ONDE ESTÁ JOSUÉ?
 
Precisei dar uma corridinha para não perdeu o ônibus, que já estava na parada. Entrei, cumprimentei e agradeci ao motorista.

Josué fazia o horário da meia-noite há dois anos. Até sabia coisas da vida dele, dos dois filhos, da esposa.

Hoje, no entanto, o sujeito ao volante era mal-encarado, com aspecto de sujo, cabelos desgrenhados. Nem ao menos retribuiu o cumprimento. Cara esquisito - pensei. Qual é?

Sentei no primeiro banco, disposta a tirar um cochilo até o ponto final. Não queria conversa com ninguém.

Uma gargalhada veio dos fundos. Voltei-me. Com raras exceções, os passageiros eram os de todos os dias. No entanto, algo parecia diferente.

Observei que o veículo não era o mesmo nem as pessoas. Embora as luzes estivessem acesas, havia penumbra e uma espécie de nevoeiro que me impediam de distinguir, identificar alguém. Tinha a sensação de que os lugares estavam ocupados, mas que as pessoas ficavam amontoadas, grudadas umas nas outras, balançando-se.

O veículo em velocidade exagerada. Vozes e lamentos foram aumentando. Ia perguntar para o motorista se alguma coisa estava errada, mas desisti, porque os olhos do homem, pelo espelho, tinham raios avermelhados e faiscavam.
Efeito dos faróis - pensei, ao mesmo tempo em que um arrepio percorreu-me o corpo. O sujeito também gargalhava, mostrando dentes enormes e pretos. Algo estava errado, e muito errado. As luzes ficaram mais fracas.

Tentei olhar para fora, ver a lua. Dei-se conta de que as janelas eram escuras. Nada consegui ver. Os vultos, os gemidos, as gargalhadas sinistras e o tilintar, como se ossos secos se chocassem, deixaram-me em pânico.

Gritei com toda força. As luzes se apagaram.  Mãos úmidas e geladas, muitas mãos, percorriam-me o corpo, arrancando-me as vestes.

Quanto mais gritava, quanto mais me defendia, mais os seres gargalhavam e a velocidade aumentava. Minhas mãos tocavam em coisas viscosas. O cheiro de podre insuportável.

Mãe – implorei - me ajude, socorra-me. Mas a voz foi sufocada com um beijo molhado, com gosto de carne estragada, de cheiro nauseabundo. Senti-se sufocar, defendendo-me com movimentos de cabeça, pois meus braços eram imobilizados por tentáculo que me machucavam.
 
A ponta de uma lâmina penetrou-lhe nas costas. O veículo parou de inopino. A porta abriu-se.      
  
Debruçado no asfalto, o corpo nu da jovem. Nas costas, a lua refletia sobre o cabo do punhal e a rosa escarlate que se formava ao redor dele.






 



MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 01/06/2013
Reeditado em 21/06/2013
Código do texto: T4320637
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