O Toque da Morte

Leda estava pálida quando baixou o telefone no gancho, a voz grave e pausada encheu seu cérebro na madrugada quente...
Há 30 minutos ela dormia em diagonal na imensa cama redonda que seu amante mandara fazer para os dois, no terceiro andar de um novíssimo condomínio, sozinha nesta noite, acordou em sobressalto com o som metálico da campainha do telefone...
___ Boa noite senhora, é do IML, o senhor Julio foi assassinado, poderia vir reconhecer o corpo?
A rapidez com que foram ditas estas palavras do outro lado da linha e o termino abrupto da ligação, deixou Leda a atônita, lívida, a voz lhe faltou para a mais curta sílaba de assombro, nada lhe foi possível saber, a não ser que seu amante jazia nas salas obscuras e silenciosas do IML...
Ainda sob o impacto da sinistra notícia, Leda fazia na sua confusão mental, algumas perguntas...
___ Porque eu, se a ele tem esposa, filhos, parentes...?
___ O que aconteceu? Um acidente, um assassinato, uma vingança...?
___ E o mais tenebroso de todos, atinado depois de um gole generoso de água gelada... Porque do IML local, se este há muito tempo estava desativado e já não funcionava mais...?
O olhar de Leda alongou-se além da janela, para a pouca luminosidade da madrugada, e olhando através das sombras entre as árvores, conseguiu aglutinar em seu cérebro alguma seqüência lógica do que deveria fazer, já que não tinha a identificação da ligação em seu telefone fixo...
A voz tenebrosa martelava insistente em seu cérebro, venha... Venha... Venha...
Caminhou até o guarda roupa, escolheu um vestido solto, branco com detalhes que lembravam esmeraldas, um sapato baixo negro, e uma echarpe de lá, com detalhes em fio prateado... Seu rosto virou levemente e olhou tristemente por dentro da porta pendurada com um alfinete, a foto de seu amado amante, com um sorriso entre um sexi inocente e sedutor fatal... Sorriu entre lágrimas, depois em seus braços trêmulos foi colocar sobre a cama desarrumada, as peças escolhidas.
O sinal do silencioso de seu celular tremeu em cima do bidê, e ao abraço nervoso de sua mão ele parou de tocar, ligou durante 2 minutos para o numero recebido e nada, um longo sinal de ocupado lhe fustigou a nervosa espera...
Olhou o número, e não reconheceu a seqüência, mas lembrou que o DDD não era o seu, um gélido choque lhe percorreu a espinha, e alojou-se sufocado no ventre, fazendo-a sentar na cama, trêmula, visualizando em sua alma a mão negra do terror sobre sua vida...
Em frente ao espelho, em uma... Duas passadas da echarpe pelo pescoço,  ela terminou de se arrumar, iria sim ao IML, procurar respostas...
O caminhar lento contrastava com o turbilhão de medos que desfilavam o cérebro perturbado de Leda, as sombras ameaçadoras que lhe acompanhavam pareciam ter vida, e a cada pequeno som vindo dos becos lhe faziam tremer e soluçar na noite escura, pontilhada de pequenas luzes, encoberta pela neblina...
A construção era antiga, da década de 1930, o velho IML, fora palco de tantas desgraças, tantas tragédias, que ao longo dos anos tornara-se uma fúnebre lenda na memória popular, mesmo Leda quando pequena costumava virar o rosto quando passava em frente... Diziam, ouvir vozes, gritos, a dor em forma de sons vinham de dentro do velho edifício, e a dúvida de Leda agora se transformou em uma estranha curiosidade, porque eu e porque estaria ali o corpo já sem vida de seu amado...?
Leda demorou-se, e agora pensava na velha senhora, mulher de seu amante, doente, ela não dava ao seu amado o prazer que ela mais jovem dava, e a cadeira de rodas que a separava do mundo, nunca causou remorso a Leda, pois pensava ela, estar dando um pouco de alegria a vida fria daquele casal.
A longa escada de 25 degraus foi percorrida por Leda, e a enorme e sinistra porta foi aberta com pouco esforço, Ledo esticou a mão lentamente para a sua bolsa, e retirou uma lanterna, com a qual iluminou o corredor em frente, o facho fino não ia além de 10 metros, e com o caminhar, notou perfeitamente no chão, ainda brilhante, gotas de sangue... O ranger de portas fez Leda parar, agora finas gotas de suor desceram pela fronte da mulher, e misturaram-se com as lágrimas, não era mais possível voltar a dor e o medo eram mais fracos que a imperiosa necessidade de saber sobre tudo aquilo...
O corredor e as enormes portas pareciam uma longa viagem através de um velho cemitério carregado de imagens e lembranças fúnebres... Os sons eram aterradores e quando menos seus sentidos esperavam, ela teve diante de si, na penumbra de uma porta aberta, surgindo das sombras, uma figura em negro, desfigurada pelo ódio, pela sede insana de matar, que lhe jogou aos pés, algo, sinistro banhado em sangue coagulado, recendendo o nauseante cheiro ocre das coisas putrefantes... Era a cabeça de seu amado cortada rente ao pomo de adão, abrindo uma desenfreada vertente na jugular exposta, uma cena maldosamente chocante...
Leda ajoelhou, abraçou a cabeça de seu amante, chorava copiosamente, quando visualizou na mão da figura de cadeira de roda, um longo punhal, brilhante entre as borras de sangue, o metal reproduzia a morte recente... A figura levantou da cadeira, caminhou até a dois passos de Leda, e fez transpassar, uma duas três vezes o punhal em seu próprio pescoço, espirrando sangue na parte baixa do vestido de Leda...
Meia hora depois, um vulto voava do terceiro andar de um edifício, completando um ciclo que começou com a desgraça e não poderia terminar com flores... A morte é um brinde perfeito para quem a procura...
 
Malgaxe
 
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Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 09/10/2012
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