Orgias de Sangue

Era sangue o que eu via em minhas mãos, sinistra visão sobre um olhar de pedra da estátua de uma sepultura, num cemitério qualquer que porventura ainda estivesse ali parado observando. Mórbida criatura havia exagerado no uísque e matara sua companheira de noite de orgia na lúgubre morada dos mortos. Ainda era um homem de carne e osso e queria mais sangue e morte nas mãos desesperadas, a agonia batia forte em mim e saí à procura de mais uma vítima naquela sombria noite de agonia infernal.

Mas numa espécie de mutação em cadeia eu havia me transformado numa criatura sem alma ou coração, minha tez branca como a neve e meus olhos tristes e vermelhos como o de um vampiro insaciável. Por que de fato estranhas coisas incidem, e coisas ocultas serão julgadas, e muitos séculos cruzarão antes que estas lembranças encubram as mentes humanas. E, ao serem vistas, os homens não acreditarão e duvidarão e, contudo, uns poucos encontrarão muito motivo de imaginação nas letras aqui cinzeladas com sangue de vítimas inocentes. O ano terá criado um tempo de terror e de anseios mais vivos que o terror, para os quais não existe nome nem no inferno. Porque muitos fenômenos haverão de produzir, em toda a Terra, sobre um chão e sobre o oceano, os negros ombros e braços da morte doentia agora se esticavam sobre os homens.

O espírito do empíreo, manifestava-se não somente no planeta corporal da Terra, mas nos espectros, fantasias e reflexões da caridade. Criaturas eram seis, naquela noite, em torno de algumas sepulturas de rubro sangue de Hades, entre as paredes da nobre sala, da sombria cripta de augusto cemitério dos ricos. Para a vida em que nos achávamos, a única saída que havia era uma morte torta de feitio raro e trabalhada em ritual antigo, amaldiçoada por dentro. Negras entranhas, adequadas ao sombrio macilento, privavam-nos da visão da luz, das lúgubres estrelas e das ruas despovoadas; mas o agouro e a lembrança do flagelo não podiam ser assim excluídos de nossas tristes misérias escondidas.

Havia em torno da gente e dentro de nós coisas das quais não é admissível que se conte, coisas carnais e incorpóreas: ambiente de dor, impressão de falta de ar, consternação; e, mormente, aquela formidável condição de vida que as pessoas irrequietas provam quando os sentidos estão intensos e espertos, e as capacidades do aforismo continuam dormindo. Uma gravidade mortal nos amofinava, e todos se sentiam impugnados e ajoelhados, tudo jazia em silêncio e até as coisas aquietaram-se, exceto as chamas das seis velas do candelabro que iluminava aquela orgia macabra. Elevando-se em filetes finos de luz, assim permaneciam, ardendo, pálidas e mortais. E no espelho que seu fulgor formava sobre a circular cama de mogno a que estávamos deitados, cada um de nós, ali reunidos, contemplava o corpo de sua própria amante e o rosto com brilho inquieto nos olhos ativos de suas mulheres.

De segundo em segundo o tempo passava e enfim depois de horas num ritual de músculos em contorção e gemidos angustiantes, num gozo alucinante cortamos elas em pedaços, e bebemos seu sangue e cada um voltou para sua casa a espera da próxima reunião, ou festim diabólico com nossas tépidas e saborosas vítimas e amantes de noite tétrica.

HERR DOKTOR

HERR DOKTOR
Enviado por HERR DOKTOR em 24/03/2007
Reeditado em 29/09/2008
Código do texto: T423987
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