouvindo o som das correntes dos balanços gemendo. Ela decidiu que não suportava aquilo.

- Eu consegui o sangue – disse, retirando uma seringa do bolso. Estava sem agulha.

- Alguém percebeu?

- Não. Talvez Ford, mas ele não dirá nada ainda.

- Daremos um jeito nele se disser.

Ela não disse nada. Suspirou.

- É o suficiente – ele disse. – Bom trabalho.

- Pode contar comigo.

- Eu sei. Nada como o medo da noite para deixar alguém fiel a novos conceitos.

Levantou-se e a deixou sentada no balanço. Ela ficou ali pensando em crianças que nunca teria.