Os Escravos

Algemaram-nos um ao outro e as grilhetas que travavam as nossas pernas eram comuns também. Não nos conhecíamos. Sem que nada houvesse de semelhante com aquela deprimente situação, lembrei-me das juntas de bois que, na minha infância, via puxar a nossa carroça. Nenhuma força faria andar os bovinos se lhes trocassem a posição na canga. Eles só trabalhavam com os parceiros a que se acostumavam, nunca com outros diferentes nem fora do seu lado usual. Eis, portanto, o segredo simples dos tiranos. Juntar rivais inibiria a fuga porque impedia a imprescindível união de esforços. Olhei-te e li a raiva e o desprezo que te suscitava. Trabalhar, andar, comer, fazer a higiene e o resto passou a ser em comum, como se fossemos, apesar do ódio, irmãos siameses. Até percebermos, ambos, que só em conjunto a vida nos seria suportável, passaram-se dois dias agrestes. Onde eu queria ir tu não querias, onde eu me esforçava para conseguir tu promovias a resistência. Depois, tornou-se imperioso proteger o abrigo comum e, para isso, precisámos de abater diferenças e de aprender o respeito pela integridade um do outro. Ali deixaram de estar um branco e um negro de convicções opostas e passámos a ser o complemento sine qua non em tudo o que era necessário fazer. Carreguei-te quando a debilidade te impediu de andar e dei-te do meu quinino para te melhorar. Trabalhei duplamente para manter as nossas cotas de minério que, em trabalho forçado, extraíamos. Quando, enfim, o Exército nos libertou e nos separámos de vez, chamaste-me irmão e eu abracei-te como se o fosses.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 27/03/2013
Código do texto: T4210861
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.