O tatuador
 
CAMPEONATO DE SURF
         -Senhoras e senhores estão aqui para entregar o prêmio ao maior surfista de todos os tempos, Francis Lemos – disse o repórter da rede local enquanto observava a tatuagem nas costas de Francis, o repórter conhecia aquela imagem, era Abigor demônio comandante de 60 legiões do inferno, deus da hora e da glória, dizem que no juízo final ele derrubará muitos anjos, antes de cair pela glória do arcanjo Miguel.
         Denis, que estava ali apenas chefiando a segurança, percebeu a mesma coisa que o repórter, quem tatuaria um demônio nas costas, e aquela coisa, além de feia, parecia mudar de posição.    A verdade é que Denis não gostava de sair de suas atribuições policiais para fazer segurança, pois normalmente contratavam um homem da lei para esses eventos, na esperança da lei não entrar, do agente policial manter os colegas fora, existia muita droga e prostituição, apesar de pessoalmente Denis achar que o surfe era um esporte saudável, que a maioria das pessoas que estava ali para curtir o esporte, mas tinha muita malandragem no meio.
         Sua vida atual descia ladeira abaixo, Denis estava atolado em dívidas e com muitos processos na polícia, havia perdido a chance de promoção, para piorar entrou um delegado que gostava das coisas muito direitas, na polícia isso significava burocracia, chatice, atraso. O único fator a favor de Denis é que o delegado confiava mais nele do que nos outros policiais, Denis  tinha um alto índice de resolução de crimes, o que melhorava as estatísticas da delegacia, deixando o delegado feliz.
         A sua mulher com um casal de filhos, havia deixado Denis, partiu para região dos lagos, estavam morando em Saquarema, Roberta estava vivendo com um médico barrigudo e cheio do dinheiro, tinha dias que Denis não via o seu caçula e a filhinha de sete anos, estava angustiado com a situação.
CASA DE FRANCO
         Depois do evento Denis chegou na sua casa, a porta do apartamento da frente estava aberta, seu vizinho Franco, um homossexual de sessenta anos, muito bacana, que havia servido o exército Brasileiro, extremamente culto, que sabia várias línguas e agora trabalhava em um hotel. Os dois eram amigos, Franco, com toda a sua experiência, estudava filosofia, além de um bom amigo, ás vezes franco funcionava como pai, limpava o apartamento, dava conselhos, ficava com os filhos de Denis quando eles vinham passar uma temporada e Denis tinha que trabalhar, era conselheiro e às vezes até cozinhava. Em troca Denis era o super amigo hetero das horas difíceis, várias vezes Franco tinha crises e entrava em depressão, depois da amizade com Denis, ficou estável e tinha um namorado advogado, de vinte e oito anos, os três jogavam pôquer, Denis era o único hetero do jogo de pôquer.
         Bateu na porta de Franco e ele estava chorando.
         -Que foi Franco? – disse Denis.
         -Nada patrão – disse Franco soluçando. – Não quero que o senhor se preocupe.
         -Não me chame de patrão, fala cara, somos amigos, você sabe o quanto me ajuda.
         Ele relutou um pouco e disse.
         -É o meu gerente – disse chorando – lá do hotel, ele é homofóbico, o sacana vive me chamando de bica, veado, esses nomes desagradáveis, ele é cunhado do dono, acho que vou acabar sendo mandado embora patrão, sabe que tenho uma filha adotiva que estuda arquitetura e como é cara a educação superior. Só com a aposentadoria do exército não consigo, tenho que trabalhar.
         -Fica tranquilo – disse colocando a mão no ombro do amigo. – Ninguém vai te mandar embora.
         -Obrigado patrão – Franco enxugou as lágrimas. – Poderia falar para o Celso processar eles, meu namorado é advogado, mas essa coisa toda de justiça é muito cansativo, não preciso de um processo, preciso de estabilidade no emprego, gosto de trabalhar no hotel, você sabe não é patrão?
         -Deixa comigo, só para com essa coisa de me chamar de patrão – Denis, para mudar de assunto perguntou: – Você sabe de algum tatuador que tatua demônio nas costas.
         Franco ficou surpreso.
         -O tatuador, ele é um homem bizarro, tem uma estória sobre ele, bom, deixa pra lá, o patrão não vai ter tempo para escutar.
-Franco, meu amigo, todo tempo do mundo, estou doido para escutar – disse Denis sentando no sofá.
-Dizem por ai, fiquei sabendo disso porque ele já ficou no hotel uma vez, no hotel a gente sabe tudo da vida de todo mundo, como ia dizendo, esse tatuador é muito famoso, na Europa principalmente, a lenda conta que ele só tatua figura de demônios ilustres nas costas das pessoas, que a partir daquele dia as pessoas conseguem fama e sucesso, não sei o que ele pede em troca – Franco levantou. – Vou fazer um café pra gente.
-Isso é bobagem – disse Denis rindo. – Estou perguntando por que não gostei do tal surfista, e muito menos daquela tatuagem, o repórter me falou que é um demônio chamado Abigor...
-Meu Deus, nem fale esse nome – disse Franco deixando a xícara de café cair.
O telefone de Denis tocou.
-O café fica para depois Franco, o dever me chama, o tal surfista que falei, encontraram morto.
MORTE DE UM SURFISTA
-Que quantidade de sangue, parece o cenário do filme, “O massacre da serra elétrica” – disse Denis ao perito da polícia.
-A pele das costas dele foi arrancada com uma faca, ela está bem ali, com uma habilidade incrível – disse à perita que estava em pé. Ela era uma mulher bonita de cabelos castanhos e rosto fino, com lábios sensuais, olhos negros, Denis, que já estava na polícia há dez anos não conhecia a perita.
-Sou Denis, você é novata? – Perguntou Denis olhando nos olhos da perita.
-Do concurso novo, entrei não faz uma semana – disse e depois falou o nome – Maria Amélia, muito  prazer Denis, me disseram que você é o maior conquistador, só não falaram que era tão bonito.
Denis riu – Gostei de você, tem bom gosto.
Marcos, um policial civil que Denis tinha certas restrições, entrou gritando.
-Quem chamou você Denis?
Mas Denis já tinha ido, foi procurar o tatuador.
O TATUADOR
O local do tal tatuador era muito estranho, primeiro a entrada era uma portinha no centro da cidade, em meio a todo tipo de comercio de segunda categoria, sem placa, sem sinalização, nada, Denis quase se matou para achar aquele lugar, porém, por dentro, um espaço gigante, parecia uma boate sem luz, para não dizer que era um completo breu, tinha uma luzinha vermelha de estúdio de fotografia, com centenas de pessoas tatuadas, aglomeradas em grupos.
Um cara grandão com a orelha furada igual índio, Denis não saberia descrever o que o cara tinha na orelha, sete pedaços de ferro atravessados, na face e tronco havia mais tatuagens que Denis poderia contar, pelo menos duas eram caveiras, ou demônios. O gorila, bonito daquele jeito, barrou Denis na entrada, parecia que estava armado, Denis não queria polemica, disse que queria ver o tatuador, ele disse que todos ali eram tatuadores, Denis falou, então chama a sua mãe, ele tentou atacar Denis dando um soco, com habilidade extrema, Denis segurou o braço e o derrubou, depois sacou a arma, engatilhou, apontou para a cabeça do gigante e falou:
- É a polícia mano, se encostar a mão em mim, você já era.
-Não há necessidade disso – o tatuador falou com Denis, ao entrar subitamente na sala. Era alto, ele parecia ter uns dois metros, seu rosto era atravessado por agulhas, Denis contou nove delas, sua cabeça tinha ganchos pendurados, sua face deformada por esferas, tinha centenas de tatuagens. O detalhe mais mórbido eram dois chifres, seu cabelo era raspado até o alto da cabeça, do meio da cabeça em diante cresciam longos, batia na cintura, uma figura do inferno, pensou Denis.
-Dê um jeito no seu cão  –Denis disse apontando para o gorila tatuado e guardando a arma.
O Tatuador dispensou com um gesto o homem, que saiu relutante.
-Em que posso ajudá-lo? – disse sentando em uma cadeira, convidando Denis a sentar em outra.
-O surfista que ganhou o campeonato, ninguém tinha ouvido falar antes, um total desconhecido que ficou famoso da noite para o dia, mataram o cara e arrancaram a pele dele levaram como suvenir a sua tatuagem.
-O que eu tenho haver com isso, só por que ele tinha um de meus trabalhos? Detetive, não se iluda, existe tantos por ai – disse o tatuador. – O senhor não gosta de tatuagem, vejo que não tem nenhuma.
-Não obrigado, minha mãe não deixa.
-É uma pena, o senhor tem um físico extraordinário, ficaria muito melhor tatuado.
-Já disse, minha mãe proibiu, ela é muito católica, o senhor não acha essa coisa de tatuar demônios nas pessoas muito estranha? Se a pessoa parece morta depois fica mais estranho ainda?
-Um terço da população do mundo é tatuada, com relação a ser um demônio, não passa de uma figura. O senhor é um crente? – disse o tatuador.
-Não – Denis não tinha certeza se era crente ou não.
-O que significa os demônios para um cético? Nada – disse levantando, depois que tocou o telefone.
– É o seu delegado, meu advogado ligou para ele, parece que o senhor estava aqui sem autorização. Quer atender?
-Atende você. Eu estou de saída.
NO HOTEL
-Cadê o gerente?
-Quem quer saber – perguntou a recepcionista loura falsa, que mastigava chicletes sem parar, olhava para Denis como se fosse comê-lo.
-Um amigo da família – disse Denis mostrando o distintivo e a arma.
Apareceu um senhor gordinho de bigode, o desgraçado devia estar olhando pela câmera.
-Pois não.
-Podemos conversar em particular – disse Denis.
-Claro, vamos ao meu escritório – disse o homem, nitidamente apreensivo.
-Tem um amigo meu que trabalha aqui –disse Denis colocando a arma sobre a mesa – que está sofrendo ataques de homofobia, você não deve saber quem é você não faz isso, faz?
-Isso é um absurdo – disse o homem.
Denis empurrou o rosto do gerente na parede, depois puxou de volta e segurou ele pela gravata, o nariz do gerente começou a sangrar.
-Escuta aqui, absurdo é o tanto de prostituta que entra e sai com drogas desse hotel, se meu amigo se queixar novamente de você, venho aqui e fecho essa merda por dois dias, seus patrões não querem a polícia na cola deles, você seu merda homofóbico, vai tratar o Franco de senhor Franco, como um funcionário exemplar que ele é.
-Sim senhor – disse o gerente que já havia urinado nas calças.
-Assim é melhor. Vai trocar as calças, você se mijou todo.
NA DELEGACIA
-Denis, você está suspenso, melhor que isso, vou te dar férias, você está nervoso e apressado demais – disse o delegado. Que merda é essa de ir à casa do cara, ele tem amigos no alto escalão do governo.
-Vai me suspender por isso? Um político liga para o doutor dá uma ordem e o doutor cumpre? Assim não dá para fazer o trabalho policial– disse Denis.
-Você atacou o “Leão de Chácara” dele Denis, não cumpriu regras, cadê a ordem judicial? Merda Denis, você é um dos melhores que eu tenho aqui, mas você não cumpre regras. – disse o delegado.
-Ele estava armado, me atacou primeiro – disse Denis já saindo. – Está bem, se estou suspenso vou visitar os meus filhos na praia.
-Denis, por que você foi até lá – perguntou o delegado de forma mais amena – me diz o que estava pensando, eu deixo você visitar seus filhos em Saquarema.
-O assassinato do surfista, ele tinha uma dessas tatuagens de demônios nas costas, ela foi arrancada a faca, coisa feia, parece que o cara morreu de tanto sangrar. O Tatuador está envolvido nisso.
-Esqueça a suspensão, mas vá visitar os filhos, depois cole no cara, esses políticos que vão à merda.
VISITANDO OS FILHOS.
Denis parou em frente à casa da mulher em Saquarema, era uma mansão, ela sempre quis ter uma casa assim, cheia de quartos com jardim e piscina, sua ex-mulher era materialista, mas de alguma maneira estranha amava aquela mulher, sofreu muito quando ela abandonou a casa. A1ntes de entrar quis ensaiar um discurso, queria o seu perdão, que ela voltasse para ele, ainda sentia o perfume dela, seu ciúme ainda era cego, tinha medo de discutir com o médico almofadinha e atirar nele, pediu para Franco guardar todas as armas que tinha que não eram da polícia, ele disse que aproveitaria para limpar. Passou pela cabeça de Denis matar o médico, se ele morresse ela voltaria para ele, com certeza, era uma mulher muito dependente, mesmo se voltasse pelos motivos errados, Denis não se importava.
O médico gordo e almofadinha, apareceu na porta, Denis sentiu raiva, fúria, começou a suar frio, não quis entrar, pegou o celular e ligou para a perita novata, disse que precisava de alguém para conversar, ela disse que estava esperando há uma semana o telefonema, Denis disse que estava a caminho da casa dela.
NA CASA DE MARIA AMÉLIA
-Você está acabado – disse ela abrindo a porta.
-Meus filhos...  sabe o cara ridículo estava na porta, não tive coragem de entrar, sempre sonho que vou fazer uma besteira – disse Denis.
-Filhos nada, você é apaixonado por ela.
Denis mudou de assunto.
-O tatuador, sabe de quem estou falando, o que fez a tatuagem do cara que morreu, você não vai acreditar – ele fez uma careta, pois o café estava muito ruim - o cara parece uma figura demoníaca.
-Você não gosta de tatuagem? – disse Maria Amélia. – Veja, essa foi ele quem fez.
         Denis ficou de pé, olhou nos olhos da perita, ela poderia ter dito antes que tinha uma tatuagem igual a do surfista, sentiu uma ponta de desconfiança, ao mesmo tempo teve medo, talvez a vida dela estivesse em perigo.
-Parece que você viu um demônio – disse ela rindo.
-É, acho que tem um na sua costa. – Denis pegou o celular, para tirar uma foto.
Denis ficou olhando a criatura infernal, tirou uma foto e foi para a casa de Franco que sabia dessas coisas esotéricas, pediu para Maria Amélia tomar cuidado.
CASA DE FRANCO
- "Agaures": grã-duque da parte ocidental do Inferno, comandante de 31 legiões de demônios, ensinando línguas, fazendo com que os espíritos terrestres dancem e distraiam seus inimigos, sendo ainda considerado primeiro ministro de Lúcifer. Costuma aparecer como nobre senhor, trazendo um gavião no punho, vestindo túnica, montado a cavalo, levando consigo um crocodilo – disse Franco olhando na internet.
-Por que alguém tatuaria uma merda dessas nas costas, ainda mais uma mulher bonita como Maria Amélia? – disse Denis.
-Posso estar enganado, nem gosto de falar essas coisas, mas acho que estamos falando de um pacto patrão, a pessoa obteve o que quis, por exemplo, um amor, se não fizer o que o demônio quer, ela perde tudo e pode morrer.
-Não acredito nisso.
- Há mais mistérios entre o céu e a terra, do que toda a nossa vã filosofia pode explicar. – Disse franco citando William Shakespeare.
MARIA AMÉLIA NA CASA DE DENIS
-Oi posso entrar – perguntou Maria Amélia, eram duas da manhã.
-Alguém te atacou, aconteceu alguma coisa com você? – perguntou Denis.
-Estou com medo.
-Entra – falou abrindo a porta. Ela sacou a arma e deu o primeiro tiro que atingiu o abdômen, atrás dela um homem tatuado,de quase dois metros.
Denis se arrastou até a porta do quarto onde estava sua arma, Maria Amélia disparou outro tiro acertou as costas de Denis, sabia que ia morrer.
-Agora tem que matá-lo – disse o gigante tatuado – foi isso que você pediu quando saiu da prostituição e pediu para passar no concurso, o mestre deu o que você queria, tem que pagar o seu débito.
-Ele é bonito – disse ela apontando para a cabeça – dá uma dó matar assim.
A porta da sala abriu, uma bala atingiu as costas de Maria Amélia e a outra um dos gigantes tatuados que estava perto da janela, Franco estava na porta, com duas armas, uma em cada mão, na direita o trinta e oito, na esquerda a nove milímetros, hábil atirador do exército, jogando uma das armas para Denis.
-Toma patrão – disse jogando o revolver para Denis.
Denis viu o gigante sumir em uma poeira negra, sobrando apenas Maria Amélia que agonizava, como uma loucura surrealista, a pele de suas costas se destacou e uma forma monstruosa começou a se formar a partir de sua pele, uma figura demoníaca, espalhando sangue para todos os lados, gritava, em pé ameaçava, estava louco, porém, em fração de segundos sumiu, na mesma poeira negra.
-Eu disse para não mexer com essa gente patrão – falou Franco ao mesmo tento que ligava para ambulância.
-Já disse para não me chamar de patrão.
QUATRO MESES DEPOIS
Denis ligou a musica: Have You Ever Seen The Rain, era a sua preferida, o ferimento a bala ainda doía nas suas costas, ele estava agora no galpão do tatuador, estava vazio, ele havia sumido.
“Que letra”, pensou Denis:
Alguém me falou há muito tempo
que há uma calmaria antes da tempestade.
Eu sei; vem vindo há algum tempo.
 
Dizem que quando terminar
Choverá num dia ensolarado.
Eu sei; brilhando como água.
 
Eu quero saber, você alguma vez viu a chuva?
Eu quero saber, você alguma vez viu a chuva?
Caindo em um dia ensolarado?
 
Ontem, e dias antes
O Sol é frio e a chuva é forte
Eu sei, foi assim por toda minha vida
 
Até a eternidade
Através do círcula, rápido e devagar
Eu sei, isso não pode acabar, imagino
 
Eu quero saber, você alguma vez viu a chuva?
Eu quero saber, você alguma vez viu a chuva
Caindo em um dia glorioso?
 
Yeah!
 
Eu quero saber, você alguma vez viu a chuva?
Eu quero saber, você alguma vez viu a chuva
Caindo em um dia glorioso?
-Não perde por esperar, ainda vou pegar você. – Disse Denis, mesmo sabendo que só ele escutava.
 

 
 CONTINUA, EM O TATUADOR 2: A CARNIFICINA
 

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 03/11/2012
Reeditado em 31/03/2013
Código do texto: T3966905
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