A HORA DOS LOBOS Cap. 5

5. Um Pouco Sobre Tyler.

Passei a noite toda insone.

Todos os meus pensamentos gravitavam, em torno, de uma única pessoa: Tyler.

Apesar de ter provas suficientes para acreditar que ele era mesmo um vampiro, havia algo dentro de mim, um tipo de intuição, que me dizia o contrário. Algo não se encaixava muito bem nessa história.

Necessitava urgentemente de respostas (apesar de ser perigoso o que eu iria fazer) precisava ouvi-lo dizer de sua própria boca se ele era ou não um sanguessuga.

—Você, não vem Tabatha?—pergunta Alieta quebrando o estado reflexivo do qual me encontrava. Olho pra ela como se acabasse de cair duma bolha.

—O sinal já bateu?—pergunto, pois não havia ouvido nada. Havia passado as aulas e o intervalo, alheia a tudo e a todos que me cercavam. Respondia as fofocas de Alieta com monossílabos. Respondia apenas com “sim” ou “não” de forma quase que inexpressiva.

Parecia que eu vivia num mundo completamente paralelo, ao real. Qual não sairia nunca, se eu não obtivesse respostas o quanto antes.

—Você vai agora, Darling?—pergunta Alieta.

—Vou sim— respondo erguendo-me da carteira.

Havíamos sido as últimas a sair da escola.O corredor da escola estava ermo e sombrio.

Descemos as escadas correndo. Porém, daquela vez eu não iria para casa com Alieta.

Iria para outro lugar.

—Alieta, você se importaria em ir sozinha hoje?—pergunto. E antes de ela perguntar o motivo eu digo: — É que eu vou passar no escritório de minha mãe e de lá nós iremos almoçar em um restaurante...

—Tá. Mas não se esqueça de me liga Darling... Tenho novidade pra te contar—diz ela me piscando maliciosamente olho direito.

—Pode deixar amiga, que eu te ligo... —respondo.

Odiava mentir. Contudo, esse seria o único jeito se eu não quisesse ver Alieta morta ou machucada. E para que meu plano desse certo precisava que ninguém me servisse de empecilho.

O dia estava nublado. Cinza e pesado. Ouviam-se trovões ruidosos e um vento frio e enregelante cortar as copas das árvores quase sem folhas. As poucas remanescentes que lutavam contra frio estavam amarelecidas e secas, correndo o risco de a qualquer momento caírem.

Olho na direção em que Alieta seguia. Espero que ela vire a esquina e sigo na direção do estacionamento da escola.

O plano que tinha em mente seria muito arriscado, porém ele tinha que dar certo, pois senão correria o risco de perder a minha vida.

***

O estacionamento ficava atrás da escola, ao lado da quadra poliesportiva. Era uma área totalmente protegida por um gradil feito de ferro, cujo em seu topo havia fios que formavam as cercas elétricas. Em suma, o lugar podia ser comparado a algum tipo de campo de concentração.

Para entrar naquele lugar não iria ser uma tarefa nada fácil. Além, de que eu teria de ter muita sorte, pois o carro dele poderia não estar mais lá. Tyler poderia ter partido há muito tempo.

Na hora do intervalo, os meus olhos buscaram por ele , mas eles não o encontraram.Perguntei pra Alieta se ela sabia onde ele estava e ela havia me dito que ,talvez, ele estivesse na quadra treinando com o Willians(o nosso professor de educação física). Havia me esquecido desse fato.Jogava futebol.

Vou passando rente ao gradil como se eu não tivesse nenhum interesse. Como se eu não estivesse interessada em localizar certo BMW preto, que segundo a minha amiga informada, pertencia a Tyler. Tinha dezoito e já podia dirigir.

Rá!Ele devia ser um repetente de meio século!

Dou uma volta completa, até que o encontro ao lado dum fusca cor de creme, qual deveria ser da professora Yvone. A professora, de nariz adunco, olhos pequenos e voz fanha, que nos dava aula de geometria. Todos na escola a chamavam de “Maria Fusqueta” por causa do carro.

Uma vez localizado o carro, agora tinha que apenas achar um modo de penetrar no lugar. Que seria dificílimo, porque carros e pessoas tinham que passar pela visão do guarda em sua cabine. Guarda que funcionava como um guardião do tesouro. Atentava para tudo e todos.

Mas a estratégia que tinha, na cabeça funcionaria. Bom, se eu fosse uma ótima atriz lógico...

***

—Moço!Moço!Socorro!Minha mãe está passando mal...! —berro em socorro ao guarda, que desperta assustado de seu cochilo , saindo rapidamente da guarita.

Era um cara de quarenta e poucos anos, moreno e atarracado, que usava um bigodinho escova por debaixo dum nariz bulboso, avermelhado.

—Onde ela está menina?—pergunta ele preocupado. A voz dele era lenta. Aliás, ele como um todo me pareceu um pouco lento. Tanto nos movimentos vagarosos, quanto no raciocínio lerdo. Ele me pareceu um tanto preguiçoso.

E eu como uma atriz performática que sou indico:

—Ela está desmaiada, em frente à escadaria da escola... Por favor, vá lá socorrê-la... A pressão dela deve ter caído... —digo tudo entre ofegos e no final, para dar um ar ainda mais dramático à cena lágrimas escorre pelas as maçãs de meu rosto.

—Você chamou a ambulância?—pergunta ele num tom em que a preguiça estava descoberta.

—Não... Por favor, vá lá socorrê-la... —digo grudando no uniforme branco com listas amarelas nas laterais, dele. —Por favor... Moço, minha mãe não pode morrer...

—Tá... Pode deixar que eu já estou indo...

Em menos de dois minutos, ele dobrava a esquina rumando na direção da escadaria da escola.

—Bom... Até que foi fácil!Debora Secco que se cuide... —digo balançando o molho de chaves, que havia pegado furtivamente do bolso do guarda.

***

Não demoro muito a abrir a porta da guarita, apesar de haver várias chaves parecidas, consigo encontrar a correta. Seguira apenas a minha intuição (que quase nunca está errada).

Abrindo a porta com rangido, me ponho a procurar o botão que abaixasse momentaneamente a cancela, qual logo após a minha passagem, deveria voltar a sua posição original.

Não podia deixar evidências.

Dirijo-me ao painel cheio de diversos botões. Vou apertando um a um.

Aquilo fora uma verdadeira confusão. Sem perceber, havia acionado o botão dos postes de iluminação e desativado a cerca elétrica... Vou apertando loucamente os botões até quando encontro um botão redondo e vermelho, que estava escrito: Cancela.

No mesmo instante aperto o botão. Assisto quanto tempo ele voltaria a sua posição de antes. Precisaria de uns trinta segundos apenas.

Aciono-o mais uma vez. Jogo o molho de chaves sobre uma cadeira giratória de veludo vermelho que havia por ali e saio.

Fecho a porta e passo pela cancela.

E corro atrás do BMW.

Podia ouvir passos atrás de mim.

Encontro o carro e pulo dentro dele. Era um BMW de couro vermelho e sem capota.

Deito-me entre o pequeno espaço, entre o banco traseiro e o banco da frente. Desta forma, tentava me tornar “invisível.” O bom de ser magra era isso. Podia caber em qualquer lugar apertado.

Bem, agora só tinha que esperar pelo Tyler.

De repente, algo molhado cai na ponta do meu nariz. Passo a mão, rezando para que não fosse o que eu estava pensando.

Não, não... Por favor...

Outra gota mais grossa cai no mesmo lugar.

De súbito, o seu começa a desabar em pingos grossos.

Droga!

Estava ferrada.

E o pior de tudo é que eu nem havia trazido um guarda-chuva...

***

Quase gritei quando ouvi a porta do carro se abrindo e pondo, logo em seguida, o carro em movimento.

Também, quase berrei quando jogou a sua mochila entre os bancos, acertando a minha barriga.

Que baita dor fora aquela!Parecia que eu havia levado um soco bem forte no estomago.

Ele ia me pagar!

Nem que eu precisasse enfiar uma estaca em seu peito.

—Obrigado, Valter... —conversava Tyler com o guarda que já devia voltado. —Quanto devo?

—15 reais, senhor— responde Valter.

Se Valter decidisse contar sobre certa garota loira que usava brincos de caveira, eu podia me considerar morta.

—Tenha um bom dia senhor... —deseja Valter.

Durante esse tempo mantive a minha respiração presa como se o guarda pudesse ouvi-la.

Passamos pela cancela e ganhamos a rua.

A chuva, não passava agora duma finíssima garoa.

***

Estava penso, eu, há uns setenta por hora. O carro parecia flutuar sobre o asfalto úmido escorregadio.

Indo daquele jeito no carro dum vampiro, era cometer um autentico suicídio. Além, que seu estava morta de fome. Deveria ter comido alguma coisa antes, pelo menos morreria de barriga cheia.

Em certo momento da viagem, Tyler para o carro. Desce do veículo para verificar se era um dos pneus que furara. Encolho-me o máximo que o espaço permitia.

Passa por detrás do carro, verificando os pneus traseiros. Felizmente, sem me notar. Como não houvesse pneus estourados ele gira a chave, fazendo o motor possante rugir.

E antes de voltar a dirigir ele diz:

—Tabatha, não é melhor você passar pra frente?

Meu coração para como se tivesse sido congelado momentaneamente. Tinha a respiração ofegante.

Tyler virando o rosto em minha direção diz:

—Vamos, Tabatha, não tenha medo... Eu não mordo— convidava para eu me sentar a seu lado. A voz dele continha um pingo de ironia, uma pitada de humor negro.

Nesse exato momento, um raio costura o céu iluminando o rosto de Tyler, dando-lhe ao seu belo sorriso um ar macabro.

***

—Então?Vai ficar aí pra sempre? —pergunta ele olhando para mim.

Não tinha o que fazer. Restava somente obedecê-lo e ir sentar a seu lado. Poderia tentar correr, mas sem resquícios de duvidas ele iria conseguir me pegar.

Levanto-me do estreito assoalho do carro e vou me sentar a seu lado do banco de couro vermelho.

—Então? O que você está fazendo aqui?—pergunta arqueando a sobrancelha da direita em sinal de questionamento.

Cara... Como ele era tão gato! A beleza dele era incomparável. Nenhum outro garoto da escola conseguia ser tão belo. Aquela palidez, aqueles cabelos pretos, aqueles músculos fortes ou os olhos sedutores verdes como jade. Em suma, ele era um verdadeiro deus grego!

Mas não podia cair nessa. Tinha que relutar.

—E como você sabia que eu estava ali?

Ele solta um riso de desdém, que me irrita.

—Ora, não precisa ser a pessoa mais inteligente do mundo pra saber que a garota roqueira com brincos de caveira , que Valter se referia, era você... E também, você não estava tão imperceptível, como pensava que estava...

Droga!

O BMW entra em movimento. Não conseguia contestar. E ele muito menos olhava pra mim.

—Pra onde estamos indo?—pergunto.

—Pra sua casa... —responde sem desgrudar os olhos da estrada.

Oi?

Havia escutado direito?Para minha casa e não o covil dele?

—Você não vai me matar? —pergunto descrente.

—Eu devia...?—pergunta ele irônico.

Aquilo estava me irritando. O modo como ele me respondia, com aquele seu jeito irônico sem olhar nos meus olhos.

—Posso Ter fazer uma pergunta?

—Pode... —responde ele.

—Você é um vampiro?

Tyler breca o carro com tanta força, que faz com que os pneus cantassem no asfalto, exalando um cheiro de pneu queimando.

Ele fica olhando pro acinzentado horizonte em busca de respostas.

Depois, de uma longa pausa inquietante ele me diz:

—Não...

—Mas seu irmão, não é um? —interrogo.

—Sim é... —ele não me olhava nos olhos. Parecia que tinha medo de fitá-los.

—Então, logo você é um também...

—Não...

—Então você é o que então?—pergunto desafiadoramente.

Meu interlocutor vira e me encara com aqueles olhos verdes como esmeraldas que faiscavam quando disse:

—Sou um lobo...

—Como assim um lobo?—interrogo.

—Conhecido comumente por lobisomem...

Como se ele tivesse lido meus pensamentos que se encontrava numa verdadeira desordem ele me explica:

—Bastian é apenas meu meio irmão... Não temos nada haver. Somos completamente diferente um do outro...

—E por que você me salvou naquele dia, na festa?

—Porque eu não podia deixar Bastian fazer aquilo... Se ele tivesse te atacado ele teria quebrado o pacto... —explica, porém parecia que falava numa espécie de monologo.

—Que pacto?

—Tabatha, quanto menos você saber, melhor será pra você e sua mãe... — avisa ligando o motor do carro e pondo-o em movimento.

—Isso é impossível, Tyler Blake — zombo. — O seu irmão tenta me morder e você fala para eu ficar fora disso?

—Mas é para sua própria proteção, Tabatha— disse ele impassível igual a uma estátua. O maxilar dele estava tenso como se estivesse mordendo alguma coisa invisível.

—Você sabe muito bem o que está me pedindo é irrealizável... —alego.

—Você é sempre assim, tão irritante? —pergunta com um sorriso de canto de boca, desdenhoso.

—Quando é algo que me diz respeito, sou muito irritante. Sobretudo, quando um irmão de um lobisomem tenta acabar com a minha vida...

Solta um riso frouxo.

—Está... Que tal combinarmos algo?Aí poderia te contar tudo... —aquilo era uma cantada, um pedido de encontro?

—Amanhã? —pergunto sem meandros.

—Pode ser...

—E Marine Suprime?

—Ela vai estar muito ocupada, fazendo compras...

—A que horas você me pega?

—As quatro pode ser? —pergunta.

Aceno a cabeça num visível sinal de concordância. Lógico que podia! A qualquer hora e a qualquer lugar!

—Chegamos— diz-me ele.

Realmente, havíamos chegado. Estávamos bem à frente da minha casa.

—Então, tá. Até amanhã...

—Até.

Desço do carro me despedindo com um aceno de mão. A garoa parara, cedendo o lugar a um pôr-do-sol alaranjado, derretendo-se entre as verdes montanhas.

Fiquei ali, plantada na calçada como uma idiota até o carro de Tyler desaparecer no horizonte.

Logo, depois, muito faminta, vou pro meu lar doce lar.

***

—Mãe? Cheguei...

Minha mãe há essa hora já devia ter chegado.

Acendo a luz da cozinha, pois a luz do dia já ia se apagando aos poucos, obscurecendo o ambiente.

Procuro alguma coisa na geladeira. Não encontro nada. Não acredito! Não Havia nada pra eu comer. Quando estou com fome me transformo numa gorila ensandecida.

Então grito:

—Mããee...

Nada.

Nenhum sinal de vida.

Vou pra sala e ligo o interruptor.

E quase desmaio.

Estava tudo revirado. Sofá de pernas pro ar, papeis jogados no chão, vasos quebrados, quadros quebrados e etc.

De repente, um frio cortou minha espinha.

Subo pro meu quarto.

Não, aquilo não podia estar acontecendo. Mas quem faria isso?

Quem teria coragem para tal?

Adentro no quarto e encontro a resposta, pregada bem no centro de meu espelho. Caminho por entre aquela bagunça, que também não haviam me poupado.

Puxo a faca que prendia a folha no espelho e leio o bilhete:

Estou com a sua mãe, cara Tabatha. Se quiser vê-la viva e sã e salva você deve me encontrar sozinha, amanhã meia-noite em ponto, na velha igreja da cidade.

Repito você deve vir sozinha. Se não chuparei todo o sangue de sua pobre mãe e arrancarei a cabeça dela para depois jogar aos cães.

Atenciosamente,

Bastian.

Fecho o bilhete em minhas mãos.

Engulo em seco.

Não, minha mãe não.

De repente, minhas vistas escurecem. O mundo se fechava para mim.

Deixo meu corpo cair no frio assoalho.

Em breve, acordaria daquele estranho pesadelo... Em breve...Muito em breve...

CONTINUA

Raffael Petter
Enviado por Raffael Petter em 26/02/2013
Código do texto: T4160993
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