Amálgama Fantasma - Cap 13

XIII

Sem dúvidas o dia estava sendo intenso.

Havia visto minha possessão involuntária, depois tido um encontro bem desagradável com Giovana – por pouco não encontrando outra coisa ainda mais desagradável –, depois a fracassada sessão de exorcismo que contou com o acionamento do dissipador que sacudiu minha alma. Para completar Enzo me pedira para recuperar algumas imagens das câmeras enquanto ele ia falar o que tivesse de ser falado com o senhor Basílio. Bem, eu perdi uma meia hora mas finalmente encontrei o que procurava, um piscar que ia em direção ao chão, tão rápido que durava apenas alguns quadros no vídeo. Mostrei-o a Enzo quando este retornou na companhia de senhor Basílio e ele assentiu sorridente para os segundos de vídeo, depois me jogou uma pá e sem mais mandou que eu começasse a cavar.

Era exatamente o que eu fazia agora.

- Em nome do bom Deus, o que está acontecendo aqui?

- Alguma barbaridade sem dúvida, esse homem deve adorar barbaridades.

Apesar de tudo eu não podia culpar a pergunta de padre Sávio nem a alfinetada de Giovana, para falar a verdade estava quase me unindo a eles para voltar a questionar Enzo sobre aquele absurdo.

- Não se preocupem. O doutor Enzo deixou perfeitamente claro que após esse trabalho ter terminado as coisas seriam postas de volta no lugar – senhor Basílio explicou sentado em uma cadeira.

Pobre homem ainda não acostumado com as mentiras que Enzo contava...

Eu e Enzo cavávamos como dois mineradores tentando chegar ao centro da Terra para vender seu núcleo. Embora ainda estivéssemos meio longe já era o suficiente para reduzir nosso tamanho pela metade em relação ao nível do solo. Minhas mãos começavam a doer e o suor escorria como se a água tivesse aversão as minhas células, o calor também não ajudava – estávamos numa estufa afinal de contas – e eu começava a pensar se não seria mais fácil enfiar minha pá na cabeça do idiota do Enzo e aproveitar aquele buraco para enterrá-lo.

- Que tipo de coisa estão pensando em plantar gracinhas?

Foi uma sorte Giovana ter mudado o alvo da minha raiva porque eu estava realmente inclinada a atingir o Enzo, porém agora desejava apenas que a mulher se aproximasse mais alguns passos para que eu enfiasse a pá em suas canelas.

- Entidades tem grande afinidade por duas coisas, um lugar ou pessoa a quem tiveram muita proximidade durante a vida ou–

- Ou o lugar onde foram enterradas... – Giovana concluiu esfregando o queixo.

- Não necessariamente onde foram enterradas mas onde seus corpos estão – Enzo corrigiu – Durante o ritual que nosso amigo Sávio conduziu algumas imagens interessantes foram captadas pelos meus equipamentos, uma delas é uma espécie de energia vinda dessa região.

- Hmmm... Então você está querendo encontrar o corpo pertencente ao espírito que aflige essa casa... – padre Sávio concluiu.

- Ao menos um deles. – Enzo disse com certa dificuldade pois precisou remover um punhado de terra relativamente pesado – Com sorte será Adla, até que se prove o contrário ela é a entidade mais forte daqui.

- Faz sentido já que era uma xamã em seus dias de vida... – padre Sávio divagou – Só Deus sabe o tipo de coisa satânica a qual teve acesso e em como isso interferiu em seu espírito... Pobre jovem...

- Mas você tem ao menos alguma idéia de quanto cavar Velasquez? – Giovana acabou perguntando – Não vai ser muito inteligente destruir esse lugar por nada.

- Meu radar já identificou alguma coisa escondida por aqui. A leitura não ficou boa mas acho que estamos quase lá, se vocês não se importarem em esperar...

- Apesar do desentendimento de agora a pouco gostaria de ajudar se vocês não se incomodarem. – Padre Sávio comentou – Não me parece certo que esta jovem se una ao senhor neste trabalho braçal.

Fiquei um instante atônita enquanto padre Sávio subia no meu conceito. Estava tão acostumada a convivência com Enzo que esquecia ainda existir cavalheirismo no planeta.

- Não se preocupe padre, ela dá conta do recado. Pode descansar.

Quase entrei em choque. Minha indignação era tão gritante que eu mexia a boca mas nenhuma palavra conseguia sair.

- Se você diz...

Eu vi padre Sávio se afastar do mesmo jeito que um náufrago veria um barco indo embora, cheguei a esticar uma mão trêmula em sua direção mas nem assim as palavras encontraram vez para saírem.

- O que você está fazendo? – Enzo perguntou como se nada tivesse acontecido – Vamos continuar logo com isso, quero terminar antes do almoço.

A fúria deveria estar impressa em meus olhos porque Enzo ficou me olhando de um jeito esquisito.

- O que deu em você?

Certo, estava na hora de dizer algumas verdades para o cabeça oca ou eu chegaria as vias de fato. Para isso finquei a pá com toda a força no chão e me preparei para desabafar tudo que queria desabafar desde o começo daquele caso.

Mas não consegui.

Quando minha pá atingiu o chão não ouvimos o som de terra que estávamos ouvindo desde o começo daquela escavação, o que chegou a nossos ouvidos foi um som oco que nos fez imediatamente encarar o local.

- Ora, ora, parece que você achou...

Antes que eu pudesse me irritar Enzo começou a cavar o local onde eu batera. A frustração me envolveu porque minha curiosidade começou a sobrepujar a raiva me fazendo ajudá-lo. Em poucos minutos algo que decididamente era madeira apareceu e alguns quilos de terra depois tínhamos a nossa frente uma caixa simples, pregada nos cantos, com forma e tamanho típicas de um caixão.

Nosso anfitrião, Giovana e Sávio mal tiveram tempo de começar uma conversa quando nosso ritmo mudou atraindo suas atenções, eles se aproximaram bem no começo da tarefa e presenciaram conosco a descoberta daquele artefato.

- Isso é sem dúvida interessante – senhor Basílio disse esticando tanto o pescoço que por pouco não caiu no buraco.

- Isso vai bagunçar tudo... – Giovana completou apreensiva.

Quando toda a terra foi retirada encontramos uma caixa de madeira com noventa centímetros de altura, um pouco menos na largura e muito mais na profundidade. O espaço perfeito para se guardar um cadáver.

- Não sou um homem adepto a apostas, mas se o fosse apostaria de olhos vendados que há mais do que ar dentro dessa caixa – padre Sávio arriscou.

Tínhamos um buraco bem grande agora, suficiente para o padre, a médium e o anfitrião descerem e junto conosco rodearem a caixa de madeira. Eu massageava meus braços doloridos enquanto Enzo passava as mãos pela madeira parcialmente podre mas que ainda mantinha sua consistência sólida.

- Parece que foi pregada – Enzo disse tentando por mais de uma vez remover a tampa sem sucesso.

- Há algumas coisas no porão que podemos usar – senhor Basílio lembrou-nos – Se vocês não se incomodarem posso buscar algo.

- Não sei se será necessário, o tempo parece ter se encarregado de afrouxar esses pregos para nós.

Enzo tentou enfiar a pá entre um vão e usá-la como alavanca, mas o gesto só serviu para quebrar parte da podre madeira e tornar o processo um pouco mais complicado. Ainda assim Enzo prosseguiu e lasca após lasca ele abria vãos que iam se juntando para dar a volta na tampa do artefato. O maior incômodo em tudo aquilo – mais até do que o trabalho braçal – era o cheiro que subia do interior, um cheiro rançoso que nos fez ter certeza de estarmos diante de um caixão.

- Você precisa mesmo fazer isso aqui? – Giovana reclamou cobrindo o nariz e se afastando alguns passos – Podemos levar essa coisa lá para fora, pelo menos estaremos ao ar livre.

Eu poderia estar me divertindo pela reação da médium mas estava ocupada demais tentando evitar que minhas tripas viessem dar um olá aqui para fora. Nunca tive muito estômago para esse tipo de operação mas já me acostumei com Enzo não levando aquilo em conta, por isso minha única preocupação era manter o nariz bem longe daquele cheiro e rezar para que as coisas acabassem rápido.

Demorou menos de cinco minutos – que com certeza foram bem mais para mim e Giovana – antes de ouvir um crec considerável e ter a certeza de que a tampa fora finalmente removida. O único problema era que agora vinha a pior parte.

- Ora, ora, ora, isso é algo que nenhum de nós podia imaginar.

Arrisquei espichar o pescoço apenas para me arrepender no segundo seguinte.

- Você está bem garota?

Abanei minha mão para o senhor Basílio para que ele não se preocupasse, afinal se Enzo não estava preocupado com a pobre e pálida Talita apoiada na terra e quase vomitando as tripas porque nosso nobre anfitrião se preocuparia?

- Arriscaria dizer que é uma mulher – padre Sávio disse esticando mais o pescoço para dentro do caixão – Considerando sua provável idade homem nenhum teria os cabelos tão longos.

- Concordo com o senhor padre mas principalmente porque temos quadris largos e ombros estreitos, e olhe esse tecido, se você vier desse lado vai ver parte de uma estampa florida.

Padre Sávio se deslocou e eu arrisquei mais uma olhada na querida figura que havíamos encontrado.

Eu não entendia muito sobre múmias mas já havia visto algumas na televisão de modo que reconheci estar diante de uma. Sua cor era enegrecida mesmo nas áreas onde os ossos e dentes estavam expostos, um dos olhos era um buraco sem vida enquanto o outro lutara bravamente contra o tempo para permanecer no lugar. O corpo estava na posição típica dos defuntos, com um misto de panos e restos de tecidos apodrecidos envolvendo ossos que se tornavam cada vez mais evidentes.

- Precisamos dar um enterro digno a esta pobre alma – Padre Sávio acabou por dizer depois de todos já terem analisado os restos mortais – De outra forma ela nunca terá paz nem o nosso querido Basílio.

- Isso será suficiente? – Senhor Basílio perguntou com o ceticismo estampado na face.

- Um ritual devidamente cristão colocará um fim a seu sofrimento meu bom homem – o padre prosseguiu. – Essa pobre alma sem dúvidas foi largada aqui e por isso seu corpo não pôde descansar. Ou pior, talvez tenha sofrido algum rito pagão... – E fazendo um sinal da cruz pediu misericórdia pela falecida.

- Temos que cavar outra sepultura, se possível longe daqui – Giovana completou.

Enzo porém tinha outra idéia.

- Vocês podem fazer o trabalho de vocês depois, antes eu preciso ter uma palavrinha com essa mulher.

Giovana, Sávio e Basílio trocaram olhares como se duvidassem da sanidade de Enzo. Não pude culpá-los, eu mesma o encarei dessa forma antes de ver o que aquela coisa era capaz de fazer.

Enzo sacou uma pequena faca que na maioria do tempo ficava presa a sua cintura por um coldre praticamente oculto. Era uma típica faca indiana, com cabo adornado com mais jóias do que você poderia conhecer e uma lâmina ligeiramente inclinada para facilitar na hora de matar. Aquele artefato porém, segundo Enzo, passou por um ritual já perdido no tempo, por isso ele gostava de dizer que sua Lâmina do Regresso era a única de todo o planeta.

- O que você pensa em fazer com isso meu jovem? – Padre Sávio perguntou visivelmente preocupado – Você não pensa em profanar ainda mais esse já profanado corpo, não é?

Embora o sacerdote estivesse tentado fazer a coisa parecer engraçada eu notei um toque bem sério em sua voz.

- Não vou fazer nada para que o senhor queira me excomungar, embora isso seria uma idiotice porque nem comungado sou. – Enzo respondeu – Como eu, disse só quero ter uma conversa com essa mulher. Vai ser a maneira mais rápida de descobrirmos quem ela é.

Enzo observava os restos a sua frente como que procurando algo, por isso se espantou ao sentir a mão de Giovana tocar seu ombro.

- Eu não quero ser a portadora de más notícias Velasquez... Mas essa mulher já morreu.

Enzo a encarou com uma expressão neutra. Já Giovana parecia ter chegado a conclusão que o herdeiro da família Velasquez era, além de um isolante espiritual, um retardado.

Obviamente aquela ideia só se tornou mais sólida quando Enzo fincou a Lâmina do Regresso na bacia do defunto.

- Seu ateu! Ficou maluco!?

Se eu estivesse apenas assistindo aquela cena em um lugar seguro teria rido de tudo, mas como eu estava presente e sabia o que ia acontecer deixei meus ombros caírem enquanto um arrepio me sacudia.

Padre Sávio ralhou mais uma dúzia de palavras, excomungando Enzo da religião que ele não fazia parte uma dezena de vezes, antes que uma tosse seca fizesse com que olhasse para o lado.

- Pelo amor de Deus mulher, quer uma pastilha?

Porém não era de Giovana que a tosse vinha, de Giovana vinha apenas o espanto que fizera seu olhar arregalar e o queixo cair enquanto ela fitava assombrada o motivo da tosse estar acontecendo. Padre Sávio não entendeu a reação da mulher mas após constatar que o senhor Basílio se encontrava no mesmo estado, não teve outra opção a não ser olhar para onde eles olhavam e quase cair para trás.

- Você é bem poderosa – Enzo disse ao se aproximar – Considerando que foi atingida pelo dissipador é um espanto ter se reagrupado tão rápido, mesmo com a Lâmina do Regresso te dando um empurrãozinho.

O defunto dentro do caixão tossiu mais algumas vezes liberando uma nuvem de poeira que poderia matar noventa por cento das espécies do planeta. Quando os espasmos finalmente terminaram ela abriu seu único olho intacto, fazendo girar um globo escuro pelas figuras que a encaravam.

- Como em nome de Deus isso é possível?

- É Velasquez... Como você fez isso...

As perguntas de padre Sávio e Giovana se fundiram ao ar. Assim como o senhor Basílio eles pareciam perdidos em um mundo paralelo e não davam sinais de que voltariam para a Terra tão cedo.

A figura no caixão se remexeu e, infinitamente mais rápido do que qualquer outro corpo mumificado, esticou as mãos para o lado na direção do senhor Basílio. O homem caiu para trás junto com Giovana e o padre, o resultado só não foi pior porque Enzo conseguiu conter a entidade incorporada ao segurar mais uma vez a faca presa em sua bacia.

- Deixe lhe informar que enquanto eu estiver com a mão nessa faca você não pode fazer nada que eu não queira – Enzo explicou com uma calmaria ímpar, como se não estivesse falando com um defunto de alguns séculos de idade –, da mesma forma se eu remover essa faca de você sua energia vai voltar a se espalhar. Então sugiro que comece a cooperar para podermos conversar como pessoas civilizadas, que tal?

A entidade incorporada desmontou quando Enzo segurou o cabo, como se a energia que alimentava seus ossos tivesse repentinamente desaparecido. Caída de uma forma pouco natural ela nada podia fazer além de lançar um olhar assassino para Enzo com seu único olho.

- Eu não gosto de fazer perguntas do jeito difícil – Enzo continuou – por isso vou soltar a lâmina e te dar liberdade mais uma vez. Mas vou avisando que mais uma gracinha e faço você se sentir como em uma montanha russa, ao te forçar a incorporar e desincorporar dessa carcarça que um dia foi seu corpo, certo?

A entidade nada respondeu mas podia-se notar que seu olhar se tornara mais resignado.

Enzo soltou a faca e a entidade voltou a tossir deitando novamente no caixão. Ela então esticou as mãos para frente admirando os dedos de ossos que tinha agora.

- Enzo Velasquez... Pelo amor de Deus fale o que é isso!

A indignação de Giovana era física mas não impediu Enzo de comer um bombom antes de responder.

- A Lâmina do Regresso é única e tem a capacidade de trazer um objeto a um estado anterior ao que está.

- Estado anterior?

- Sim, essa pilha de ossos foi trazida a um estado anterior, ou seja, a alma que a preenchia voltou e vai ficar ai pelo tempo que a lâmina estiver cravada.

Padre Sávio encarou desconfiado o defunto que esticava seus trapos para cobrir parte dos ossos.

- Eu nunca ouvi falar de nada do tipo... Jamais imaginei que pudesse existir um artefato tão poderoso!

- Ele é poderoso mas inútil na maior parte do tempo. Suas aplicações se resumem basicamente a permitir que eu converse mais diretamente com as entidades que enfrento.

- Uma maneira criativa de suprir suas deficiências – Giovana alfinetou mesmo com todo o espanto.

- Pense como quiser, e já que estamos conversando porque não nos diz seu nome senhorita?

Achei que Enzo estava indo longe demais com a entidade incorporada... Ele, no mínimo, deveria chamá-la de senhora.

A entidade ficou em silêncio por alguns instantes antes de começar um monólogo lento de frases incompreensíveis. Porém ainda que não entendêssemos a mensagem passada todos entendíamos se tratar da mesma língua que saíra da minha boca noite anterior.

Enzo segurou mais uma vez a faca na bacia do cadáver fazendo-o se calar.

- Embora eu já tenha uma séria suspeita de quem você seja gostaria de ouvir seu nome civilizadamente – Enzo dizia com a maior calma do mundo – E quando for falar alguma coisa poderia ser numa língua que nós compreendamos?

O cadáver fitava Enzo com um olhar faiscante, fosse quem fosse aquela entidade em vida deveria ser alguém bem intimidadora.

Enzo soltou mais uma vez a lâmina e cruzou os braços, esperando uma resposta do nosso cadáver.

Porém a resposta que ele queria não veio.

- Você é... forte... incorporador... – A voz do defunto anunciou, lenta e cansada, mas num tom que eu também tinha certeza ter ouvido no vídeo que assistira pela manhã – Mas sua força... não vai... ajudar... contra o que existe... aqui...

- O que existe aqui, ora, é você que existe aqui – Giovana retrucou voltando a assumir uma postura rabugenta.

A entidade a encarou e eu não saberia dizer em qual olhar via mais desprezo.

- Nós só queremos trazer paz a qualquer espírito que esteja nesse lugar – padre Sávio disse paternal embora não conseguisse esconder completamente o espanto e talvez o asco pela criatura com quem conversava – Vocês são quantos afinal?

O cadáver também olhou o padre mas ignorou sua pergunta, voltando a encarar Enzo e continuar seu discurso.

- Vocês têm que... sair... Ou eu vou... machucá-los...

- Não me leve a mal... Mas você não está em condições de machucar ninguém. – Enzo respondeu não deixando ser intimidado. Em seguida ele se inclinou para mais próximo do cadáver, até um ponto em que eu temi que ele pudesse ser atacado – Olha, vou tentar ser o mais direto possível está bem? Sei que existem três entidades nessa casa e que você é pelo menos a mais ativa delas, eu só quero saber se você é a mesma entidade que encontramos ontem a noite e que acabou possuindo minha assistente?

A entidade encarou Enzo desdenhosa e não emitiu nenhuma reação.

- Você não está colaborando... – Enzo disse com uma meia voz que o deixou realmente intimidador – Talvez eu precise te obrigar a falar.

- Nem todas as almas... merecem... paz... Eu não vou... deixar... aquele homem... em paz...

- Aquele homem? – Giovana repetiu coçando o queixo – Luciano não é?

A entidade afirmou com um movimento tão curto que quase não reparamos.

- É Luciano o responsável pelas coisas que acontecem nessa casa? – Enzo voltou a perguntar e a entidade a afirmar – Sério? Você não tem nenhuma participação? Perdoe minha desconfiança mas até agora não tivemos sinal de Luciano, apenas de você.

- Ele... se esconde... onde eu não consigo... chegar...

- Ele se esconde onde você não consegue chegar? Mas você sabe onde é esse lugar?

A pergunta de Enzo ficou no ar, a entidade apenas o encarava e por um momento seu corpo pareceu tão morto quanto estivera nas últimas décadas.

- Escute pobre alma – padre Sávio disse se curvando – Nós viemos até aqui para ajudar nosso irmão Basílio, e para fazermos isso temos de dar paz a todos vocês–

- Paz... para aquele homem... não... – A entidade lamuriou com uma voz carregada de ódio.

- Não é de nossa competência julgar as almas que merecem paz e as que não. Isso é trabalho do misericordioso Pai. Escute pobre alma, o ódio e o desejo de vingança a trouxeram até aqui, deixe-nos libertá-la, e deixe-nos levar Luciano a julgamento diante de Deus.

A entidade continuou encarando o padre e por um momento achei que ela iria ceder.

Mas ela não cedeu.

- Paz... não...

Padre Sávio baixou a cabeça suspirando e todos pudermos sentir a tristeza que carregou seu espírito.

- Acho que não vai ter outro jeito...

Enzo se moveu na direção da Lâmina do Regresso porém o corpo possuído fora mais rápido, a mão mumificada segurou a lâmina com uma firmeza digna de um ser vivo.

- Saíam... – a entidade disse por fim com uma voz que transbordava ameaça – Se continuarem aqui... Ele vai... matá-los...

E sem mais a própria entidade tirou a lâmina fincada em sua bacia, tornando-se novamente um corpo inanimado sobre o caixão. Devo confessar que fiquei momentaneamente transtornada, aquele era o primeiro suicídio que eu via alguém cometer... depois de morto.

- Ora mas que droga. – Enzo ralhou com a atmosfera – Perdemos ela.

- O que tem? Você não disse que era só fincar essa coisa outra vez para chamá-la?

- Eu blefei. – Enzo admitiu – Quando a Lâmina do Regresso é retirada num caso como esse ela acaba fazendo a entidade expandir... Levará um tempo para ela voltar mas é um tempo que não temos como estimar. A entidade venceu dessa vez.

- Não amigo, não venceu... – padre Sávio disse colocando a mão no ombro de Enzo que o encarou com uma sobrancelha levantada.

- O que quer dizer?

- Quero dizer que é hora de darmos a essa alma um enterro cristão decente, e não importa onde você a tenha levado, o ritual conduzido por um Patrístico vai alcançá-la em qualquer lugar.

Enzo acabou aquiescendo, embora descrente.

- Antes padre gostaria de tirar uma dúvida... Embora a entidade não tenha confirmado acredito estar lidando com Adla, dessa forma preciso saber quem, ou o que, está enterrado nas duas tumbas que temos nesse lugar.

Bufei desconsolada... Parece que teria de voltar a cavar.

******

Obrigado a todos que estão lendo e acompanhando! Estamos chegando na reta final! Continua domingo 26/08

Gantz
Enviado por Gantz em 24/08/2012
Código do texto: T3846534
Classificação de conteúdo: seguro