A Brincadeira da Revista

"O correto é fazer com uma caixinha de música. Mas vou ter que improvisar com o assobio mesmo".

O rapaz cobriu todas as cores violetas que apareciam nas fotos com uma caneta marca-texto amarela. Levou um tempo, mas a curiosidade era tamanha que todo mundo esperou pacientemente.

Quando terminou, pegou a revista, a fechou e chamou a todos. Colou a capa com fita durex na tampa da mesa e pediu silêncio. Em seguida, sugeriu que todos fixassem o olhar, sem piscar, em um ponto que ele mesmo fez com a mesma caneta marca-texto na contracapa da revista. Em seguida a folheou bem rápido, a partir da última página para a primeira.

Com uma habilidade incomum, o rapaz conseguia passar todas as folhas com a mesma velocidade. Assobiava uma espécie de canção europeia antiga de ninar, bem lenta e sinistra. As pessoas que faziam o truque corretamente, sem piscar, conseguiam ver uma ilusão de ótica em todas as manchas amarelas que borravam do lado oposto a que haviam coberto a cor violeta, sugerindo figuras. Eles viam um menino brincando com um cata-vento calmamente sentado. Era incrível o realismo. Mas a revista era muito curta e a animação não ia até o fim.

Todo mundo caiu para trás extasiado! E, embora parecesse que tentava se gabar, era sincero o argumento de que a animação estava incompleta, pois a revista tinha poucas páginas. Alguém perguntou bestificado de onde ele aprendeu aquilo e o rapaz, incontido pela vaidade, dizia que aquilo era uma ilusão de ótica muito comum e que era inexplicável. Depois que o assédio ficou muito grande, principalmente por parte das meninas, ele contou que achou um livro colorido com esse tipo de marcas no escritório de um antigo patrão, enquanto este não estava. Curioso, ele folheou o livro até certa parte antes que o dono chegasse e notou a ilusão de ótica. Tentou repetir várias outras vezes por conta, com outros livros.

Era estranhamente misterioso e ao mesmo tempo, matemático. Chegou a conclusão, mesmo sem nunca ter estudado de forma séria, que o fenômeno estava associado a qualquer coisa no Universo. Aquele era sempre o resultado previsível. Disse que já fez com jornais, guardanapos e até com alguns tipos de folhas secas. Achou que aquilo era inexorável e postulou: "o resultado da transposição de imagens formadas do verso de um borrão de uma tinta amarela sob uma superfície violeta, aos olhos humanos, resulta sempre na animação do menino brincando com o cata-vento".

Algumas pessoas começaram a achá-lo presunçoso e pediram a ele que repetisse com outra revista, a fim de provar seu charlatanismo. Por coincidência, o mais enciumado havia trazido uma revista amplamente colorida de turismo e que sabia ter poucas cores violetas. Então se sentaram a volta, todas as áreas violetas foram cobertas, a revista foi presa e... eureka! Lá estava o menino sentado brincando com o cata-vento!

Mais uma corrente de assédio bateu no coração do rapaz que tentava controlar sua própria vaidade argumentando que aquela revista também era pequena. Insistia a todos que ainda não haviam visto a melhor parte, que era quando o menino se levantava com seu brinquedo.

A curiosidade fez com que alguém trouxesse uma daquelas revistas de moda enormes, seminovas. O rapaz ficou pelo menos meia hora pintando todas as cores violetas com a marca-texto amarela que, a essa altura, já ameaçava abandonar a brincadeira, devido ao excesso do verniz das páginas que já cobriam sua ponta. Quando finalmente terminou, começou novamente a folhear as páginas de trás-para-frente.

É importante relembrar que o rapaz nunca tinha visto a animação chegar no fim. Quando descobriu a brincadeira, anos atrás quando ainda era garoto de entregas de uma empresa fundo-de-quintal e descobriu o livro pintado, a fez correndo para não ser pego. Nunca havia chegado até o final da paginação daquele livro. E, além do mais, a brincadeira não tinha fim, já que você sempre se podia acrescentar mais páginas chegando até a montar um "longa-metragem", se assim quisesse. Então, não é de se espantar sua reação e a dos demais, quando a animação finalmente ultrapassou a fronteira conhecida, mostrando o menino com o cata-vento se levantando, encarando o espectador, ajustando casualmente a camisa e explodindo numa corrida desenfreada para frente, com o intuito de saltar das páginas, se libertando do mundo abstrato. Interrompendo bruscamente a paginação do rapaz com um baita susto, acrescentado de um "black-out" superestimado devido ao estouro de duas lâmpadas da sala, ficando a da cozinha acesa.

Nessa hora, alguns risinhos acalentaram os corações mais acelerados. O burburinho tomou conta da sala e cada um trocou confidências sobre o que mais deu medo e sobre o que viram. Só aí que o susto se transformou em um medo real para algumas pessoas. Porque alguns relatos deram conta de terem visto um flash de uma caveira preta no momento em que as luzes estouraram. Alguns insistiam que a impressão ainda permanecia marcada nos próprios olhos, como aquelas imagens que ficam marcadas enquanto se fica observando muito tempo um objeto aceso no escuro.

Mas não foi a imagem da caveira preta que perdurava nos olhos das pessoas, nem as luzes que estouraram e muito menos a reação inesperada do menino do cata-vento que fez acabar de vez com a brincadeira. Mas um evento novo: um vulto. Um simples vulto de alguma coisa preta em movimentos escabrosos, passando por uma fração de segundos na cozinha ao fundo, mas suficiente para arrepiar todas as espinhas da sala. Um evento curto, mas unânime, que fez com que um deles tirasse as revistas que protagonizaram a brincadeira da mesa e as atirassem pela janela.

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