FRIO MORTAL
 
                              
                               Segundo HOMERO: TRAGÉDIA É A COLISÃO DO CERTO COM O CERTO, NOS DIAS DE HOJE, PODERIAMOS ACRESCENTAR, ERRADO COM O ERRADO.




            O mundo é cheio de exageros, um desse foi protagonizado pelo Industrial Renato Ramos para comemorar o aniversário da filha, o magnata construiu uma pista de patinação particular, no meio de uma propriedade rural, do lado da casa da fazenda, uma estrutura gigante, com um sistema de segurança perfeito.
            Sua relação com a filha, uma estrela da patinação que estava doente, tinha anorexia, não era boa, o empresário que enriqueceu saindo da pobreza extrema, não tinha tempo para filha, a pobre menina havia ficado sem a mãe que morreu de complicações do seu parto.
            O brinquedo construído para filha poderia, em plena região sudeste brasileira, chegar a temperaturas de menos vinte graus, com simulador de neve importado da china, um luxo que, com a proximidade do natal, todos queriam ver de perto.
            O pai marcou uma apresentação especial da filha e chamou a imprensa, mas na última hora, estranhamente a menina, que era considerada temperamental e depressiva, dispensou todos os convidados e pediu ao pai que chamassem apenas uns poucos amigos.
            O pai envolvido com os seus problemas particulares, distante, que vivia comprando presentes, mas não dava atenção necessária a filha, não percebeu a mudança súbita de humor, nem questionou a excentricidade daquilo, queria que tudo terminasse rápido para voltar para o seu escritório, deu carta branca para Aline.
             Alguma coisa do passado vinha preocupando o industrial, algo que ele queria esquecer para sempre.
No exato momento que o passado parecia estar de volta.
             Os convidados de Aline foram apenas dois casais já idosos, conhecidos do triste período da vida em que Renato e Aline ainda foram muito pobres.
             Os empregados foram dispensados, a casa foi trancada, na pista de patinação, apenas o repórter, o cinegrafista, o pai de Aline, os casais e a própria Aline.
            Alguém havia montado um palco para uma tragédia, ocupado, Renato não percebia. Os demais achavam que era apenas mais uma mania de uma menina mimada.
            Essa é uma história onde a tragédia em seu final, terminou abaixo de vinte graus, com todos mortos.




            -Estamos aqui, direto do maior centro de patinação particular do Brasil, do meu lado Renato Ramos, industrial e dono dessa maravilha, construída especialmente para sua filha, não é Dr. Renato? – disse o repórter e colocou o microfone a frente de Renato para que falasse.
            -É basicamente um ato de amor, um presente para minha filha que é a verdadeira celebridade, eu sou apenas um coadjuvante – disse o empresário de cabelos grisalhos e ótima aparência, completou – quero lembrar que ela é uma medalhista olímpica e uma celebridade deste estado, este é o meu presente de casamento.
            -Dizem que o senhor já foi muito pobre – disse o repórter abordando um assunto que era tabu para o empresário.
            -Hoje não vamos falar de mim – disse o empresário – essa estrutura foi construída no meio da minha propriedade rural, está totalmente climatizada e tem um serviço de segurança impecável, se alguém entrar aqui, ela se fecha por completo e, a estrutura, só pode ser aberta por fora, então um sinal é enviado para uma central de segurança na capital em duas horas o segurança chega.
            -Por que uma apresentação fechada para seis pessoas apenas – disse o repórter.
            -Minha filha escolheu assim, mudou tudo ontem dispensou os convidados e a festa – disse o empresário – ela queria uma coisa bem pessoal, como a mãe está morta, ela chamou alguns amigos próximos, dois casais - ele fez uma pausa, estava emocionado - de alguma forma ela vai homenagear a sua infância pobre.
            -Neve, é verdade que essa estrutura pode produzir neve? – perguntou o repórter.
            -O controle de temperatura é totalmente independente, a temperatura pode chegar a menos vinte graus, tem até um gerador próprio – disse o industrial, orgulhoso.
            -Muita gente da alta sociedade ficou aborrecida, poderiam se sentir  ofendidos, o senhor acha que algumas relações ficarão abaladas, com o prefeito por exemplo? – disse o repórter.
             Renato fez um gesto com a mão para que parasse de gravar, o repórter era um contratado dele para registrar o momento, a provocação com o prefeito era combinada, Renato tinha ambições políticas.
            O repórter desligou o microfone e falou com o câmera que estava bom, fez uma saudação positiva para o empresário. Foi tomar o seu lugar, a apresentação estava prestes a começar.
            Lucas e Mariana estavam sentados à direita de Renato, Gilmar e Cida à esquerda, ambos já tinham mais de sessenta anos, foram convidados para apresentação sem nem saber por que, já que há muito tempo não falavam com Renato, que ajudou os casais a construir uma vida depois que ganhou dinheiro.
           Estavam felizes pelo convite, principalmente partindo de Aline, pareciam muito descontraídos, conheciam Aline na sua infância difícil.
Lucas era artesão e tinha uma loja de joias no centro, casou com Mariana, que cuidava dos dois filhos, sempre foi uma dona de casa, ganharam a loja de presente de Renato.
          Gilmar e Cida, donos do posto de gasolina local, Gilmar era o mais velho e muito chegado de Renato, Cida teve um câncer, Renato conviveu com o drama da amiga e pagou as contas dos hospitais.
           Havia um segredo entre eles, um segredo brutal.
Aline estava no banheiro vomitando pela quarta vez, olhava no espelho, ainda estava gorda, tinha quarenta e cinco quilos, o inibidor do apetite não estava funcionando, olhou a face, pele clara e olhos grandes, depois, olhou para os quadris.
           Falou para o espelho.
           -Sua gorda! – começou a chorar, teria que refazer a maquiagem.
            Apareceu linda como uma princesa, o pai tinha um sorriso no rosto, guardou o celular, com o controle remoto ligou a música, olhou novamente para o celular, sem sinal, a mensagem que tinha enviado minutos atrás falhou.
           Quando Aline começou a dançar a música parou, houve uma queda de força depois um breu total.
Um tiro atingiu e atravessou a cabeça do cinegrafista, quebrou a luz da câmera com impacto.
            -Que merda é essa, não consigo ver nada, essa porra foi um tiro? – disse o repórter – senhor Renato, onde você está?
           -Caiu a força, vou até a central de força, tem um gerador, não sei porquê, mas o controle remoto não funciona e o gerador não ligou  – disse Renato.
           -Não estou enxergando nada, aquilo foi um tiro? Que frio é esse? – disse Mariana.
           -Fiquem onde estão. A ausência de luz é total – disse Lucas –o melhor é ficar onde estamos, até que a nossa visão noturna consiga definir os vultos.
           -De onde veio o tiro? – disse Cida.
           -Alguém atirou na luz da câmera do cinegrafista, isso é algum tipo de brincadeira? – gritava Gilmar.
           -Merda, merda, merda – gritou o repórter – acertaram nele também, o cara esta morto, cheio de sangue, eu estou cheio de sangue. Marcos está morto, que diabo está acontecendo aqui, chame a polícia, cadê a merda do meu celular? – tentou pegar o celular para iluminar o local, um tiro acertou na sua mão, deu um grito.
           -Outro tiro – disse Aline – ninguém ligue o celular, tem alguém armado aqui, ele quer ficar anônimo, não acendam a luz do celular.
           -O frio, meu Deus está tão frio – disse Cida – minha pele começa a doer, tenho urticária ao frio, lembra que o alergista fez o teste em mim? – disse segurando a mão de Gilmar na escuridão total.
          -Consigo ver um pouco, venham para o centro da pista, ficaremos todos juntos, alguém alterou a temperatura – disse Lucas – precisamos estar juntos para nos aquecer.
          -Quebraram os controles – falou Renato – vou do outro lado, tentar o interfone, um dos empregados da fazenda pode ouvir.
          -Quando que a polícia vem? – perguntou Lucas – tem alguém armado aqui, e o frio está insuportável.
          -Meu corpo está congelando – disse Aline.
Renato foi andando como um mínimo de visão noturna para o local onde imaginava estar o controle do interfone, mas encontrou foi  uma faca, que acertou primeiro o seu peito na altura do segundo espaço intercostal, depois correu para cima, abrindo o tórax com habilidade de cirurgião.
         -Está quieto – disse Cida – onde está Dr. Renato?
Um objeto veio rolando, parecia uma bola de futebol, não dava para ver no escuro, Gilmar abaixou e pegou.
         -Ah Meu Deus!
         -O que é? – perguntou Cida.
         -A cabeça do Dr. Renato – disse Gilmar, em seguida soltou a cabeça e começou a vomitar.
        -Tem alguém deitado do meu lado – disse Lucas – está nu, Jesus Maria, José, é Aline.
        -O que tem com ela? – perguntou Cida.
        -Ela está morta – disse Lucas.
Mariana caiu do lado de Lucas, e depois passou a se bater, ela teve uma crise epilética, Cida tentou ajudar, mas as suas mãos estavam duras pelo frio, não conseguiu evitar que Mariana partisse a sua língua e o sangue escorresse.
        -Quero sair daqui agora – disse o repórter – vou até a polícia imediatamente.
Uma bala atingiu o repórter acima do olho esquerdo, no osso frontal partindo o crânio como um ovo, ele caiu sem vida.
       -Parece que ele quer que fiquemos parados aqui, no meio, vamos morrer todos de frio, essa pessoa está usando algum equipamento militar com visão noturna, sabe todos os nossos passos – disse Lucas.
       Gilmar achou que o tiro veio da esquerda, saiu correndo em outra direção, quem sabe não teria sorte, nenhum tiro foi disparado em Gilmar, ele chegou até a porta central, estava aliviado, começou a bater na porta de aço, quando sentiu uma faca atingir as suas costas e depois o pescoço.
        Mariana estava caída, Cida sentada chorando e Lucas de pé, mas seu joelho doía, a temperatura estava vinte graus negativos, estavam congelando, ele caiu, a dor nos ossos era extrema.
        Cida ficou deitada ao lado de Mariana, Lucas a abraçou, quando a polícia chegou, os três estavam mortos congelados, cada um com um tiro de misericórdia na região temporal direita.
 
        -Todos mortos? – perguntou o delegado.
        -Sim, ninguém saiu vivo, parece que tinha outra pessoa armada no local, mas ninguém viu nada.
        -Como o criminoso saiu, estava tudo fechado? – perguntou o delegado.
        -Usando o código de segurança, quem entrou e saiu sabia o código – disse o policial civil – a empresa de segurança garantiu que só o pai e a menina sabiam.
        -O noivo? – perguntou o delegado.
        -Jogador de futebol, jogando na Itália segunda divisão, estava separado dela – já o investiguei.
       -Franco, quero esse Renato Ramos investigado, tudo, se ele fumou maconha na escola, quero saber tudo da vida desse milionário excêntrico de merda, ai tem coisa – disse o delegado e depois o policial Franco saiu.
        Dois meses depois, a história se arrastava, estava em todos os jornais, delegado Leonardo Mendes, considerado muito bom pelos superiores, estava a frente do caso, mas não tinha respostas.
         -Ai Franco, revirou a vida do homem.
         -Era um pobre que catava papel nas ruas, de repente teve uma subida meteórica, provavelmente botou a mão em algum dinheiro, não parece ser droga, se for ilegal está muito bem escondido, a filha nasceu em casa, parteira, no interior, foi registrada só um ano depois, tudo limpo, não devia nem crediário, a mulher morreu de complicações desse parto.
          -Limpo demais – disse o delegado – você sabe que no caminho dessa grana está à solução, se é que foi mesmo uma grana que melhorou a vida dele, mas você tem razão, sempre é, grana é que faz milagre na vida moderna, dizem que cem mil reais na conta bancaria cura até câncer.
           -A uma coisa só – disse Franco – um pouco antes da tragédia ele quis enviar uma mensagem de texto no celular, mas falhou.
           -O que diz? – perguntou o delegado.
           -Não muito, algo com:" já encontrou?” - mas o que me chamou a atenção é que quando procuramos, o dono do celular tinha viajado para argentina, o cara era de fortaleza.
          -Quando é que ele volta? – disse o delegado.
          -Não volta, foi morto por alguém no caminho.
         -Estamos na estaca zero – disse o delegado.
         -Um civil do Ceará me ligou, acharam uma chave dentro do apartamento dele, estava em um compartimento secreto, é do guarda volumes da rodoviária, tinha uma carta lá.
         -Onde está a carta? – perguntou o delegado.
         -Estou esperando o fax dela em seis minutos – disse Franco.
         A carta chegou.
         O delegado ansioso pegou o fax da mão de Franco.
        -Excelente trabalho policial – disse parabenizando o policial civil.
       “Querida filha, quero dizer que estou arrependido, tudo que fiz foi em um momento difícil, quando as gêmeas nasceram eu não tinha nada, foi ai que vendi você para um chinês, o dinheiro salvou a nossa família, com a minha habilidade para os negócios fiquei rico.
Sei que está magoada, mas posso lhe dar muito dinheiro, uma compensação, mas não pode voltar para a família, desculpe.
        Não pode, tenho uma reputação, esse história não pode vir a público, não posso deixar que isso aconteça, tem um dinheiro reservado para você, não espero que me perdoe, adeus, não chegue perto de mim, pode ser perigoso para você”.
       -O cara vendeu a filha, ela era gêmea – disse Franco.
       - São gêmeas idênticas, por isso, ela pode entrar e sair sem ser notada, pegou o código na empresa de segurança, imagina o que essa menina não passou, você disse que Aline foi encontrada nua e foi morta por estrangulamento, ligue para o legista, pergunte a hora da morte de Aline, veja se bate com os outros.
         O policial Franco fez o que o delegado pediu, o legista disse que o frio prejudicava, não poderia dizer em juízo, mas sim ela poderia ter morrido uma ou duas horas antes.
        -Podemos pegar ela delegado? – perguntou Franco.
        -Muito difícil, estamos atrás de um fantasma que sobreviveu a máfia chinesa.
 
          Hotel Singapura.
       O ex-oficial das forças especiais inglesas Tyler estava tomando uma cerveja na piscina do hotel, quando Marcela entrou.
       -Quem é vivo aparece – disse Tyler em inglês.
       -Sem trocadilhos – passei o dinheiro para várias contas – ficaremos por um tempo viajando em um veleiro.
       -Isso é bom – disse Tyler – precisava mesmo matar todos eles.
      -Tyler, você me tirou da prostituição, fui vendida, o que você pensa que uma pessoa vendida para ser usada como prostituta, enquanto a outra vivia como uma princesa, ódio Tyler, ódio, pense a morte para eles como uma compensação, o que eu queria para todos era cem anos de tortura.
      -É a vida. Vamos jantar ?-  Perguntou Tyler e continou falando -  mas como você sabia que não veriam a tatuagem da cobra no seu pescoço?
      -O chinês que me pegou, dizia que as pessoas não olham mais para as outras enxergam o seu estereótipo.
     -É sabedoria chinesa.  - falou o grandalhão Tyler e deu  um sorriso para a sua amada.
 
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 25/11/2012
Reeditado em 25/11/2012
Código do texto: T4004450
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.