Amálgama Fantasma - Cap 22, 23 e 24

XXII

Enzo continuava seu trabalho como se nada estivesse acontecendo. Já eu e Giovana encarávamos o ambiente tentando antever de onde viria o ataque. Padre Sávio também interrompeu o trabalho para se concentrar na estranha presença que literalmente transbordava daquele túmulo, enchendo o porão.

- Alguma coisa não está certa... – O homem acabou dizendo o que finalmente atraiu a atenção de Enzo.

- Porque você está parado aí? Estamos quase lá. – E após uma olhada rápida pelo buraco que acabara de abrir completou. – Parece que eu estou vendo uma escada.

Mas era tarde demais.

O ar começou a vibrar como se uma onda de baixa frequência estivesse soando na atmosfera. Junto a ela subiu um cheiro de ozônio forte, a ponto de fazer o nariz arder. As partículas de poeira dançavam pelo espaço como milhares de bailarinas no último concerto da Terra.

Então os objetos no porão começaram a tremer. Latas dos mais diversos tipos, madeiras, ferramentas, restos de pisos e azulejos... e conforme eles vibravam seu barulho se juntava ao som de alta frequência e ao ozônio, fazendo o senso de perigo ser colocado em alerta máximo.

- Acho que seria uma boa idéia sairmos daqui. – Giovana comentou já recuando em direção a escada.

Tive um lampejo de como a situação era perigosa ao ter não apenas concordado com a insuportável médium, mas por estar recuando junto com ela para fora do porão.

- Se fizermos isso só estaremos dando mais força a entidade. – Enzo acabou por dizer enquanto voltava ao trabalho de picaretar a estrutura de concreto. – Ela só está reagindo porque estamos no caminho certo.

- É apenas um recuo estratégico. – Padre Sávio comentou saindo do buraco e indo se juntar a nós, a pá ainda em mãos. – Apenas o suficiente para pegarmos nossas coisas e voltarmos para enfrentar esse espírito malígno.

Enzo deu mais duas picaretadas antes de dar de ombros e responder.

- Então está bem. Conto com vocês.

- O que você quer dizer?

Coloquei uma mão em Giovana e a puxei delicadamente.

- Entidades tem suas limitações. – Comecei e embora tivesse a suspeita de que Giovana já soubesse o que ia dizer padre Sávio com certeza não sabia – Elas não interagem com o nosso plano da mesma forma que nós, elas enxergam apenas a energia de nossos corpos, de modo que quanto mais poderosa for essa energia mais visível somos para elas.

Padre Sávio me encarou com uma expressão que transbordava dúvida mas Giovana se encarregou de saná-la.

- Enzo é tão sensitivo quanto uma pedra. Perto de nós é como se fôssemos três elefantes e ele um minúsculo ratinho.

- Você quer dizer...

- Quero dizer que é melhor correr. – Conclui bem a tempo.

As tranqueiras guardadas naquele porão por tanto tempo ganharam vida e começaram a saltar em nossa direção. Mesmo não sendo o alvo primário Enzo precisou se abaixar ou muitas latas teriam o acertado dando a entidade um indicativo de sua presença. Eu estava ciente do que precisava fazer e mesmo que fosse algo absurdo transmiti a idéia aos demais.

- Temos que evitar que a entidade perceba o Enzo! Gritei conforme corria pela escada com Giovana e padre Sávio. – Por isso não podemos nos afastar demais! Temos que mantê-la ocupada!

Ocupar uma entidade era o tipo de coisa mais fácil de falar do que de fazer, ainda mais porque Giovana e padre Sávio jamais esperavam um combate como aquele no meio da madrugada e despreparados eles eram quase tão vulneráveis quanto uma pessoa normal.

- Minhas coisas estão lá em cima! – Giovana ralhava como se fosse um pedaço da minha consciência que havia saído para reclamar. – Vocês vão ter que dar um jeito aqui enquanto eu vou buscá-las!

- Também preciso do meu terço e da Bíblia! Com a palavra de Deus ao nosso lado esse espírito imundo não terá a menor chance!

Havíamos chegado ao andar térreo e esquivamos bem a tempo de ver um pedaço de madeira passar rotacionando e atingir a parede a frente, estilhaçando-se. Mais e mais objetos foram arremessados do sombrio porão, começando a abarrotar as nossas proximidades com lixo e aquele cheiro de mofo ardido. Eu estava deitada com as mãos cobrindo a cabeça e desejando que nada com um peso aparente de toneladas me achasse.

E tão súbito quanto começara o mundo silenciou.

Arrisquei abrir um dos olhos para ver que nada mais saía do porão além de minúsculas partículas que dançavam pela atmosfera. Não sabia o que havia sido o responsável por aquela parada tão imediata mas sabia que era a nossa melhor chance.

- Vão pegar suas coisas! – Gritei me colocando de pé com um salto e esticando a cabeça para o porão apenas para constatar que nada mortal saia dele. – Eu vou segurá-lo por um tempo!

- Do que você está falando? Você não é capaz nem de–

Giovana se calou porque o mesmo som subsônico nos rodeou como um cobertor. O cheiro de ozônio logo o acompanhou e antes que tivéssemos tempo de nos preocupar outra coisa aconteceu... Os destroços vindos do porão, que estavam espalhados pelos nossos arredores, começaram a tremer como se um pequeno terremoto estivesse sacudindo o planeta. Quando essa vibração começou a se tornar intensa demais, uma lata de graxa saltou parando a mais ou menos um metro do chão. Em seguida foi uma barra de ferro que antigamente pertencia a uma bicicleta, depois uma lasca de madeira, depois a porta de um armário... E quando nos demos conta estávamos rodeados por um verdadeiro campo minado controlado pela entidade.

Eu bufei, sabia que precisava agir ou nenhum de nós teria futuro.

Afinal, eu não era assistente do último parapsicoinvestigador por acaso...

XXIII

Fechei os olhos e respirei fundo. Estava pronta para chamá-la. Aquela que era valente. Que me ajudava desde a infância quando minha vida de órfão ou sensitiva corria perigo. A única que podia combater entidades quando tudo o mais falhava.

Eu mesma.

Percebi a nova Talita se aproximar, perfurando as muitas camadas da minha mente como uma chuva de agulhas atravessando roupas de seda. Ela chegou até minha pele ganhando sensibilidade, chegou a meus olhos ganhando visão, aos ouvidos obtendo audição. Já eu obtive sua vontade, um poder esmagador que ameaça engolir tudo. Meu medo desapareceu, quando éramos uma só não havia nada que precisasse temer.

Para completar expandimos.

Ao abrirmos os olhos o mundo era um caleidoscópio de cores. Ondas e pulsos se mesclavam a um manto vermelho que rodeava nossos arredores e não apenas nos envolvia, mas sim servia de suporte para todas as muitas coisas que continuavam nos ameaçando.

- Subam agora! – Falamos com uma voz poderosa, a mesma que Giovana usara no ritual.

- O que você fez com ela? – Giovana questionou franzindo os olhos para nós.

- Nós vamos ficar bem. – Anunciamos – Agora vocês precisam subir e preparar suas coisas. Não vamos aguentar muito tempo.

Giovana e padre Sávio trocaram olhares e compreenderam a situação. A dupla nos encarou uma última vez antes de partirem rumo ao primeiro andar.

Claro que não foi tão fácil.

Assim que médium e padre ameaçaram sair da zona escarlate esta reagiu, e os objetos antes parados agora viraram, as várias partes afiadas sendo miradas na direção da dupla.

Eles estavam com problemas e precisávamos agir rápido.

Muitos objetos chegaram a partir para dar um fim aos fugitivos mas antes que eles pudessem alcançá-los nós esticamos nossas mãos, afundando-as no manto escarlate que rodeava todo aquele espaço e pressionando os dedos contra o manto ameaçador.

- Seu problema... É comigo!

Num tranco movemos todo o manto. Não apenas ele mas o próprio plano em que ele estava. E com esse plano vieram todos os objetos que ameaçavam nossos companheiros, tombando como se a gravidade tivesse repentinamente mudado de direção. Não que tivéssemos normalmente o poder de mover objetos, nós apenas movíamos o plano em que a entidade estava – uma habilidade não muito útil no mundo real – e era ela quem movia os objetos.

A médium e o padre pararam para um minuto de admiração, mas sabíamos que o tempo era precioso.

- Eu já disse que não vamos segurá-lo por muito tempo! – Voltamos a gritar com uma irritação que fez as paredes tremerem. – Saiam logo daqui ou nós mesmas vamos dar um jeito em vocês!

O apelo foi suficiente para fazer a dupla acelerar em direção a escada.

Uma batalha, vencida mas sabíamos que a guerra mal havia começado.

O manto escarlate havia se dissipado quando o jogamos, e desse modo todos os objetos estavam esparramados pelo chão sem vida, da forma que deveriam estar. Porém foi uma questão de tempo para a névoa voltar, brotando do chão como uma bruma que se levanta de um pântano lamoso. Sabíamos do perigo que ela representava por isso curvamos nossas costas ficando numa posição de ataque e esperamos.

A névoa cresceu e espiralou, formando um cone de dois metros de altura como a versão miniatura de um tornado.

Uma nova batalha havia começado.

XXIV

Enzo Velasquez havia feito o que melhor sabia fazer... se isolar do mundo para trabalhar. Com isso ele conseguira picaretar um buraco largo o bastante para que seu corpo passasse. Antes claro, enfiou a cabeça pelo buraco identificando o que sem dúvidas era uma escada que parecia levar a um distante e terrível pesadelo. Não que ele não temesse pesadelos, mas já havia encarado o suficiente para não se assustar mais com eles.

Sendo assim ele pegou uma laterna próxima, colocou calmamente um novo bombom na boca e saltou para fazer a sua parte.

****

A médium Giovana teria muitas formas de lidar com um espírito tão poderoso e tão travesso quanto o que estava lidando, porém ela sabia que dominar o espírito era apenas parte de suas habilidades. O principal era o show, a cena, a magia que poderia ser criada ao redor do travesso fantasma e que, mais do que apenas mandá-lo para seu local de descanso, servia para engrandecer seu nome como médium, coisa que ela sabia fazer muito bem.

Abrindo sua maleta mais importante ela encontrou o báculo passado de mestre para discípulo desde o tempo em que a humanidade ainda era uma criança. Girou-o algumas vezes em suas mãos certa de que o seu número seria o mais espetacular.

****

Padre Sávio jogou a batina por sobre o pijama e tomou a Bíblia nas mãos. Não havia mal que fizesse frente a sua fé, da mesma forma que não havia demônio que fizesse frente ao nome do senhor. Contudo mesmo o sábio padre sabia não estar lidando com um espírito imundo convencional, assim sendo ele decidiu correr o risco de revelar um grande segredo da igreja, a carta na manga para o caso de tudo o mais falhar.

Ele vestiu uma luva branca com a cruz de Cristo na palma e flexionou os dedos com força para ativar a santidade ali presente. A cruz brilhou num tom azul cálido, momento no qual o Patrístico saiu de seu quarto e se preparou para mais um combate.

****

E enquanto todos se arrumavam a pequena e a grande Talita enfrenteavam a entidade.

Nosso corpo estava marcado por arranhões e era como se uma metralhadora tivesse estourado as paredes aos arredores. Entretanto não havia tempo para reclamar da dor nem do dinheiro que seria gasto na reforma, a entidade era sem dúvida poderosa e exigia toda a nossa força para contê-la.

Havíamos nos deslocado para a sala de jantar e a entidade aproveitou a grande mesa para arremessá-la em nossa direção. Antes que pensássemos no problema que aquilo seria, agarramos aquele plano pela enésima vez, de modo a deslocarmos a realidade que envolvia aquela mesa possuída, forçando-a a mudar de trajetória e destruir a caríssima cristaleira que existia na parede próxima.

Mas não é só de defesa que uma batalha é feita por isso nos encarregamos de atacar. Fechando o punho torcemos um plano próximo, concentrando-o ao redor de nossa mão, com um grito animalesco disparamos o soco que fez a realidade amordaçada explodir com uma onda de choque dimensional. Os objetos possuídos foram arremessados como sapos fugindo de um incêndio e o mini-tornado formado pela entidade se torceu, liberando ondas de névoa conforme era lançado para trás e se espatifava numa parede, abrindo um buraco que levava até o cômodo vizinho.

Ainda que estivéssemos em vantagem o esforço estava começando a cobrar seu preço. Aproveitando que a entidade parecia atordoada nos permitimos cair de joelho e tossir uma névoa de sangue espesso que começava a tornar nossa respiração difícil. O poder é uma faca de dois gumes e sentíamos os tecidos por baixo de nossa pele amolecerem a cada instante naquela condição. Seria uma questão de tempo para que mais vasos rompidos fizessem o sangue vazar por nossas orelhas e nariz, o último sinal para que voltássemos ao normal antes que acabássemos num suadouro de sangue que colocaria um fim em nossas vidas.

Voltei a me erguer quando a névoa escarlate começou a sair do buraco recém aberto, trazendo consigo a entidade que a tanto atormentava não apenas nós mas todas as outras vidas que já existiram naquela casa.

- Você é poderoso para ter se reunido após ser afetado pela Lâmina do Regresso – Dissemos com a esperança de que uma conversa talvez estendesse aquela contenda.

- Eu quero você... de novo...

- Acha que vai nos seduzir com isso?

Antes que fizéssemos mais graça a entidade avançou. Objetos foram mais uma vez arremessados e precisamos torcer a realidade mais uma dezena de vezes para escapar. Todavia aquela fora somente uma distração para que a entidade pudesse se aproximar sem ser notada, na verdade só a notamos quando ela estava a pouco menos de dez centímetros...

Uma mão etérea saiu do tornado tocando nosso braço e queimando como brasa. Gritamos e conseguimos nos livrar com um tranco apenas para uma segunda mão abraçar nosso ombro. Foi preciso um movimento na realidade para nos livrarmos daquele segundo braço e quando achamos que tudo estava bem um terceiro saiu da névoa, prendendo nosso pescoço e nossa respiração.

Perdemos um segundo para constatar como aquilo era bizarro...

Mas quando esse segundo passou, uma quarta, quinta e décima mão saíram para nos envolver com uma dor que feria nosso espírito. Tentamos mover a realidade novamente mas ainda que tirássemos dois ou três dos grilhões outros apareciam para nos envolver.

- Pare de... resistir... – A entidade anunciou e do tornado escarlate algo que lembrava uma feição se formou – Você é... minha...

Aquela conversa nos deixou realmente irritadas, e era péssimo nos deixar irritadas.

Dobramos a realidade sobre nossos punhos criando dois mundos que residiam, literalmente, nas palmas de nossas mãos.

- Nós não somos... de ninguém!

E com um último brado demos um telefone dimensional na entidade. Se ela tivesse ouvidos eles estariam com sérios problemas.

O mundo se contraiu de um jeito esquisito quando as duas dimensões em nossas mãos explodiram. Uma onda de choque se estendeu varrendo todo o cômodo e terminando por destruir o que não havia sido destruído até então. A entidade se dissipou com o ataque, mimetizando-se com o ambiente até desaparecer por completo.

Neste momento nós também desaparecemos.

Reavi meu corpo como um prisioneiro sendo jogado numa banheira de água gelada. Eu tremia e o simples ato de respirar fazia dezenas de agulhas perfurarem meus alvéolos causando uma dor que por pouco não me levou à loucura. Muitas outras dores se somaram aquela, tantas e tão absurdas que eu não conseguiria contá-las nem se quisesse. Minha consciência balançou e foi apenas minha natural teimosia que me impediu de desfalecer ali mesmo.

Meu outro eu voltou para seu lugar e eu saí do estado expandido. Ainda assim podia sentir que a entidade continuava ao meu redor, embora devesse admitir que mais fraca do que nunca.

Mas isso não era nada bom, por que se a entidade estava fraca eu estava em frangalhos.

Voltei a sentir a entidade se aglomerar e mesmo sem poder vê-la sabia que um rodamoinho de maldade se formava bem próximo a mim. Precisava dar o fora antes que a coisa ficasse preta para valer. Praticamente rastejando comecei a me afastar e o único lugar que conseguia pensar em ir era o porão onde Enzo estava, não porque o túmulo já estaria aberto e isso talvez comprometesse a entidade, mas porque Enzo estava lá e Enzo sempre tinha a solução para problemas como aquele. A seu lado eu sabia que tudo, no final, acabaria bem.

Os objetos começaram a vibrar e o cheiro de ozônio invadiu minhas narinas. Eu até poderia voltar a ser nós e continuar aquele combate, mas se meu corpo já estava naquele estado não queria imaginar como poderia ficar.

Por isso acelerei meu rastejar, liberando um chiado por entre os dentes quando alguma pontada mais forte me acompanhava. Não podia desistir. Não ali. Não depois de ter lutado tanto. Não podia decepcionar todos que contavam comigo. Por isso rastejei e continuei rastejando mesmo quando os primeiros objetos começaram a se chocar contra meu corpo gerando pontadas de dor tão terríveis quanto uma fratura exposta. Uma delas atingiu meu ombro e outra minha coluna, essa última quase com força necessária para me deixar paralítica.

Enquanto tentava não enlouquecer com aquele novo sinal de dor tive um relance do porão através dos meus olhos lacrimejados e constatei que não conseguiria alcançá-lo... Eu estava fraca e vulnerável demais e se as coisas continuassem naquele ritmo a entidade conseguiria não apenas me anular, mas sim levar minha vida.

Era uma decisão arriscada mas eu precisava voltar a lutar.

Claro que as consequências depois do combate poderiam ser até mais terríveis do que apenas perder a vida, mas novamente o medo do fracasso me abalou. Eu era orgulhosa demais para me entregar sem um bom combate, por piores que pudessem ser as consequências.

Cheguei a virar na direção do cômodo que outrora tentara fugir e comecei o processo de expansão que traria a outra Talita à tona. Porém, antes que terminasse o chamado, percebi uma coisa muito estranha, uma coisa que me deixou em choque.

Todos os objetos que estiveram sendo jogados contra mim estavam estáticos no ar, como uma foto em alta velocidade, o esquisito era eu sentir que o mesmo acontecia com a entidade... Ela não estava apenas parada mas sim presa, como se tivesse medo de avançar em minha direção.

- Pai! Respiração da Vida! Fonte do som! Ação sem palavras! Criador do Cosmos! Faça sua Luz brilhar dentro de nós, entre nós e fora de nós para que possamos torná-la útil!

Mal tive tempo de virar e ver padre Sávio descendo as escadas com uma imponente batina preta e dourada. Sua mão espalmada vinha com uma luva branca que tinha uma cruz no centro. Talvez fosse impressão minha mas poderia jurar que essa cruz estava brilhando!

- Não nos deixe ser tomados pelo esquecimento de que o Senhor é o Poder e a Glória do mundo! A Canção que se renova de tempos em tempos e que a tudo embeleza! Possa o Seu amor ser o solo onde crescem nossas ações! Que assim seja!

Foi como se um canhão sônico tivesse sido disparado arremessando a entidade e tudo que ela levitava de volta aos fundos da sala de jantar. Fiquei surpresa com o ataque mesmo sendo capaz de fazer algo parecido, diferente de mim padre Sávio não influenciava o plano da entidade, ele influenciava a entidade em si, o que, se você pensar bem, é uma grande diferença.

Padre Sávio se aproximou com passos curtos e tranquilos, embora sua mão estendida e seu olhar franzido deixassem claro que ele não havia abaixado a guarda. Seus passos o trouxeram para próximos de mim e ele parou a meu lado, perdendo um instante para desviar os olhos e perguntar se estava tudo bem.

Apenas assenti com um movimento curto e nunca soube se ele percebera minha resposta. O poderoso Patrístico então seguiu na direção da sala de jantar, sempre com a mão erguida e o olhar ameaçador. Percebi que embaixo de seu outro braço trazia uma Bíblia mas senti que ela estava ali apenas para completar o uniforme, qualquer oração que precisasse ser feita já havia sido memorizada pelo homem.

- Do centro onde a vontade de Deus é conhecida, que o propósito guie a vontade dos homens! O propósito que os Mestres conhecem e servem! Do centro a que chamamos a Raça dos Homens, que se realize o Plano de Amor e Luz e feche a porta onde se encontra o mal! Que a Luz, o Amor e o Poder restabeleçam o Plano Divino sobre a Terra! Hoje e por toda a eternidade! Amém!

Uma explosão de luz saltou da mão do homem e invadiu a sala como uma supernova. Eu cheguei a cobrir meus olhos quando algo dentro de mim previu que aquilo seria uma boa idéia, entretanto foi inútil... O brilho era tão intenso que atravessou minhas mãos e minhas pálpebras, atingindo minha retina com uma potência que fez meu cérebro doer. Felizmente o efeito daquela luz durou somente um instante, tempo insuficiente para cozinhar meus miolos mas o bastante para fazer uma escuridão tão grande me envolver que por alguns segundos não conseguia ver nada mesmo com os olhos arregalados.

O mundo foi aos poucos retornando junto com a imagem das costas de padre Sávio que se revelavam como uma verdadeira muralha a minha frente. Foi um momento tão surreal que precisei piscar algumas vezes para ter certeza de que aquele homem era o mesmo padre carrancudo que eu conhecera durante aqueles dias. Ele nem precisava estar com a palma estendida e com o estranho poder saindo dela, sua simples presença ocupava o ambiente e eu tive um pressentimento de que a entidade não poderia sair daquela sala por mais que tentasse.

Claro que mesmo sabendo disso ela não deixaria de tentar.

Pulsos de energia atravessavam meu corpo como ondas conforme a entidade forçava passagem e padre Sávio impiedosamente a continha. As ondas vinham acompanhadas daquele brilho cegante e eu sabia que se ficasse muito tempo ali acabaria tendo que comprar óculos com lentes especiais para poder voltar a enxergar.

Então lembrei de Enzo enfiado em alguma cova não muito longe e ajudá-lo me pareceu uma excelente idéia.

Meio aos tropeços me afastei do embate entre o padre e a entidade, seguindo desajeitada porque os flashes de luz eram tão intensos quanto os de uma máquina fotográfica, comprometendo minha noção de distância a um ponto em que precisei me apoiar nas paredes para descer as escadas.

Quando os degraus terminaram me vi sozinha naquele cômodo outrora tão pacífico mas que agora se tornara assustador. Enzo havia desaparecido mas eu tinha um forte palpite de que ele seguira pelo grande buraco que havia no centro do cômodo.

Como sua assistente era meu dever seguí-lo.

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Pessoal, acredito que essa é a penúltima postagem, então continuamos e terminamos sexta 07/09

Gantz
Enviado por Gantz em 05/09/2012
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