O Sacerdote Amaldiçoado e o pacto

Não o encontrava, por mais que procura-se, ele não aparecia, precisava de mais forças, esse era o trato. O recebeu tão bem da última vez, achava que tinha fica feliz com o sacrifício daquela bela jovem. Em pouco mais de dois anos havia oferecido dez jovens católicos para saciar a sede de sangue do demônio alado. Havia transformado o templo de adoração cristã em um lugar amaldiçoado. Por isso o Pe. Fábio não sabia porque o seu mestre não o vinha visitar, precisava de mais forças. O demônio o alimentava com um simples estender de mãos sobre a sua cabeça, e pronto, sentia-se novo outra vez, pronto para encarar a sua vida de hipócrita sacerdote. Sempre atento às questões socais da pequena cidade. A Igreja do Santo Rosário nunca fora tão influente.

Nos último tempo, no entanto, vinha percebendo uma certa inquietude entre as pessoas, os jovens desaparecidos estavam minando a cidade, e parecia que algumas pessoas já traçavam uma correlação entre os desaparecimentos e o padre, mesmo que nada lhe tivesse chegado aos ouvidos. Nem a incompetente Polícia Civil, que “investigava” inutilmente o triste mistério, o perturbava. Já havia vindo uma equipe de profissionais mais gabaritados da Capital, e nada. “As pessoas estavam desconfiando?”, perguntou-se durante a celebração da missa do domingo, na noite anterior.

Agora, sozinho, dentro do templo ele demonstrava inquietação. Apenas a luz da lua que entrava pelos vitrais evitava que a igreja estivesse totalmente escura. Algo estava errado. “O que está haven...”, um barulho na sacristia interrompeu o seu raciocínio. “É ele, meu mestre!”, concluiu animadamente e correu até lá. Ao chegar, decepção, nada!

- Maldição! – praguejou – Onde você está?

- Ele não virá mais, Pe. Fábio.

A voz vinda de trás congelou o sangue do sacerdote, ele já a tinha ouvido antes. Não lhe era estranha. Virou-se lentamente.

- Gláucio?! – a indagação foi repleta de surpresa. A sua frente estava o jovem Gláucio que ele havia oferecido em sacrifício ao demônio alado a dois anos. Completamente deformado, como se fosse uma pessoa sem sangue no corpo, o fantasma tinha um aspecto escabroso, como se não tivesse descansando, como se não tivesse paz.

- Você está morto! Volte para o inferno, desgraçado! – vociferou o Pe.

– Não tenho anda a tratar com você!

- Pelo contrário, tem muito a tratar conosco!

- Conosco? – indagou o Pe. Fábio.

Percebeu ruídos vindos de vários pontos da sala. Rostos deformados, corpos sem sangue, reconheceu-os, todos os que ele havia entregado ao demônio alado.

- Nunca descansamos depois da noite que nos matou – disse o fantasma de Melissa. Olhos fundos nas orbitas pele pálida e seca, como um corpo sem nada correndo nas veias.

- Chegou a sua hora, sacerdote – declarou Amparo. Uma das últimas vítimas.

- Não! Estão enganados! Eu sou protegido pelo demônio alado, ele me dá forças, é muito mais poderoso do que o Deus que vocês adoram nessa igrejinha! Nada pode me acontecer! – bravejou o Pe.

- Não percebeu ainda? – disse Gláucio – Você foi abandonado. O demônio o usou, e agora não precisa mais de você. Esses pactos são temporários, agora, ajude nossos espíritos, e morra.

Não podia ser verdade, depois de atendê-lo, oferecer-lhe sangue novo, era assim que terminava, abandonado. “O pacto era temporário?”, se perguntou. “Ele nunca me disse nada disso”.

Os fantasmas começaram a caminhar em direção ao Pe. Gláucio, ele tentou se desvencilhar e correu para a única passagem existente, a porta que dava para a igreja, por onde antes, tantos haviam tentado fugir. Correu o mais rápido que pode, mas ao chegar à metade do templo, estava cercado. Sangue começou a brotar das paredes da Igreja, e escorrer até o chão. O cerco se fechou cada vez mais, até que o envolveram.

Enquanto era morto pelos fantasmas, o demônio alado o observava a alguns metros. O rosto negro e escamoso, os olhos vermelhos em fogo, sem expressão.

- Você não se cansa disso, não é? – disse um homem vestido com uma bata branca, cabelos castanhos e pele clara.

- Faz parte do jogo. Sempre haverá humanos tolos, principalmente aqueles que têm sede de poder. Posso usá-los, e descarta-los.

- Desapareça – disse o homem de branco ao demônio, que não teve escolhas. O homem deu uma última olhada triste para a cena a sua frente e desapareceu.

Ao observar o corpo seco, sem vida, do Pe. Fábio estendido no chão, a aparência dos fantasmas começou lentamente a mudar, voltaram a ser o que eram em vida. Tocavam o rosto e os braços, olhavam as mãos. Desapareceram. Teriam paz!

Todas as portas e janelas da Igreja do Santo Rosário se abriram violentamente! Um forte vento entrou templo adentro, acendendo todas as luzez. Não demorou até que o lugar estivesse cheio de pessoas. Horrorizadas, viram o corpo do sacerdote retorcido no chão. Seguindo o cheiro nauseante, foram até o quarto dos sacrifícios, e lá encontraram uma dezena de crânios, e muitos ossos humanos. Além da estranha cisterna com sangue e um corpo em avançado estágio de decomposição. A perícia realizada nos dias seguintes atestou a quem eles pertenciam. Em meio a tristeza, os pais recuperaram os restos mortais dos filhos desaparecidos. A dor da perda se mesclava ao alívio do encontro. Havia a triste certeza do que tinha acontecido, que eles não estavam mais vivos.

O Pe. Fábio foi responsabilizado pelas mortes, e a Igreja do Santo Rosário, abandonada. Ninguém mais quer entrar lá, depois dos fatos escabrosos que aconteceram em seu interior. A fé das pessoas no Deus cristão se manteve, mas desde então, buscavam outros templos para os seus cultos. A igreja será demolida na tentativa de apagar a passagem de um sacerdote amaldiçoado.

FIM.