Correntes

O dinheiro é uma felicidade humana abstrata, por isso aquele que já não é capaz de apreciar a verdadeira felicidade humana, dedica-se completamente a ele.", A. Schopenhauer.

----------------------------

Caminhava com passos longos, o sorriso em seu rosto refletia os belos raios solares que enfeitavam o imenso céu azul da metrópole. Os braços, balançando fortemente, pareciam que iam decolar o magro corpo do rapaz.

Daniel tinha trinta e quatro anos mas aparentava ser bem mais jovem. Do alto de seus 1,80 de altura exibia curtos cabelos negros e olhos azuis que chegavam a espantar de tão claros e belos.

Estava feliz, pois havia acabado de ser promovido.

Trabalhava como atendente de telemarketing, mas devido a muito esforço e dedicação, acabou mudando de setor."O trabalho diminui e o salário aumenta", foi o que disse o chefe antes de lhe dar o resto do dia de folga.

Quando entrou na rua de casa percebeu que um homem estava deitado na frente da residência de seu vizinho. A cada passo dado ficava evidente que tratava-se de um andarilho, um mendigo. O sujeito vestia roupas rasgadas e o odor emanado invadia as narinas de Daniel, fazendo-o virar o rosto.

-Você não pode ficar aqui... Ei, acorde!

-Hum. O homem apenas virou de costas e continuou a dormir.

-Escute, dê o fora daqui! Entendeu? Vá embora! Daniel gritava, enquanto tentava colocar o mendigo de pé.

-Me deixe em paz! Quem disse que você pode me expulsar?

-Essa rua não é pra gente como você, vá embora!

-Eu sou livre. Disse o homem sorrindo, enquanto girava os calcanhares e começava a caminhar em direção a próxima avenida.

Ao entrar em casa o atendente não conseguia parar de pensar no ocorrido. Estranhou o fato de um homem como aquele, sem teto, sem nada, dizer que era livre e ter um sorriso estampado no rosto.

Daniel Decidiu tomar um banho, a sensação da água morna percorrendo seu corpo era relaxadora e ele não pensou mais em nada a não ser na promoção de emprego. Finalmente iria ganhar a quantia adequada para comprar aquele celular que estava almejando. Não que o antigo telefone estivesse com problemas ou algo do tipo, mas o novo era bem mais moderno e caro.

O rapaz tinha sérios problemas quando o assunto era dinheiro. Gostava de se exibir para os outros, de dizer que tinha coisas modernas e melhores do que as dos seus colegas de trabalho, era por isso que se dedicava tanto.

”Com o salário novo eu vou poder comprar mais coisas!”.

Saiu do banho e seguiu rotina diária, quando a noite chegou adormeceu assim que deitou-se na cama.

Estava dormindo há algumas horas quando um barulho despertou-o. O som de gotas se chocando contra o teto era realmente ensurdecedor, tão alto que ele resolveu ir até a janela para ver se uma tempestade estava caindo. A visão foi realmente assustadora.

Do lado de fora da rua dezenas de pessoas estavam de joelhos e presas umas às outras por correntes pretas. Todas cavavam a o asfalto com as próprias unhas e pareciam não se importar com a dor, pois enquanto rasgavam a própria carne, cantarolavam em um único tom de voz.

Daniel correu até a porta da frente e saiu pra rua. Ao olhar para os lados percebeu que a situação era ainda mais amedrontadora. Os acorrentados não estavam apenas cavando o asfalto, estavam arrancando pedaços e trocando uns com os outros.

Bastou um olhar mais atencioso para o rapaz perceber que todos ali estavam completamente nus e eram muito magros, em alguns as costelas exibiam-se abaixo das finas camadas de pele. Seus os olhos desfocados e completamente brancos, estavam fixos na escuridão do asfalto.

”Eles estão em transe!”, Pensou o rapaz.

Acima de todos aqueles estranhos homens, um misterioso veículo circulava, no topo do mesmo estava um velho barbudo, sua pelugem branca cobria quase todo o seu rosto e por isso a única coisa que se destacavam eram suas roupas e chapéu listrado. O azul, branco e vermelho se destacava sobre os demais.

Era aquele velho que comandava de tudo aquilo.

Quando Daniel estava se preparando para correr foi derrubado por alguma força invisível e em questão de segundos estava preso com correntes pretas. A mesma força o forçava a cavar o asfalto. Suas unhas já estavam quebradas e seus dedos e cobertos de sangue quando começou a escutar a voz ecoando em sua cabeça. Olhou para cima e avistou um outro homem que não estava preso. Forçou a visão e reconheceu o mendigo.. O desgraçado estava sorrindo!

“Eu sou livre” Eram as palavras que ecoavam em sua mente.

Acordou quando os raios solares atingiram seu rosto. O corpo suado lhe fazia refletir se o que havia acontecido na noite anterior era real ou apenas um sonho. Na verdade não importava, havia entendido o que deveria fazer.

Levantou lentamente e seguiu em direção ao telefone. Discou o número da empresa para a qual trabalhava e pediu para falar com o gerente.

-Estou me demitindo. Disse, enquanto soltava o aparelho e seguia para a rua.

Sua vida seria diferente a partir de agora, finalmente havia entendido o que era ser livre.

Rayan Fernandes
Enviado por Rayan Fernandes em 14/04/2013
Reeditado em 14/04/2013
Código do texto: T4239732
Classificação de conteúdo: seguro