Guerra e paz

Hoje, estamos em guerra.

No início esse conflito era silencioso, mortes em becos escuros, ruas desertas, ou estradas noturnas. No princípio, eram poucos, mas os poucos tornaram-se muitos inocentes. Os culpados sobreviveram e fizeram suas vítimas, enterraram muitos, deixando feridas abertas em famílias e um abismo de memórias.

Vi meu pai ir primeiro, ao som do calibre explosivo contra a sua testa. Minha mãe a afogar-se no rio vermelho que desaguava pelo risco fino em sua garganta. E vi os pequenos, desnudados de sua inocência, jovens demais para morrer. Vi barbaridades, que fizeram meus olhos arder em lágrimas e a desacreditar que tudo aquilo era verdade. Mas era apenas o princípio do fim. Em um combate entre dois numerosos exércitos, nos tornamos vítimas, em meio ao campo de armas e sangue. Protegemos os poucos, mas frágeis logo se foram. Os maus, destruíram tudo, com bombas de fogo em explosões ensurdecedoras.

Descobri o silêncio na hora quem que tudo morre, e imaginava no retumbar do meio peito assustado, onde Deus havia depositado o meu destino. Amadureci ao amargar da dor, com medo, um veneno que azeda a boca e endurece os homens. Hoje somos poucos e velhos, pois os jovens jazem em covas rasas. Nossa existência, tornou-se uma aventura, pois olhar entre as arestas das janelas isoladas do sol, nos torna quase inconseqüentes.

Não notamos os sinais. Os outros, homens de pouca fé, palavras belas e dedos gordos com anéis de ouro, ocultavam a verdade de um jeito demente. Mas o verme destrutivo, tomou uma forma monstruosa, até não podermos mais esconde-lo em baixo do tapete. Agora resistimos teimosamente às balas e a morte. Rezo agora a um Deus silencioso, que de braços abertos me espera, enquanto seguro nas mãos minha protetora com pouca munição e uma garrafa pela metade de Jack Daniels, únicas companhias que me restam. A noite as vozes solidárias que venho sempre a escutar, são os sussurros solitários do vento.

Tenho saudades. Dos dias de calor intenso, donde uma linha cinzenta riscava o horizonte. Saudades dos coletivos lotados, abarrotados de pessoas tristes e cansadas. Dos noticiários sangrentos da TV, no fim de tarde. Da política historicamente corrupta e incorrigível, dos enganos, dos protestos, dos relatos, dos tumultos. Tenho saudade da mentira que nos guiava. Tudo era tão ruim, mas tão bom comparado ao que vivo hoje.

Na hora em que tudo morre, o sol se deita avermelhado, embalado pelos gritos distantes. Quando meus olhos enevoados pela embriaguez, choram de saudade, lembro-me daquele passado obscuro, vivendo em um futuro incerto.

Esta era a São Paulo, terra das saudades e da garoa. Segundo Mario de Andrade – Minha Londres das Neblinas finas...

Que saudade...

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 11/11/2012
Código do texto: T3979526
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