Entre os Mortos IV

Não ouviu a resposta que esperava do outro lado da porta. O coração em acelerada carreira: tum-tum-tum-tum....Estava gelado, visivelmente abalado com o inesperado, o encontro com o sinistro. Pensou: " não temo os mortos...não acredito que voltem para assustar, mexer com os vivos". Tentava mentir para si mesmo, como qualquer pessoa faria. Continha-se para não soltar um grito de pavor, pedir para que seja o que fosse o deixase em paz. Pensou assim:" uma oração, isso, poderei fazer uma oração, e ..."

Antes de concluir o seu raciocínio, a última chama da vela se extinguiu, deixando o quarto no breu total - quase gritou de medo, pavor. Estava ali, na mais completa escuridão. Temia um toque de mão nas costas, ou uma presença ali, a fitá-lo, com um olhar gelado, penetrante, ou uma voz, como disse o velho, a balbuciar o seu nome, chamando-o, com sussurro:

- Sa...di...noel....

Ouviu, não foi impressão, não foi uma criação do pavor que estava sentindo naquele momento. Suava frio, as pernas bambas. Para sua surpresa, a luz da vela, sem explicação, retomou, então, o quarto foi mais uma vez envolto pela luz tênue. Aliviou-se, quando pôde correr as vistas pelo breu do ambiente, e nada de amedrontador avistar.

Sentiu uma vontade incontrolável de abrir a porta, e ir encontrar o velho, ou o seu irmão. Indagava-se:

" Que tipo de surpresa poderei encontrar no corredor, ou pela casa?".

Andou de costas, fitando a porta do quarto, lembrou de que havia trancado, passando a tranca. Isso lhe deixou mais tranquilo. Recuou de costas, até que se sentou na cama. Ficou na expectativa de algo, de olho na porta. Alguns poucos minutos se passaram. Então, mais uma vez: sentiu os passos lentos, vagarosos, subindo a escadaria. A cada passada ouvida, parecia sentir o coração querer sair pela boca. Para desequilibrá-lo, a chama da vela mais uma vez se extinguiu, foi se diluindo aos poucos, até que o deixou envolto pela total escuridão, sentiu, como se fosse abraçado pelo negrume assustador do ambiente, devorando-no, por completo, sem piedade.

Quando as passadas se prolongaram pelo corredor dos quartos, chegando á porta, quase soltava um grito de pavor, sentia que precisava sair dali correndo, desimbestado pelas ruas pedino por socorro.

saltaria pelo janelão, ou abriria a porta, de forma abrupta, e atropelaria a "coisa" e sairia correndo pela casa, caindo e levantando, rolando pela escada sem dar intervalo ao seu horror: gritaria alto, forte, pedindo por socorro.

" Seria até negraçado." - Pensou.

Não havia ali, um bastão, uma faca, algo que pudesse ter nas mãos para se defender. O seu desespero era aterrador, envolvendo-o de forma cruel, impiedoso. Suava frio, tremia, o grito de pavor travado na garganta. Perguntava-se: " O que estaria do outro lado da porta, quem estaria ali- um fantasma, ou o velho, querendo amedrontar, promover o sobrenatural naquele local assustador?''

"Estava se desconhecendo, era um ateu convicto, não acreditava nas coisas do mundo dos mortos - como podia estar tão amedrontado, assutado feito um mariquinhas"-questionava-se. A escuridão no quarto era absoluta - imaginava que estava cercado por seres invisíveis, que debochavam dele.

- Q- quem está ai?

Arriscou, perdendo o medo, a voz saiu embargada, intranquila, de pronuncia quase inaudível.

- Sa...di..noel....

Escutou do outro lado da porta. Uma voz rouca, gutural, de timbre diferente -" a voz dos mortos " - pensou, talvez. Chegou a duvidar se o chamaram.

Escutou mais uma vez: "Sa...di...noel..."( agora, seguido de um risinho, de deboche).

Pensou, de forma desesperadora a abrir a porta e partir pra cima, com ímpeto, força e com as últimas energias restantes - pois, estava prestes a desmair, de medo. O quarto totalmente escuro - e, aquela sensação maldita de que a qualquer instante uma mão gélida lhe tocaria num dos ombros, ou que se chocaria com alguém naquele breu total. caso assim, acontecesse, sabia que soltaria um grito de pavor que acordaria Salvador, A Ilha, Camaçari, Candeias, Pojuca, Santo Antônio de Jesus e Dias Davila E Feira de Santana.

Odiou o irmão Euclides, ele era o culpado por estar se sentindo, naquele momento, um inseto acuado, o pior dos homens - jamais se imaginou numa situação daquelas. Ser envolto por emoções avassaladoras, até então, desconhecidas por ele.

-Sa..di...noel....

Ouviu mais uma vez. Ficou ali, estático atrás da porta, logo depois foi recuando de costas, tentando encontrar a cama. Chocou-se contra a parede, e tendo esta como guia, foi tateando, tateando, até que sentiu a canela se bater na cabeceira da mesma. Deitou-se, temeu que algo o tocasse, ali deitado, chegou a imaginar colocar-se debaixo da cama, e ali ficar encolhido, tremendo de medo, prestes a se borrar, urinar-se. " Seria uma vergonha, Euclides debocharia dele pelo resto da vida."

Ouviu a voz gutural, de timbre bizonho, chamar por ele, de forma de sussurro maldito, com ares de deboche - uma voz do além. Pensou em gritar algo, mandar que parasse com aquele jogo amedrontador. Quando na verdade, não sabia o que fazer.

Encolheu o corpo na cama, a cabeça posta nos joelhos, fechou os olhos, tremia todo feito vara verde. Ouviu algum som, ao longe dos pombos no assoalho E, assim, adormeceu.

Parecia não ter fim o seu terror, pois, se quer sentiu ter passado poucos minutos e acordou. Parecia ouvir pessoas se movimentando no corredor, vozes de timbres diferentes. Entretanto, essas pessoas que falavam, agora, pareciam serem normais, pareciam estarem á vontade, como hóspedes chegando para o pernoite. Ergueu-se da cama, com energia, sim, as vozes eram tranquilas, os passos não pareciam serem suaves, como se quisesse esgueirar-se pela escuridão. Aliviado, se dirigiu á porta, escutou, colocando o ouvido na madeira. Levou uma das mãos na maçaneta, girou - um pouco inseguro.

Girou-a, abriu a porta devagarinho. Para sua surpresa, novos hóspedes estavam ali, recém-chegados." Talvez motivados pela chuva intensa, e pela falta de energia elétrica, não tiveram como buscar abrigo em outra pousada,vieram parar aqui, que ótimo - é o fim do terror".

Não teve coragem de sair do quarto. A escuridão era intensa no corredor, as velas davam os últimos suspiros, esvaindo-se em chamas lentas, devoradas pela escuridão. Fechou a porta, deitou-se, as mãos apoiando a cabeça, as pernas cruzadas em concha. No escuro absoluto, não teve a devida coragem de ir buscar um candelabro para o quarto - isso lhe confortaria mais. Então, ouviu:

- Está na hora, a festa vai começar...

Uma voz feminina, uma mulher falava com desenvoltura.

- Eles estão chegando...

Uma voz masculina, de alguém jovem.

- Sim, alguns ainda cheirando às flores...

As vozes se sucediam, ora, ja era alta madrugada, a chuva la fora era um dilúvio so. " Por quê não se recolhiam, procuravam logo o abrigo do cobertor e o conforto da cama?" - Indagava-se, com irritação.

Então, teve a coragem de sair do quarto. Alguns homens e mulheres se espalhavam pelo corredor, não se importavam com a semi-penumbra reinante ali. Algumas garrafas de bebida estavam nas mãos de alguns deles. Duas mulheres bebericam vinho e se entregavam, de forma melosa aos olhares masculinos. Fumavam, uma delas abria um dos botões do vestido à altura colo, enquanto sussurrava uma canção, a voz lhe parecia familiar.

- Você é um deles?

A mulher lhe perguntou...

- Q-quem? Eu?

Respondeu, inseguro.

Foi quando, um dos homens se aproximou deles, e logo falou:

- Não, ele é um dos hóspedes, não faz parte de nossa turma...Não percebe?

- Ah, bom...

Disse a mulher lhe olhando de cima abaixo, um olhar bem safado.

- Mas, vejo potencial nele, escute, não quer se divertir conosco?

- Eu...eu...

falava sem graça, sem introsamento. Á sua volta casais conversavam, alguns ja nos amassos, as garrafas passando de mão em mão.

" Sao estranhos, vestem-se de forma estranha, talvez façam parte de alguma comunidade alternativa por aqui..." ´- Pensou.

- Você tem potencial, se é que me entende..

Disse ela, colocando uma de suas mãos em seu ombro. Aproximou-se, ele sentiu os seios rijos colar no seu tronco. Ela o beijou nos lábios, sem pudores. Dali, em diante não se controlou. A escuridão favorecia que os casais fossem ousados. Foram se arranjando, cada qual pegando o seu par e entrando nos seus quartos. Quando ja estavano quarto dela, na cama, ouviu a voz feminina lhe chamar: Sa...di..noel...

O timbre era gutural, sussurrado.

Sentiu graça, não foi abrir a porta, ela entrou nua, os trê se juntaram na cama. Uma noite de escuridão, onde todos os prazeres foram experimentados. Trocaram confidências, disseram seus nomes - realizaram-se nos mais descabidos dos prazeres. Apalparam-se no escuro, tudo, e todas as partes dos corpos eram encontrados tateando no escuro. As duas pareciam leoas famintas de sexo, insaciáveis.

- Como sabe o meu nome?

Ele perguntou para uma delas, a que entrou por último no quarto.

- Fácil ouvi o seu irmão chamando por diversas vezes, tolinho.

- Você conseguiu me assustar, quase morro de medo. Um terror ouvir os seus passos na escada, depois no corredor, e ficar me chamando.

- Ah, as vezes dá certo, outras vezes não, com o seu irmão não deu certo. Ele não consegue sair, você sai com facilidade.

A alvorada não se demoraria a tingir de rubro escarlate a linha secante do mar, anuncando a alvorada. Uma delas observou:

- Vamos ter que ir, seria bom que você voltasse para o seu corpo.

( Continua)

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 25/09/2012
Reeditado em 26/09/2012
Código do texto: T3901514
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