A ESTRANHA

Recordo-me muito bem quando tudo aconteceu. Meu nome é Maria e naquele tempo eu trabalhava como enfermeira em um hospital municipal no interior do estado de Minas Gerais. Meados dos anos sessenta, meio da semana, final de tarde e eu precisava apenas terminar de atender o último paciente com o doutor Roberto para encerrarmos nosso plantão.

O último paciente que havia chegado estava com um corte profundo na perna direita e Roberto costurava a ferida. Com certeza ficaria uma bela e enorme cicatriz daquele ferimento, quando outra enfermeira adentrou o consultório simples, apavorada e ofegante, atraindo a atenção de todos os presentes.

-Vocês precisam vir comigo rápido! Estamos precisando de reforço! – ela exclamou enquanto se escorava na porta pintada a mão na cor branca.

-O que houve? – perguntei calmamente na tentativa não assustar o paciente, que se contorcia de dor na mesa de operação, sentindo sua calça, já em trapos velhos, encharca-se de sangue.

-Eu só preciso que venham comigo. – foi o que ela respondeu.

Joana estava trêmula e suava frio. Naquele instante senti que algo bom não estava por vir. Alguns minutos depois doutor Roberto já havia acabado de dar os pontos na ferida do rapaz e depois de dar as recomendações, aproximou-se furioso de Joana, que estava sentada sobre a maca.

--Em que momento lhe autorizei para entrar em meu consultório desse jeito, Joana? – ele interrogou nervoso.

--Desculpe doutor. – ela pediu cabisbaixa. –Mas preciso que os dois me sigam. Estão pedindo reforços na ala C.

Ainda nervoso com a atitude de minha colega, doutor Roberto pegou seu estetoscópio e partimos rumo à ala C. Andávamos apressados.

--Só o que me faltava agora. Estou louco para terminar meu plantão. - ele resmungou.

--Você pode pelo menos nos introduzir do que se trata Joana? – pedi enquanto tentávamos alcançar a velocidade do médico.

--Enquanto vocês estavam na sala cuidando daquele paciente, uma mulher estranha entrou aqui no hospital. Está com vestes brancas e tingidas de sangue.

--E daí? Pode ser alguma doente mental. Vai ver que matou algum animal rural pelas redondezas. – falei.

O rosto de Joana tornou-se sombrio e ela me observou no fundo dos meus olhos.

--Ela não parece ser humana, Maria! Ela se parece com uma boneca! Não tem sobrancelhas e nem unhas. – ela exclamou séria.

Um frio percorreu meu corpo. Senti as pernas bambearem. Senti vontade de sair logo daquele hospital e nunca mais voltar.

--Será que da pra vocês andarem logo? Estou com pressa! – doutor Roberto chamou impaciente.

De repente paramos em frente ao quarto onde era usado para o atendimento de pessoas portadoras de doenças mentais. Doutor Roberto estava com uma prancheta em mãos e abrimos a porta. Lá estava a mulher deitada em uma cama, sem expressão alguma. Seus lábios eram vermelhos, seus cabelos eram negros e bem curtos, trajava roupas brancas e manchadas de sangue e sua pele parecia confundir-se com o branco da parede. Olhava para o teto. Um olhar inexpressivo que me causou um medo terrível.

--O que está acontecendo aqui? – Roberto interrogou aos demais enfermeiros presentes na sala, que seguravam firme a mulher na cama.

--Ela apareceu agora à tarde na portaria do hospital. Andava lentamente, quase parando e sorria. Olhava para lugares sem direção. – um enfermeiro respondeu.

Roberto tirou o estetoscópio pendurado ao pescoço a aproximou-se da mulher, que mais parecia uma boneca para examiná-la. Ficamos ao longe observando toda cena e meu coração batia aceleradamente.

Um sorriso diabólico desenhou-se naquele rosto embonecado e avistamos enormes presas nos lugares de dentes normais e vomitou sangue em cima do médico e em seguida começou a se contorcer.

Eu fiquei horrorizada. Nunca havia visto ninguém daquela maneira. Eu não conseguia ficar olhando-a por muito tempo. Sentia-me desconfortável e sentia uma tristeza enorme presente ao meu corpo.

Antes de ser sedada, a mulher foi transferida para um quarto limpo. Lembro-me que Roberto expressou horror em seu rosto. Eu e as outras pessoas ficamos com medo.

A noite já havia caído e já havia passado a hora de encerrar meu plantão, mas eu não queria ir embora. Por mais que aquele ser preso naquele quarto fosse medonho, algo me dizia para ficar ali.

Ninguém tinha coragem de adentrar o quarto e vez ou outra chegávamos o rosto na parte de vidro da porta e ficávamos observando-a. Sua aparência causava desconforto e medo na equipe inteira que cuidava daquele caso.

Eu virei a noite naquele hospital. Estava impressionada com aquela mulher. De onde havia surgido? Seria alguma infecção? Doença contagiosa? Tivemos medo ao partir para o lado da ciência. Demônio? Ficamos ainda mais temerosos em pensar nessa possibilidade.

No dia seguinte, pela manhã, não foi nada fácil. Ela apresentava uma força absurda e lutava contra os enfermeiros que tentavam sedá-la. Eu estava em um canto da sala, segurando a bandeja com medicamentos, doutor Roberto tentava aplicar-lhe um sedativo, quando ela se levantou da cama e sorriu novamente mostrando aqueles dentes horríveis, com presas enormes.

--Mas que merda você é? – ele perguntou assustado.

Ela não respondeu e fincou seus dentes pontudos, longos e afiados no pescoço dele, rasgando até a altura do ombro.

Um filete de sangue escorria no chão límpido do quarto e toda a equipe assistia a cena de terror. Em meio ao silêncio a segurança do hospital foi chamada, enquanto Roberto engasgava-se com seu próprio sangue.

Já caído ao chão, e em sua volta uma poça de sangue, a mulher abaixou-se ao ouvido do médico com os lábios e as presas sujas de sangue e disse:

--Eu... Sou... Deus!

Lembro-me de ter desmaiado naquele quarto. Ao acordar me recordei de tudo. Disseram que ela havia desaparecido daquele quarto, assim que a segurança chegou, encontrando Roberto falecido em meio à poça de sangue e toda equipe médica desacordada. Nunca mais ouvimos falar ou vimos aquela coisa novamente, porém ainda, essa história percorre os corredores de muitos hospitais e vários profissionais da saúde temem em encontrar essa mulher.

Se é ela Deus? Não sei. Isso deixo para vocês perguntarem quando se depararem com ela nos corredores dos hospitais por aí.

Marsha
Enviado por Marsha em 23/10/2012
Reeditado em 23/10/2012
Código do texto: T3947213
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