A Casa dos Horrores

No quarto, a mulher de feições cadavéricas, com os ossos se insinuando sob a pele, penteia os cabelos longos da filha. Usa escova com cerdas de aço, pontas afiadas, que vai arranhando o couro cabeludo, arrancando pelos e fazendo sangrar. Os seios murchos nem ousam balançar. No espelho, a face da filha, com olhos sem vida, de uma escuridão que engole o reflexo da imagem. Fazendo sempre novos cortes nos pulsos, deixando marcas pelo braço, com riscos que em alguns momentos, vão até os cotovelos. Em cima da estante, uma boneca suja, de cabelos desgrenhados, com olhos de botões, costurados com linha que contrasta com as cores do tecido que cobre o corpo. Manchas de sangue no brinquedo, que fica parado na mobília. No quarto o bebê, que chora no berço empoeirado, é alimentado com um dedo sujo de sangue, que é colocado na boca do pequeno, para que esse mame o orvalho vermelho.

No andar de baixo, um sujeito de óculos embaçados, limpa as lentes constantemente, lendo um volume de Gogol. Lambe os dedos de unhas pretas, para folhear as páginas. Usa uma poltrona velha, acariciando ao lado, um gato preto que possui um talho no dorso. A televisão transmite informações o dia todo, com seu ruído que invade a casa, fazendo com que pareça mais alegre. A cabeça de um touro é exposta na parede da sala, com moscas que voam ao redor e uma mancha de sangue escuro onde está pendurada. A caminhonete, fechada na garagem, com estofamento precário, cheio de carne podre no interior, guarda embaixo dos bancos uma espingarda com caixa de munição, sendo que no porta-luvas um punhal é escondido.

O homem de óculos dá risadas, fazendo menção de alguma passagem da obra que lê. Apalpa o próprio nariz e escarra no solo de madeira castigada. Mais abaixo, no porão, uma criatura de força sem igual, suspendendo o próprio corpo em ganchos de pendurar carne de açougue. Cravados nas costas e içado por correntes. Não dá um gemido sequer. A dor é sua companheira fiel. Uma vítima em prantos está acorrentada no fundo da oficina, nua. O monstro se aproxima, com uma tesoura afiada, corta um dos lábios da vulva. A mulher grita sem resultado, fazendo com que o leitor reclame do barulho, dando pancadas na poltrona. Seu carrasco mastiga a porção arrancada, engolindo os pelos que vieram. Usa uma serra para arrancar os seios, que coloca em seu peito e brinca, como modelos de prótese. Apalpa as mamas flácidas, jogando-as dentro de uma bandeja de metal. Voltando ara próximo de sua prisioneira, dando mordidas em seu rosto, desfigurando-a.

No quintal, um garoto brinca com ratos mortos. O cão late ferozmente na outra extremidade da casa. A menina desce as escadas, beijando a mão do leitor, que volta a gargalhar. A mulher faz marcas no corpo com ferro em brasa, descendo em seguida para a cozinha. Prepara a comida em panelas pretas, uma gordura espessa borbulha. Uma espécie de guisado com ingredientes desconhecidos. A mesa posta, todos se sentam para a refeição. O monstro tenta resistir, indicando já ter provado algo, sendo repreendido por comer antes da refeição, fazendo desfeita. O livro deixado no braço da poltrona, enquanto todos se fartam no caldeirão. Teias de aranha se multiplicam pela mobília, fazendo com que o garoto pegue as aranhas e brinque com elas na palma da mão.

Batidas rápidas na porta de entrada. Uma mulher entra correndo em disparada. Aflita, diz ter sido perseguida por um estuprador. Todos ao redor dela, dizem que tudo ficará bem. Levada a um dos quartos do andar de cima, afirmando que em seguida comunicarão o ocorrido as autoridades. Ali ela estará segura, foi o que disseram. Sendo dopada, acabou apagando sobre a cama. O leitor abria sua blusa, desabotoando com cuidado o sutiã, revelando fartos seios. Amarrara a fugitiva para que ficasse de quatro. Ao despertar, se assustou ao perceber o estado em que se encontrava, nua e de quatro, presa por grilhões que impediam que se movesse. Era alimentada dessa forma, soltando ali mesmo urinas e fezes, não podendo sair da posição. Os joelhos doíam. Uma mordaça impedia que gritasse, no máximo alguns gemidos prolongados. Uma pequena barra de ferro fora introduzida em seu ânus, esquentada na extremidade, fazendo com que tornasse brasa e a queimasse por dentro. As crianças sempre vinham espetar agulhas nos enormes seios, o garoto em certa ocasião, enterrou um prego. A diversão foi interrompida para o almoço. Lavaram as mãos e correram para a mesa, aguardando a refeição. Só o leitor permanecera no quarto, agora, com um volume de Tolstói em mãos, parecendo olhar sua vítima com mais compaixão. Tinha o hábito de apagar seus cigarros nas nádegas da prisioneira. Nesse dia, engolira a guimba em brasa. Deixou a bíblia cristã diante dos olhos da cativa, virando uma página por dia, para que ela tivesse leitura de conforto durante o suplício.

O monstro fora solicitado. Serrando com cuidado os braços da prisioneira. O leitor, com seus conhecimentos cirúrgicos, conseguiu fazer curativos adequados, para que cicatrizasse as mutilações. Os pés da mulher, pregados no solo, sendo vestida com túnica branca, os cabelos presos em coque. Fez dela, sua Vênus de Milos. Os seios eram desproporcionais, mas lhe agradava esse contraste. As costas foram presas na parede, não conseguia se mover. Mesmo após a morte, que tardou em ocorrer, usara uma técnica ara empalhar o corpo, agora sim, diminuindo os seios, deixando mais próxima da obra que lhe inspirara. Deixara a peça em lugar de destaque, na sala, em um ângulo que era possível vê-la de todos os outros cômodos de baixo, assim como da escadaria. Na vitrola, a música de Strauss tocava, fazendo que com que a sinfonia do compositor alemão, inundasse a casa, dando vida ao ambiente tenebroso.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 18/08/2012
Código do texto: T3836406
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