Agosto de 1869. Cidade de Lowil, Bolue.

- A cidade -

Lowil tinha cerca de 5 mil habitantes. Era muito tranquila. Sustentava-se da pecuária e da plantação, que se estendia além da linha do horizonte. As damas do local eram de muita fofoca. Todos se falavam. Os Senhores faziam a maior parte das coisas às escondidas de suas mulheres. As crianças brincavam no chão de barro alaranjado que lá havia. Na hora da penumbra, apenas os lampiões das ruas eram acesos. As casas mais pareciam abandonadas. As noites eram frias.

Doutor Pierro era um dos mais renomados da cidade. Era casado com Senhora Rosinie e não tinham filhos – o bebê nasceu morto. Moravam no casarão da rua Onko. Além de Pierro, tinham Lizuk e Jablie, que também eram renomados. Apesar de tanto dinheiro e fama, todos três tinham a humildade no sangue.

Coronel Lizuk tinha uma vida muito farta. Era rodeado de mordomia e sua esposa sempre ao seu dispor. Era um homem rígido com os cinco filhos, cobrava muito respeito. Como era de se esperar, o grande Coronel tinha um filho bastardo...

Senhor Jablie levava uma vida de rotina. Todos os dias era a mesma coisa. Ou melhor, quase a mesma coisa! A mulher dele era a mais linda da cidade. Seus olhos verdes combinavam com seu cabelo castanho claro. Todas as suas roupas eram rendadas e caiam como seda em sua silhueta esbelta. Era uma mulher desejável. Muito diferente dos casais da época, Jablie e Hermélia tinham uma relação apaixonada e igualitária... Não tinham filhos. Pretendiam curtir mais um ao outro nas noites frias, e preferiram deixar filhos para o futuro.

- O bar -

Na birosca do centro da cidade, perto da Igreja, encontraram-se os três amigos. Uma prosa regada de Fernet – uma espécie de conhaque – e tragadas...

- To pensando em ir na casa de Betina depois daqui... Já falei pra muié que ia demorar mesmo! – Disse Lizuk com um tom de voz sarcástico.

- Betina? A da vida? Vai andar uma légua pra usá-la dez minutos? Por favor... Prefiro usar as minhas criadas! Não preciso sair de casa, só esperar a muié ir rezar. – Retrucou Pierro as gargalhadas e com um certo tom de ironia.

- Os senhores são muito vulgares. Tens mulher e filho, Pierro! E você, Lizuk, trate de dar mais amor a sua família... Daqui a pouco terei mais "sobrinhos" bastardos! Basta. – Com muita fúria, foi tudo o que Jablie tinha a dizer para os dois amigos.

- Shiiiiu! Não vai querer que toda a cidade fique sabendo deste fato, não é mesmo, Jablie? Vai acabar com minha família! – Com a cara mais pálida e assustada, proferiu Lizuk. O suar frio era inevitável escorrendo por todos aqueles casacos.

- Deveria experimentar sair da sua rotina, Jablie. Uma fechadura diferente não faz mal a ninguém... – As gargalhadas Pierro disse. Não tinha cara mais lavada que a dele.

A cada palavra, um gole do famoso Fernet. Pierro preferia tragar... A fumaça se fundia com cor de seu paletó. A conta sem dúvidas ia sair cara! Eles não estavam nem aí, afinal, eram os mais ricos da cidade. Depois de tantas indiretas e diretas, tantos goles e tragadas, os homens só podiam reparar naquela beldade que chegava na cidade...

- A Cewlin -

Quase nada entrava ou saia de Lowil. Na madrugada de lua cheia, – a mesma que os poderosos estavam no bar – uma mulher com um vestido vinho longo vinha por uma estrada (a única) que dava no lugarejo. Tinha pele alva, usava um chapéu que recobria seu rosto. O estranho era ela estar sozinha e montada à cavalo. A visão da mulher era única: muita névoa e um borrão bem mais a frente.

O som do andar do cavalo ecoava por todo o lugarejo. Na rua só tinham homens. Poucos. Os olhares eram voltados para a estranha, e somente para ela. Apenas um olho estava à vista. Mais parecia uma jabuticaba se fundindo com a escuridão.

Chegou ao tal borrão. Era a Igreja do lugarejo. Sem pressa nenhuma e com muita elegância, pôs-se fora do cavalo. O olhar da donzela da cidade acompanhava a altura das casas, sem mais nem menos. Seu único movimento foi o de olhar para trás...

Murmúrio no bar...

- É Jablie... Acho que alguém na cidade chegou para tomar o lugar de beleza de sua muié! – Sempre com uma piada na ponta da língua, essa foi mais uma de Pierro.

- Muito engraçado, Pierro! Mas até que essa mulher chamou atenção dos meus olhos. – Respondeu Jablie com um tom de voz bobo.

- Essa mulher é fantás...

Antes mesmo que Lizuk pudesse completar a frase, sentiu uma mão sutil em seu ombro. Olhou vagarosamente para trás. Sim, era ela, Cewlin.

- O passeio -

Sem mesmo antes pensar uma vez, os três renomados se levantaram daquela mesa de bar. Do bolso tiraram aproximadamente 40000 flg (a moeda da época) – correspondente a aproximadamente 60 dólares – e deixaram em cima da mesa. Eles pareciam adolescentes apaixonados. Aquela mulher tinha algo muito sedutor.

- Boa noite rapazes. Como passam? – Com um tom de voz muito sedutor e atraente, foram as palavras que Cewlin proferiu.

- B-b-b-oa noi-te-te, Senhora. – Mais parecia um coral de gagos a resposta dos três homens a mulher. Não se importaram nem do atributo à rapazes.

- Qual é a graça de vocês? Desculpe-me a indelicadeza. – Com o mesmo tom, sempre, sem tirar nem por, foi a indagação da donzela.

Os três, ainda com gagueira, responderam à tão linda mulher. Primeiro Lizuk, em seguida Pierro e Jablie.

Não tiveram nem cinco minutos de palavras e o grande Pierro já ofereceu-lhes uma volta pela pequena cidade, em meio a madrugada. Como já era de se esperar, Jablie foi o único que discordou. Preferia voltar para casa e ter uma boa noite ao lado de sua mulher. Só virando o olho para o rapaz, a mulher insistiu que ele ficasse, ousou em pedir-lhe o braço. Como um bom marido, o jovem rejeitou. Beijou-a em sua mão e foi para casa. "Minha mulher com certeza pode me dar muito mais calor humano que ela" pensou Jablie.

A sedutora postou o olhar à frente e pôs-se a andar. Pierro e Lizuk logo em seguida puseram-se ao lado da formosa dama.

Antes mesmo que Pierro soltasse uma piadinha barata, Cewlin proferiu a palavra com certo tom malícia transpassando pela sua voz.

- Adorei esse rapaz. Determinado! Muito encantador...

Os dois homens lotaram a mulher de perguntas, uma seguida da outra. A dama não prosou nem uma vez. Os passos vagarosos, um silêncio absoluto. Lizuk resolveu se pronunciar...

- Cewlin, não tivemos muita prosa, mas a companhia foi boa. Pierro, amigo, a prosa no bar foi boa, vamos marcar um dia com nossas criadas... Vou para casa, a muié pode desconfiar! Boa noite.

Pierro sempre foi o mais extrovertido e abusado. Já era de se esperar que ele não ia embora. Sua inconveniência era tamanha a ponto da formosa pedir-lhe licença para ir pro hotel. O pensamento de Pierro era único "que mulher encantadora, ainda vou levá-la para meus cantos". Sem ter muito o que retrucar, o grande foi embora rezando para que Rosinie não estivesse a sua espera. E a mulher, como havia dito, seguiu para o hotel...

- O planejamento -

Quando o sol surgiu, o galo cantou. Era a exata hora que Cewlin estava a acordar. A noite foi de muita expectativa e pensamento. "Será que deveria cometer essa atrocidade?" era seu único pensamento. Quem vê de longe pensa até que ela era uma boa mulher. O que a levava a pensar assim, era exatamente pelo fato de ser da raça, mulher.

Já estava quase pronta para sair do hotel. Só faltava colocar os sapatos e o famoso chapéu. E aí então estava pronta. Pagou a estadia e saiu pelas ruas do lugarejo. Seu destino era só um: a casa de Lizuk. Seus passos eram incômodos as fofoqueiras do bairro, afinal, ela era uma mulher de exuberante beleza.

Com os passos de alguém passeando, a Cewlin chegou denfronte a casa do homem. Seu sorriso era medroso. A raiva era intensa. "Essa noite e não passa disso, esse lugar me repugna" apenas nisso que ela pensava.

Não iria demorar ali. A intenção era não ser vista pela família do Coronel. Desprovida de encontrar um dos homens do bar, tentou andar com a cabeça o mais baixa possível. Mas não tinha como. Aquele corpo delgado que lhe servia, era o que os olhos de todos acompanhavam. Mais alguns passos a frente, para a infelicidade da elegante mulher, avistou Pierro. "Esse homem agora não". Sempre com muita inconveniência, Pierro não deixaria de passar a oportunidade de falar com "o assunto do momento"...

- Como está, Senhorita? – indagou Pierro com o sorriso mais pulha de todos.

- Estaria melhor se não tivesse o encontrado. – Respondeu Cewlin sem nenhuma expressão e sentimento.

Pierro com a cara mais frustada de todas – nunca havia levado um fora tão grande em sua vida – saiu andando todo desajeitado em direção a casa do grande amigo Lizuk. A dama continuou a andar, como se fosse uma indiferença.

Chegando na casa de Lizuk, a primeira coisa que o grande pronunciou foi o esbarrão com a dama na rua...

- Quando estava a vir para aqui, encontrei Cewlin. Nunca passei tanta vergonha em toda minha vida. A puta disse que estaria melhor se não tivesse me encontrado.

- Que mulher mais destemida... e abusada! Ah, se é minha filha dava-lhe uma bofetada. – Proferiu Lizuk assustado e nervoso.

- Saí andando como se nada tivesse acontecido. Não sabia onde colocar minha cara. Não deu nem para fazer minhas piadinhas! – Ironizando um pouco, retrucou Pierro.

Enquanto os amigos conversavam, Cewlin estava se preparando psicologicamente para cometer o crime. As horas passavam rápido demais para alguém que ainda não tinha em mente exatamente o que fazer. Já estava chegando a penumbra. Era hora de começar a agir.

A formosa não tinha muito tempo mais. Era fazer ou não fazer...

- A noite do assassinato e do prazer -

Os amigos hoje não se encontraram. Parecia até uma espécia de ritual, pois naquela noite, na certa suas mulheres seriam "usadas". Para satisfazer Pierro, para respeitar a vontade de Lizuk e por amor, puro amor a Jablie.

Todos já tinham ido dormir. Era mais uma vez somente os passos de Cewlin na rua. Somente os homens no bar. A cena se repetia. Só tinha uma coisa de diferente... A mulher carregava uma faca na mão, e seus pensamentos não eram mais os mesmo. Eram carregados e obscuros. Ela não tinha mais dúvida do que iria fazer. Tomou o rumo para a casa de Jablie. Nunca estava com pressa.

Chegando lá, apenas bateu à porta. Foi ele mesmo quem abriu. Sua mulher já havia adormecido. Antes mesmo que o rapaz perguntasse o que ela fazia lá, ela já foi entrando...

- Olá, querido! Desde ontem só penso em você. Antes de mais nada tive que passar aqui para relaxar um pouco. – Com a maior tranquilidade, Cewlin referiu a palavra a Jablie.

-Ma-ma-mas você aqu-i-i? O que faz aqui? – Assutado sem saber o que fazer com aquela deusa na sua frente, indagou Jablie.

-Vim aqui para apenas uma coisa. E nem adianta rejeitar, eu vou te forçar a fazer o que eu quero. – Na voz mais doce e calma, Cewlin respondeu ao rapaz.

Nos instantes que eles estavam ali, a única ação que a moça teve, foi tirar toda a roupa, com um corte de ponta a ponta de seu vestido. O corpo da mulher era esculpido em mármore. Perfeição! Jablie não conseguiu se segurar. Seu instinto de homem falou mais alto. Não teve muito tempo para pensar também. Chewlin simplesmente foi para cima dele... A sedução do momento foi grande. Jablie ficou maluco, suava frio enquanto beijava a donzela. As mãos deles tocavam todo o corpo. Era tudo que ela queria! Aquela noite foi a mais prazerosa. Eram dois corpos pecadores que estavam no céu. A mulher do rapaz não poderia acordar, seu único movimento brusco foi tapar a boca da moça... Aquele momento ela não iria esquecer. Afinal, alguma beleza interior de Jablie cativou a ela. Depois de todo aquele momento de prazer, aliás, o único que ela teve, a donzela teria mais uma coisa a fazer. Não poderia esquecer do Coronel...

Chewlin já não se importava com mais nada, depois de mais alguns amassos com Jablie, saiu extremamente nua pela rua. Nem mesmo levou seu chapéu. Seu destino agora era único e final... a casa de seu pai. Sim, seu pai. Como já disse, ela nunca tinha pressa, às vezes mais parecia que ela queria se exibir. Mas era noite, lua minguante...

Não tinha o que esperar. Entrou pela porta dos fundos da casa do Coronel Lizuk. "Se não pode ter uma filha bastarda, não terá nada" e só isso que ecoava em seu pensamento. Sua ação foi única. A faca na mão... Abriu a porta do último quarto do corredor. Era lá que ele estava. A cena era horrível. O coronel e sua mulher na cama... Eram gritos atrás de gritos: Cewlin com muito desespero só pensava em uma coisa: matar!

A primeira facada no coração da mulher... Ela não poderia deixá-la viva. Para acabar mais rápido com ela, degolou-a e partiu para o coronel. Com ele o sofrimento teria que ser maior. A raiva era muito grande. Cewlin rasgou o corpo do pai de ponta a ponta, sem dó nem piedade. Degolou-o também e pendurou a cabeça na janela. Seu pensamento era único "você vai pro inferno"...

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Esse texto foi em homenagem ao amigo Graco! Espero que gostem (:

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