A cidade dos Vampiros - Capítulo I - Uma noite na prisão

Em uma pequena cidade,
O mal se espalha rapidamente...



Bem - vindos ao inferno de Salem´s Lot – ou apenas Salem, como é mais conhecida. População 1.319, e descendo assustadoramente. Em 06 de fevereiro de 2004, ninguém deu como morta àquela cidade. No geral, os moradores de Salem, sem saberem que já estavam mortos, iam trabalhar normalmente, fazendo o possível para se protegerem da luz solar. Observar aquela cidade depois de todo o caos era como espiar por uma fina camada de gelo na infância. Logo tudo se encontraria escuro, ondulado e enevoado. A cidade tinha lá seus segredos, mas reconhecia as mentiras, até mesmo aquelas que contamos a nós mesmos. Não romantize a cidade só por ela ser pequena...

Salem´s Lot conheceu as trevas.

Eu também passei a conhecer as trevas, só que no meu caso, aconteceu ainda de dia.

***

Antes mesmo de todo o inferno cair naquela cidade, estava detido dentro da delegacia, acusado de embriaguez e desordem – embora eu não tenha me embriagado e muito menos causado qualquer tipo de confusão que merecesse estar ali. O sol, vindo da janelinha na parede de uma das celas, na qual me colocaram, batia nas grades frontais da prisão. Era impossível encostar-se a elas, de tão quentes. Eu fiquei encarcerado ali por três dias seguidos, sendo alimentado com uma caneca de cerâmica azul com água morna pela metade, e pedaços velhos de pães mastigados pelos ratos que infestavam aquela fétida prisão. As paredes a minha volta eram descascadas e havia infiltrações nelas; um cheiro de mofo disseminava-se pelo ar, impregnando aquela cela, tornando o ambiente seco e carregado. O que me deixava mais tranqüilo era o fato de saber que estava sozinho ali... Quer dizer, estava sozinho na cela, mas o desgraçado responsável por me colocar ali também era um prisioneiro, e gritava nos meus ouvidos sem parar, em um cubículo separado. Estávamos afastados apenas por um duto de ventilação que saía do teto. Ele estava logo acima de mim.

— Preciso dar um telefonema! — o desgraçado implorava a todo instante, sua voz descendo pelo duto e chegando aos meus ouvidos. — Me tirem dessa jaula! — Dava até para ouvir o ritmo de sua respiração forçada. Era impressionante como eu podia visualizá-lo: na última vez que o vi, o desgraçado usava um casaco de lã cinza com capuz. Agora deveria estar com os braços cruzados ao peito, sorrindo. O nome dele era Carlos Augusto.

— Cale essa boca! — berrei de volta.

— Ei cara, essas grades não vão me deter por muito tempo, eu vou sugar todo o seu sangue hoje à noite!

— Que medo! — ironizei. — Traga luvas de látex então! — foi a única coisa que pensei em dizer. Porém, ainda não sabia das terríveis conseqüências. O modo como Carlos falou: “Ei cara, essas grades não vão me deter por muito tempo, eu vou sugar todo o seu sangue hoje à noite!” não me cheirou bem. E eu logo descobriria o que ele queria dizer com aquilo...

Eu estava beirando nos nervos, andava de um lado para o outro naquele beco imundo onde só havia um catre de madeira apodrecendo e, ao lado, uma privada cuja descarga não funcionava mais, o piso de cimento batido estava úmido e fedia a urina podre, aquele cheiro condenava minhas narinas, era difícil respirar ali com aquele coquetel de odores que faziam daquela cela u maldito esgoto. Só depois de um longo período que fui me sentar, colocando as mãos na cabeça, pensativo.

— Susana é uma punk fodida, sabia? — era desse jeito que Carlos tentava me desestruturar, mas, se ele usava isso para brigar, imagine o que usava na cama?
Estávamos ali por causa de Susana Norton, ex-mulher de Carlos Augusto.

Eu e Susana Norton nos apaixonamos logo após a sua separação, quando ainda estavam juntos Carlos a espancava por motivos banais. O covarde foi culpado até mesmo por fazê-la perder o bebê de sete meses que ela carregara no ventre. Contudo, o canalha só foi preso por uma simples e rápida briga – uma briga comigo no meio da rua. Porém foi ele que me agrediu primeiro, com toda a ira de um corno maldito. Lembro-me que saí de casa para comprar algumas garrafas de cerveja e cigarros de maconha quando senti um pedaço de madeira caindo na minha nuca. Quando me virei, vi Carlos com o corpo quase todo protegido, dos pés a cabeça, como se não quisesse ficar exposto ao sol. Tinha um pano que tapava seu rosto quase inteiramente, exceto os olhos. A sorte era que uma viatura passava bem àquela hora, acabando com a baderna. Então nos levaram para a delegacia. Lembro-me ainda de Carlos amaldiçoar os policiais, dizendo que todos iriam se arrepender daquilo. Os policiais riram dele e os ouvi sussurrarem em seu ouvido. “À noite veremos quem vai se arrepender seu imbecil”, nos dois primeiros dias ele apanhou feito um cão, mas ao invés do choro, eu ouvia sempre suas gargalhadas sádicas.

Os policiais pouco se importavam com a loucura dele, e continuavam a surrá-lo, depois saiam andando pelo corredor, os cassetetes ensangüentados pulando de um vão para o outro da grade, suas expressões sérias e carrancudas como se fossem diferentes dos outros idiotas que estavam presos ali, mas não eram nada mais que bandidos fardados. A cada batida nas barras de aço o som austero chegava irritante aos nossos ouvidos.

E lá ficamos por três dias, sendo alimentados por pão e água. E o inferno começou no início da terceira e última noite lá dentro, quando o meu “amiguinho” na cela de cima se encontrava mais obcecado do que nunca, brandindo imprecauções sem parar.

Ele queria dar o seu telefonema, provavelmente para ligar para a porra do Conde Drácula. Raios! No começo pensei que o colocaram no lugar errado, que a sua estadia mais correta seria em um hospital para doentes mentais. Além de seus surtos (coisa que eu já vinha me acostumando) eu cheguei a ouvir uma algazarra lá fora na rua principal junto aos gritos de terror dos pedestres... Carlos parecia estar gostando daquilo e urrava no mesmo ritmo. Ele parecia não dormir nunca.

— O nosso mestre finalmente nos deu liberdade para atacar! E eu estou olhando pra você nesse exato momento — disse ele para mim repentinamente. Então, ergui a cabeça e olhei na direção das grades que travava a entrada da tubulação no teto, e percebi um estranho barulho de algo se arrastando lá dentro...

Eu não podia acreditar naquilo. O duto de ventilação possuía apenas trinta centímetros de largura; era impossível uma pessoa se encaixar ali dentro. Era impossível!

— Estou vendo seus joelhos tremendo e você mijando nas calças, Fernando! — mais de perto, a sua voz parecia menos abafada.

— Você não está na tubulação...

— Estou sim. Eu me apertei aqui dentro para te alcançar... — disse ele. — Quebrei a omoplata para isso, mas consegui entrar... Tive rupturas nos braços, contusões no pulmão. Dói demais! Os meus dentes estão crescendo... Estou me transformando... Estou me arrastando até aí... Espere-me...

Eu já podia ouvir os ossos dele se quebrando por dentro e o sangue vazando de seu corpo em pequenas gotas. E podia ver, também, o seu rosto achatado, os olhos saltando para fora. Meu Deus! O som que ele fazia ao se arrastar pelo duto parecia ser o de uma lixa sobre um piso frio. Realmente, meus joelhos tremiam de medo.

— Olhe para mim Fernando! Abra essa tampa da tubulação e me convide para entrar... Vamos terminar a briga que começamos. Vou arrancar seu coração, apertá-lo feito esponja e beber todo o seu sangue!

Dei um pulo para trás de susto.

O que me salvou foi um dos guardas de plantão, um novato que ainda não havia se corrompido pelos outros. Ele me olhou como se visse em mim algo diferente do restante dos presos. Apareceu no corredor completamente impulsivo, dizendo que a cidade inteira havia virado de ponta cabeça. Disse que sabia que eu não era bandido e então jogou uma cópia da chave que abria a cela em minha direção, aconselhando-me a sair dali o mais depressa possível, isso se eu quisesse sobreviver. Ele falava alguma coisa sobre vampirismo e, então, atravessou correndo um dos vértices do largo corredor e desapareceu do meu campo de visão. Mas não foi muito longe. Eu logo pude ouvi-lo berrando de dor em plenos pulmões. Depois, veio o som de seu pescoço sendo atassalhado. É claro que na hora eu achei aquela coisa sobre vampiros um monte de baboseiras, mesmo eu tendo assistido Carlos se espremendo dentro da tubulação que era três vezes mais estreita que o corpo dele... Isso para mim ficou em segundo plano. O que eu fiz, foi abrir a cela e dar o fora dali, antes que a criatura que atassalhara o guarda (eu tinha certeza de que o infeliz estava morto) viesse ao meu encontro. Foi assim que saí da delegacia.

A cidade era ótima, uma boa comunidade. Mas naquela noite, eu presenciei as ruas em uma verdadeira zona. Haviam casas destruídas, automóveis queimados, e, pior de tudo, um monte de pássaros agourentos bicando centenas de cadáveres humanos jogados por todo o meio-fio. Havia até mesmo um carrinho de bebê jogado do avesso no meio da rua, com uma de suas rodinhas ainda em movimento por causa do vento. Quando tudo aquilo teve início? Era uma pergunta que eu não sabia responder. Naquela noite, além da voz da cantora de Lisa Gerrard cantando Salem's Lot Aria de algum lugar isolado da cidade (provavelmente na loja de discos próximo d a coleta de lixos na Avenida Jointner) tudo estava fechado - a biblioteca, o mercado, o cabeleireiro e a vídeo locadora, por exemplo. A noite banhava toda a cidade, e as criaturas do mal, acordavam.

Do mesmo jeito que acontecera com Carlos Augusto na cela superior da delegacia, os moradores da cidade iam trabalhar sem saberem que já estavam contaminados e a mercê do mal. Todos se protegiam da claridade do dia, completamente desavisados sobre o que estaria por vir. Não havia me transformado em um deles, graças a Deus. Mas se ficasse ali por mais tempo, olhando apático para toda aquela desgraça, certamente me pegariam...


Continua...


O texto foi baseado em algumas imagens e diálogos do filme A MANSÃO MARSTEN, de Mikael Salomon. Tem três horas de duração, mas vale a pena assistir.
Sidney Muniz e Mauro Alves
Enviado por Sidney Muniz em 18/01/2013
Código do texto: T4092028
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.