Todo Homem é uma Ilha
 



            - Maria?! Maria?!

          As ondas batiam contra a frágil embarcação em meio à potente tempestade. Manoel, lutando bravamente, procurava em desespero pela mulher. O dia se fizera noite e as ondas, a cada momento, pareciam crescer. Após uma vaga, em que a embarcação se viu descendo, o pescador se voltou para trás e percebeu vindo em sua direção uma onda que há anos habitava seus pesadelos. Um verdadeiro paredão d´água com dezenas de metros de altura avança rapidamente. O homem, sem ação, engoliu em seco tendo seus olhos a saltar das órbitas.
            Todo ser, seja pequeno ou de alta complexidade, como o homem, nos momentos em que se vê diante de uma morte iminente, entra naquela vacância morosa que antecede o fim. Os minutos viram horas e os segundos viram minutos intérminos. A grande coluna dobrou-se e, como se fosse o punho fechado de um gigante, golpeou em cheio a embarcação convertendo-a em um punhado de tábuas.



Ao abrir os olhos, rosto salpicado de areia, sol a pino queimando-lhe as faces, Manoel não podia acreditar que ainda estava vivo. Seguindo a orientação natural que segue aqueles estados, levantou-se cambaleante em meio àquela grande praia. Não podia acreditar na sua sorte. Tendo sede e fome, procurou, adentrando na mata, algo de comer e de beber. Ao dar os primeiros passos, surpreendeu-se. A relva gemia, quando era por ele pisada, como se fosse viva.
- Que maluquice é essa?
- Não é maluquice! Suas pisadas doem.
Apavorado, voltou-se para todos os lados buscando a origem da voz.
- Quem é? Quem está aí?
- Ninguém está aí, seu tonto. Nós estamos por todo lugar.
- Nós? Nós quem? – Pegando de um pau, colocou-se em posição de luta.
- Nós, a natureza que te cerca.
- Não acredito. Eu estou falando com árvores?
- Com árvores, não. Você está falando com tudo.
- Estou louco. Decididamente estou louco. – Soltou o pau e começou a correr abobalhado. Enquanto corria, ouvia gemidos, gritos e teve a impressão que um coqueiro gritou quando chocou-se com ele. Fraco e atordoado, viu o mundo girar antes de desabar.
Calmamente, as árvores começaram a envolvê-lo. Os cipós o cercaram e o elevaram formando uma espécie de rede. Alguns ramos, ricos em seiva, estenderam-se até a sua boca e derramaram gotas ricas em água e minerais. Aos poucos, foi-se restabelecendo.
Ao despertar, da segunda vez, teve a certeza que ou enlouquecera ou morrera. Começou, então, a conversar com as árvores que lhe apontaram um caminho seguro para um riacho onde pode beber à vontade. Depois, cederam-lhe frutas que devorou com prazer sentindo-se novamente forte e sadio em questão de dias.
- Vocês podem explicar isso?
- Como explicar o que você não poderia compreender?
- Vocês falam. Árvores não falam e, se não estou morto nem louco, qual é o mistério?
- O mistério? O mistério é a vida... – E sorriam em uníssono.
Ali, naquele paraíso esquecido, não caçava e nem pescava, pois os peixes, aves e animais também falavam.
- Voltei ao tempo de Adão. – Dizia.
- Adão? Quem é Adão? – Perguntavam-lhe.
Contou-lhes a história da qual riram muito. Ficou amigo da natureza que, nas chuvas e tempestades, envolvia-o com mantos verdes tornando a água impenetrável. Aprendeu a respeitar cada árvore, cada ser vivo que o cercava e sua paz durou 10 anos até que um dia, no horizonte, viu uma embarcação.
- O que é aquilo? – Perguntaram-lhe.
- São o meu povo. – preciso fazer um sinal com fogo.
- Fogo? Mas o fogo só vem do céu em raios.
- Tenho que chamar-lhes a atenção.
- Por quê? Não és feliz aqui?
- Vocês não entendem. Sou feliz aqui, mas tenho que voltar para minha casa, para a minha vida e, talvez, Maria também esteja viva.
Apavorado, não conseguindo fazer fogo, arrancou duas grandes folhas de uma palmeira enorme que emitiu um grito.
- Por que nos fere? Por que nos maltrata?
- Preciso fazer sinal. Vou subir até o alto daquela montanha.
Do alto, abanou fortemente, mas o barco não o viu e partiu para longe. Quando tornou à floresta, viu que algo estava estranho. As plantas não mais gemiam, os pássaros não mais falavam. Tudo ficou mudo e silencioso. Gritou com eles, bateu nas plantas e nada ouviu. Com o passar do tempo, passou a arrancar-lhes os frutos à força, matou peixes e pequenos animais. Derrubou árvores e construiu uma choupana.
Sua solidão, agora, era completa. Em uma noite, viu-se preso em um fosso de areia movediça e começou a afundar. Gritou para as plantas o auxiliarem, mas foi inútil. Desapareceu rapidamente, tendo sobre ele o olhar de lamento daquela natureza imperturbável, de um Mundo Paralelo, dona de uma sensibilidade muito superior à do homem que, nem mesmo que dela tudo de bom receba, sabe retribuir...