Cybele parte I e II

Parte I

As densas trevas que infectavam a cidade, como uma nuvem tóxica que consumia, só servia para esconder seu rosto dos poucos que passavam, estava atordoada, se sentia um monstro desprezível. Como podia ter matado a sangue frio um ser humano? Nem em seus pesadelos mais insanos tinha sido tão cruel, apesar de estar com uma angustia dilacerante no peito não chorava, pois sempre que uma lagrima chegava a seus lábios sentia gosto de sangue outra vez....

***

-Não vai à aula sem comer nada né Cybele?-a mãe gritou.

-Estou sem fome, tchau!

A mãe ainda falava algo, porém já estava na rua; com os óculos escuros, (que desde que o oftamologista constatou uma sensibilidade anormal nas estruturas ópticas, não deixava de usar), caminhava tranquilamente em direção à escola..

Sentindo o vento da manhã tocar o rosto, pensava, estava apaixonada por aquele garoto maravilhoso. Mesmo que todos dissessem que ela era muito para ele, dissessem também que ele era um tipo cdf sem graça ela o queria, pois despertava algo em sua alma que não podia explicar.

Entrando pelo grande corredor principal, como fazia todos os dias notou algo estranho, todos os garotos pararam para olhá-la, com um fascínio intenso que ela desconhecia. Olhando pelo reflexo da porta antes de entrar na sala tentou encontrar algo de anormal, era a mesma Cybele de sempre, pelo menos parecia ser. O professor, que já começara a aula parou, olhou para ela de cima a baixo e disse um sonoro bom dia, nunca o tinha visto cumprimentar ninguém!

Sentou ao lado de Saturn, sua paixão, ele sorriu com aqueles dentes perfeitamente brancos, com aqueles caninos pouco maiores que o normal e olhos de um verde sedutor, apesar da harmonia do rosto ser afetada pelo nariz infinitamente pequeno e fino; ele tinha algo de milenar em suas feições, como uma pintura que mesmo sendo de tempos remotos contava historias muito atuais.

Ao contrário de todos, que hoje pareciam ter visto algo especial nela, ele a olhava com a mesma amabilidade de sempre, tocando em seus cabelos negros com as pontas dos dedos enquanto falava, deixando-a embaraçada por se sentir especial.

No final da aula, o sol passando do meio do céu, se sentaram na quadra do fundo, não pretendiam chegar cedo em casa, mesmo sem dizer palavra alguma a respeito os dois sabiam, que o que queriam mesmo era aproveitar a companhia um do outro. Olhando-a nos olhos, hipnotizando-a com aquele par de esmeraldas brilhantes que teimavam em ornamentar as orbitas oculares, ele sussurrou:

-Hoje você esta mais linda que o normal Cybele.

-Obrigada...

Segurando em suas mãos se aproximou lentamente, seria os primeiro beijo dos dois? Quando muito próximo, se desviando dos lábios foi ate o ouvido dela:

-Hoje é lua cheia, hoje a magia desperta, será que isso que dizer que o mal acorda?

Não entendendo o que ele dizia, mas sentindo uma leveza sonolenta no corpo respondeu:

-A maldade não vem da magia, vem do ser que a gera dia a dia, hoje a lua apenas liberta os demônios, mas ele não os coloca dentro de nós.

Tocando levemente os lábios nos dela envolvia-a em uma nevoa de sedução, tudo o que tinha ao redor desapareceu...

Lembrando daquele mágico momento, horas depois, sorria olhando para o teto, tinham marcado de se encontrarem a noite, sentindo comichões no estômago pensava em que roupa usar. Quando olhou para o relógio e viu que já eram sete horas quase caiu da cama, ele estaria lá em meia hora! Se arrumou depressa, ao contrário do que sempre acontecia, naquele dia se sentia linda, radiante, confiante e principalmente cheia de vigor e poder, vendo a grande lua cheia que ainda estava longe, e que mais tarde estaria muito mais visível sorriu, Diana abençoaria sua noite, cobrindo-os com sua luz e sua benção.

Caminhavam em direção à praça, estava deserta e escura, tomando-a em seus braços a beijou, como se aquele fosse o ultimo momento de suas vidas se entregavam àquela paixão desvairadamente, sentia o corpo quente dele junto ao seu, ardia de desejo e paixão, perdendo então o seu pudor e senso moral teve ânsia de se entregar a ele ali mesmo, mas seria impossível, pois há uma certa distancia havia algumas pessoas sentadas (surgidas do inferno certamente para atrapalhar aquele momento!).

Quando terminou de beijá-lo sentiu gosto de sangue, passando os dedos pela boca viu que era seu sangue, os olhos dele saltavam das órbitas em um verde mais intenso que o normal, pareciam fluorescentes, os caninos saltados e um sorriso no canto dos lábios. Lambendo o próprio sangue que colhera com as pontas dos dedos sorriu também, mordendo com força o lábio inferior dele ate sangrar muito; ele muito assustado tentou afastá-la, era tarde, agora ela queria sugar aquele sangue.

Pulando em cima dele começou a lambé-lo, como um animal, o coração disparado, o corpo cheio de desejo, teve ímpetos de arrancar a roupa dele, e fazer amor como animais, mas quando sentiu um cheiro delicioso e se virou não podia mais se controlar. Era uma criança, uma menina de 5 ou 6 anos, ela corria de um lado para o outro enquanto chutava uma grande bola colorida, os pais brigavam em um canto, aumentando de tempos em tempo a voz, mas abafando.

Ela era pura, o sangue dela tinha um cheiro incomparável, era puro e doce, quando os inocentes olhos se encontraram com os dela, sua presa veio sorridente como se hipnotizada, ela segurou sua mão, levando-a para trás da praça onde havia uma rua erma, a criança parecia em transe, tendo como únicos movimento alguns espasmos antes de morrer. Sem uma gota de sangue e com parte do corpo mutilado ficou ali, largada naquela rua deserta, era apenas os resto de algo que um dia viveu...

Quando a encontrou transtornada em uma rua, em meio a escuridão que parecia uma nuvem tóxica que consumia, que indo contra toda a lógica ignorava a grande lua que ornamentava o céu, tentou consolá-la, ela não queria sequer que ele a tocasse.

-Seu monstro, o que fez comigo?–gemia alto, como se fosse consumida por dores mortais.

-Eu a matei... era só uma criança, aquela carne, aquele sangue!

-Você já foi perdoada... Foram criadas presas e predadores, não é uma questão de justiça e sim de sobrevivência... Não chore, senão perderá todo o sangue...

Abraçando-o sentiu algo em suas costas.

Ele tirou a blusa de frio vestiu nela, deixando a mostra as asas negras de morcego. Tirando rapidamente a blusa e tocando as próprias costas sentiu um frio arrepio, algo nascia ali....

Parte II

Quando a mãe entrou no quarto rapidamente, ela se assustou, trazia uma bandeja e gritava:-

-Acorde! Não importa se ficou na rua até tarde, coma logo e vá para a aula, hoje é sexta-feira, logo poderá descansar quando voltar!

Esfregando os olhos olhava ao redor, de repente realidade e ilusão se fundiam em uma só coisa. Tentava em vão se lembrar quando voltara para casa, a boca amargava com um gosto pútrido, foi correndo para o banheiro, vomitou muito, não havia indico algum de sangue, mas em sua alma ainda tinha muito sangue e carne pesando. Não comeu nada jogou tudo no vaso. Não tinha ânimo de se arrumar, não sabia como poderia encarar Saturn, mas precisava, ele tinha a resposta que ela precisava.

O céu estava totalmente coberto de nuvens arroxeadas, talvez fossem estas nuvens responsáveis pela escuridão da noite anterior... Quando entrou pelo corredor não tinha ninguém, estava atrasada. Abriu lentamente a porta, a professora tinha acabado de chegar, pois ainda arrumava seus objetos sobre a mesa. Se sentindo devorada novamente pelos olhares dos garotos se sentou. Saturn estava sério, pensativo, nem sorriu quando a viu. Ele vestia uma blusa fina, não pôde deixar de procurar com os olhos as asas, não tinha nada, apenas as costas definidas de um jovem saudável. Ele ainda exercia uma atração muito forte sobre ela, mesmo com a claridade do dia ofuscada pelas nuvens podia ver aqueles lindos olhos reluzirem...

Escreveu um pequeno bilhete: “Sei que não foi um sonho, pois está marcado em minha alma, preciso que me diga o que sou, estou assustada, preciso de respostas”; “Não existe um nome para o que somos. A questão é qual o motivo de ser o que é.”; “Como assim o motivo?”; “É um tipo de maldição, algo que recai sobre determinada geração, provavelmente algum de seus ascendentes fizeram uso de magia sem devidos conhecimentos...”.

Pensativa tentou se lembrar, não havia historia alguma que fizesse menção de algo assim, sentia uma dor estranha no peito, não era psicológica, era física, como se seus órgão estivessem sendo esmagados! No intervalo correu para o banheiro, vomitou ate não ter mais nada dentro do estomago, logo só saia água, pensou na morte, que viria em boa hora, pois naquele instante tinha nojo de si, tinha repulsa ao que era e tinha ódio mortal a quem a condenara! Quando ia sair do cubículo individual do banheiro, notou a cor esverdeada de seu braço, estava mortalmente pálida, olhando para seu reflexo no botão da descarga ficou estática, parecia uma morta viva! Começando a tremer de pavor tentou se lembrar de alguma oração, mas quando juntou as mãos no gesto característico sentiu um choque muito forte, será que aquilo significava que ninguém poderia ouvir suas suplicas?!

O banheiro silencioso significava que o intervalo tinha acabado. Apesar de ser normal o atraso, ela sabia, todos a olhariam, reparariam em sua aparência doentia, mas como não tinha opção, pois suas coisas estavam lá dentro e de qualquer forma não poderia ir pra casa sem elas... O professor de filosofia, que especulava sobre a tendência humana de criar símbolos em uma busca constante de saciar seus ideais, a fitou com um desejo mal disfarçado, aquilo era estranho pois esperava aversão àquela aparência.Pegou a mochila e saiu da sala, Saturn logo saiu também e correu para alcançá-la.

-Está fugindo do que?

-De mim, sou um monstro, olhe para mim! Estou pálida, quase vomitei o estômago!

-Isso é normal...

Sendo tomada por pavor, se lembrou, nunca o vira comer coisa alguma! Ele recusava tudo!

-Isso só pode ser um pesadelo!

-Talvez seja ou então uma grande piada, assim como tudo na vida, isto não passa de um fato do qual não podemos escapar.

Chegou em casa, a mãe não estava, foram para o quarto, ela deitou com a cara no travesseiro.

-Onde estão aquelas coisas que tinha nas costas ontem?

-Se atrofiam na luz solar, e à noite só surgem quando preciso delas.

Ficou calada. Inconscientemente apalpou as costas, também não tinha nada. Virou e ficou fitando o teto, ele estava parado como uma estatua, nem piscava, os olhos verdes pareciam bolinhas de gude, as mãos juntas davam um ar solene.

-Me dê um pouco de seu sangue!

-Está louco? Pra que?

Quando assustou ele já estava em cima dela tentando alcançar o pescoço, afastando-o com violência, o fitou, ele parecia atordoado, não por estar caído, mas parecia vulnerável, seus olhos tinham um ar de medo:

-Qual o problema?-perguntou.

-Me beije, fique perto de mim, prometa que não vai me abandonar!

De repente a pavor virou ternura, tendo-o em seus braços aceitou o que o destino oferecia....

(continua)

T Sophie
Enviado por T Sophie em 27/02/2007
Reeditado em 25/04/2007
Código do texto: T395622
Classificação de conteúdo: seguro