PEDAÇOS DE CARNE

Seguindo a estrada , é o que dizem. Se é o certo não sei... Sei que os dias são noites , sei que o tempo urde , que a saudade corrói , desgasta e pune. No silêncio da minha noite tento refazer os dias , recontar os passos. Desfazer é impossível , mas espero. Prossigo sem entender, mais tentando compreender o que parece impossível . Sempre a vi de longe. Já se apresentou para mim como uma doce e delicada mulher . Teve dias em que era como uma velha cancerígena num quarto escuro e frio. Já me soprou melodias ao ouvido, já pichou com palavrões minha alma amarga.E eu, a via de longe... Sim... Mas eu a desejei. Quis estar , ceiar com ela. E ela, aproveitando meus sonhos estendeu suas mãos escuras e me tocou nos olhos. Me fez vêr a dor. Me fez experimentar o medo e me pegou nos braços. Desde então prossigo sem Ter pra onde ir... Sugo seus seios , escarro na tua boca , e ela nem se lembra que um dia me prometeu o doce e o puro... Desde que a morte me acariciou o rosto na manhã de trinta e um de janeiro do ano corrente de dois mil e sete , sinto seu peso sobre mim. Minha garganta grita sem que seja ouvida , meus olhos vêem , mas não podem ser vistos. A saudade cruel me leva a caminhos já antes percorridos. O sol sobre mim já não brilha , minha falta já não faz falta a ninguém . Desejava poder voltar no tempo , no primeiro instante em que nossos olhares se fundiram num só... Suas propostas foram feitas. Minha vida... ( Há a vida ... Esta simples palavra por si só me traz prazeres a muito esquecidos ).

Até então uma vida medíocre ( mais uma vida ). Uma existência digna de dó e de pena , mendigando favores e alimentos , do pão a água... Da brisa que tocava meus cabelos sujos , do prazer de dormir, e mais de acordar .Seu rosto me pareceu terrivelmente lindo naquela manhã , eu sofria demais...A muito eu vinha tentando em vão Ter dignidade , paz de espírito e respeito. Não! Hoje eu sei ,não era pra mim... Sem saber ( o que faria se soubesse ? Não sei... ), abracei teu mensageiro , ele nem sequer se esquivando do meu cheiro pobre , nem sequer virando o rosto. Não... ele me olhou diretamente nos olhos , me beijou o rosto , me pegou pelas mãos e me levou.... E eu fui... Não poderia saber... Como eu, um desgraçado que viveu seus últimos dias nas ruas , jantando restos de sopa em esquinas sombrias , enchendo o estômago de alimentos mal mastigados por bocas bem tratadas , como eu podia adivinhar que aquele corpo que eu maltratava , que fedia , podia guardar um segredo tão importante e primordial para a minha vida ( ou melhor dizendo morte ) ? Não poderia jamais desconfiar ... A proposta de teu servo maldita, foi boa... Nunca havia pensado em contar tanto dinheiro , resolveria minha vida... (Meu Deus , a palavra de novo ... ), Era só se desfazer de um pedaço de carne, (você tem dois rins amigo , terá dinheiro suficiente para entupir o outro com o que quiser... ) Música para os meus ouvidos... Tudo pronto... Um bom banho, ( que chuveiro , pareceu levar minhas dores junto com a água escura que escorria pelo ralo ... ) , uma camisola aberta ( meio indecente ) , uma agulha , um cheiro ,a carne se abrindo, uma dor , mãos pesadas sobre o meu peito , faz calor ou frio ? Os dois . Um choque pesado , ouço passos . Espera , são os meus... Mas como ? Como estar em dois lugares? Tento respirar através do véu branco que me cobre . Em vão... Meu Deus... Como eu saberia? Em vão , em vão ......

Meu pecado foi este , vendi vida , ganhei a morte. E mais , com juros , a morte eterna. Vagar...Passar pelos mesmos lugares. Tentar falar ? Sei que não posso ... Sei que não me ouvem e se me ouvissem não me dariam razão...Como poderia saber que um pedaço meu

( droga , era meu ), não poderia ser negociado ? Deveria saber? O certo é que vago , o certo é que ando sem sair do lugar . Já não conto os dias , todos são iguais... Todos são imensos e tristes . Meu pedaço de carne repousa em outro corpo , segue filtrando seu sangue , enquanto o meu secou nas veias. Não poderia ser uma boa ação? Não! Eu sei ... Eu quis dinheiro , eu sujei um gesto nobre. Fui atraído, fui mesquinho. Pobre de espírito , seco de sentimentos. Agora , o que me resta é caminhar no nada , e esperar... Esperar que aquele que vive com o que é meu morra, e quem sabe então eu possa descansar enfim. Fechar os olhos da mente e desfrutar o que talvez seja meu merecimento. Mas era só um pedaço de carne , nada mais do que um pedaço de carne.... Só carne..... carne.....