LÍNGUAS SOLTAS - DTRL

Era a jovem mais bonita da cidade e com uma característica que potencializava a cobiça dos homens: pertencia a uma família endinheirada. Mas Roberta era quase inatingível. Raramente se fazia ver em locais públicos e, quando tal acontecia, quase sempre estava acompanhada por um dos homens de sua família: o pai ou um dos irmãos. A presença desses verdadeiros cães de guarda inibia mais ainda os varões daquele lugar a tentar  aproximar-se da moça.

Arredia por natureza, não correspondia aos olhares cúpidos que lhe eram dirigidos.
Mas eis que chega na cidade um auto-confiante que tomou para si o desafio de lhe arrebatar o coração e...o corpo. Promotor de Justiça recém nomeado, 26 anos, elegante, bem apessoado e de conversa maneirosa.
Foi em visita à casa dos pais dela, com a justificativa de estar em busca dos cidadãos de bem para apoiá-lo no combate ao uso abusivo de drogas psicoativas, problema crescente na comunidade.

Avistando Roberta cruzando uma sala,  pergunta ao anfitrião
- Sua filha?
- Sim, a Roberta! Caçula e única mulher em meio a cinco homens.
- Estou na cidade há dois meses, já tive contato com pessoas de todas as famílias de projeção ... mas sua filha eu nunca vi.
- Acredito mesmo que não. Ela foi criada com muito recato e só sai com gente da casa. Não gosta de festas dançantes nem tem amizades com outras moças da cidade, salvo duas primas.
- Uma moça como pouco se vê nos dias atuais...No comportamento parece uma sinhazinha dos livros românticos de...e, perdoe-me, parece que na fisionomia também.
- Vou apresentar - disse o dono da casa, chamando pelo nome da filha.
Quando esta entrou na sala, o promotor mal teve disposição para pronunciar as primeiras palavras, tão encantado ficou com a beleza que Roberta exibia.
- Minha filha, este é o novo promotor de Justiça, veio fazer uma visita à família!
Roberta baixou mais ainda o olhar e proferiu, com voz quase trêmula:
- Bom dia...
- Bom dia, jovem! Seu pai tem muito orgulho de você e percebo que tem toda razão. É um prazer conhecê-la, como aos outros membros da família também, claro!
- Roberta, sirva ao doutor aqueles biscoitos de receita de nossa família, e um cafezinho...Ah! depois...
- O licor, papai, eu sei...
- Prendada, ela, mas não gosta quando ouve pedido ou ordens com detalhes, prefere demonstrar que sabe tudo. Coisas da idade, sabe como é.
- Quantos anos?
- Quem, Roberta? Completou dezoito, dos quais cinco na capital, sob os cuidados de uma tia materna, uma solteirona severa. 
- Estuda veterinária?
- Vai cursar o terceiro período, eu nem queria que ela seguisse essa carreira, não acho apropriada para mulheres, principalmente sendo tão delicadas, como é o caso dela.
- Não se preocupe, hoje existem veterinários que só cuidam de pets, os animais pequenos de estimação.
- Mas ela é ousada, imagine que antes de terminar o ensino médio já fazia estágio como voluntária em um laboratório da capital que estuda doenças transmitidas às pessoas pelo contato com animais.
- Chamam...existe um termo específico...
- Como é, Roberta, como é o nome das doenças ...- pergunta o pai, estalando os dedos indicador e polegar da mão direita. A filha, que naquele momento ia entrando com a bandeja na mão, respondeu e de imediato retirou-se, deixando sozinhos os dois homens.
- ZOONOZES! Com licença...
- Muito interessante sua profissão - disse o promotor, que ao pegar a xícara demontrou estar com as mãos trêmulas, provavelmente  devido à frustrada tentativa de estabelecer diálogo com a jovem.
- Minha preocupação é que Roberta gosta de se envolver é com animais peçonhentos. Ela diz que vai criar antídotos contra diversos tipos de veneno...Quando estagiava no laboratório, o xodó dela eram cobras e aranhas, imagine...
- Moça corajosa! Demonstra personalidade forte.
- Mudando de assunto, já esteve no clube dos 100?
- Estive lá com o juiz. Muito bonito, mas só entra quem é sócio e o número de associados é limitado, como o próprio nome já faz deduzir...
- Mas há exceções para cidadãos de destaque na sociedade. Como Promotor, o senhor está convidado a compor minha mesa, na festa de amanhã. Honrará a mim e toda a família com sua presença. Posso pegá-lo às 9:30 da noite?
- Com toda honra e prazer. Estarei à espera.

Noite seguinte, no horário combinado, o carro parou em frente ao hotel e ele sentou no banco do carona, conforme indicara o pai de Roberta, que conduzia o veículo. No banco trazeiro, a jovem e sua mãe. Conversinhas prosaicas, e logo chegaram ao clube. O Promotor se adianta para abrir a porta por onde Roberta desceria, mas ela tinha sido mais rápida e já se encontrava de pé, encaminhando-se na direção do pai. Quando se aproximou deste, pegou em seu braço esquerdo, enquanto o outro era oferecido à sua mãe. 

Até chegarem à mesa, o único que pronunciou palavras foi o chefe da família.  Conhecidos cumprimentavam os familiares de Roberta e o pai desta apresentava o Promotor, fazendo questão de ressaltar que "tem só vinte e seis anos e já ocupa um cargo tão importante. Solteiro, livre e desimpedido, o que é melhor!".   

Em torno da mesa, Roberta apressou-se em se acomodar entre o pai e uma das cunhadas. Noite já avançada, depois de várias recusas, sempre alegando enxaqueca, ela aceita o convite do promotor para dançar. No dancing, afastava-o com delicadeza mas de modo firme quando ele tentava colar seu corpo ao dela.

Dia seguinte, nos lugares de costume (bares, salões de beleza, praça), a conversa era de que o Promotor tinha tirado "sarro" de Roberta. E mais: pessoas informaram tê-lo ouvido comentar que, em determinado momento a tinha levado para um local ermo, fora da séde social do clube e "se excedido em certas intimidades".

Os nomes de outras jovens também foram citados pelo rapaz como sendo "fáceis e com a libido nas alturas", afirmando ter tido "contatos  íntimos" com algumas delas, inclusive durante os volteios das danças. Nessas oportunidades - assegurava - conduzia a "dama" com quem estava dançando até um ponto menos iluminado do dancing e aproveitava para demonstrar como certa parte específica de seu corpo estava reagindo à proximidade com a jovem em questão. Roberta recusara a maioria de seus convites para dançar; ele não ficava inerte - gabava-se -  aproveitava para "conhecer melhor outras INHAZINHAS" e evidenciar-lhes seus "dotes e habilidades" para além da condição de exímio dançarino.  

As informações chegaram a Roberta através de uma das primas. Outra acrescentou que ele tinha dito textualmente: "O que falta nesta corrutela de cidadezinha é um homem bonito, importante e de boa conversa para tirar sarro e dobrar essas riquinhas arrogantes daqui. Cadê a Roberta, resistiu? A bem da verdade, até que resistiu, mas terminou se rendendo" - dizem que afirmou em tom de arrogância galhofeira.   

Outras conversas surgiram e iam se propagando, sempre envolvendo as parolices dele com o nome das moças da "sociedade", o de Roberta sempre aparecendo em destaque.

Certo final de tarde, a surpresa: o promotor é procurado por uma prima de Roberta, dizendo que esta queria se encontrar com ele, no final da tarde, mas só se tivesse garantido sigilo absoluto e ele obedecesse a certas orientações, as quais lhe foram repassadas naquele momento. Nenhuma objeção.

Duas horas depois, o promotor parou seu carro junto à entrada de uma fazenda que ficava distante da cidade cerca de vinte quilômetros. Motor ligado, acendeu e apagou os farois quatro vezes, a intervalos de quarenta segundos entre um movimento e outro. Depois, cortou a luz por igual número de vezes. Na última, percebeu a chegada de uma pessoa junto ao vidro da porta do motorista.
- Você!?  
- Por que a surpresa, eu não mandei o convite? Não enviei instruções sobre o código luminoso a cumprir para que eu soubesse de sua chegada? 

- Sim, claro, mas não pensei que você viesse pessoalmente me receber. Imaginei que um empregado estaria à minha espera. Imagina, uma mocinha delicada a esta hora da noite aqui no meio do nada!...ééé...está sozinha?
- Sim, conheço tudo por aqui, cresci passando temporadas na fazenda.
- Então...
- Siga em frente, com os faróis baixos, para não assustar algum animal feroz.
- Tem muitos por aqui?
- Poucos, principalmente nesta área onde estamos. Mas por cautela...
- Afinal "Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém"! Não é assim que se diz?
- Assim mesmo. Cautela até quando se abre a boca para falar - disse Roberta, pondo ênfase na voz e acrescentando:
- Pode parar aqui. 
- Mas esta não é a casa principal da fazenda, ou é?
- Não. Aqui é um depósito de ferramentas, a casa principal está fechada desde ontem e assim ficará por mais uma semana. Papai mandou fazer um tratamento de descupinização, até deu folga aos caseiros, o ar da casa está contaminado por veneno. Depois, para o que interessa ... aqui é mais ... digamos conveniente...
- E...o que interessa, posso saber especificamente?
- Por favor, não me peça detalhes, por enquanto, eu sou tímida e sem determinadas experiências, então...
- Claro, as ordens virão de você e a mim caberá obedecê-las!

A construção onde eles entraram tinha vão único, piso de cimento rugoso, paredes brancas. A iluminação era fraca, mas suficiente para ver cama de casal, mesa, refrigerador, algumas cadeiras e, a um canto, amontoadas, ferramentas de uso em uma propriedade rural. Um detalhe não escapou ao rapaz: a cama estava forrada com edredon e na mesa, uma bandeja com taças e algum utensílio metálico comprido que não identificou com nitidez.
- É...uma pia, por favor, gostaria de lavar as mãos.
- Aquela porta bem à sua frente! É um banheiro.
- Obrigado. Não demoro, claro!

Ao voltar para a sala, o Promotor encontrou Roberta com duas taças na mão, uma das quais ela lhe estendeu.
- Vinho?
- Não! Um licor produzido aqui mesmo. 
- Então, um brinde.
- Temos um ritual próprio ao tomar o licor. Beber todo o conteúdo de uma vez só.
Assim ele fez, antes erguendo sua taça em direção à moça que reproduziu o gesto. Um brinde, bem de acordo com os modos cavalheirescos. Mal engoliu a bebida, o promotor começou a tossir e pigarrear. A pele do rosto ficou avermelhada. Roberta pegou na ponta de uma de suas mãos e o levou até a cama, onde ele sentou.
- É feito de uma mistura de ervas picantes, daí essa reação, mas temos um antídoto para quem não está acostumado, como é o seu caso.
- ANTÍDOTO? - perguntou o rapaz, talvez lembrando da conversa com o pai de Roberta, durante a qual fora informado do interesse dela por cobras e venenos.
- Um líquido para amenizar os efeitos do licor, fará bem - disse Roberta, estendendo um cálice que ela própria aproximou da boca do convidado. Este deglutiu de três goles, conforme ela ia inclinando o recipiente.
Instantes depois, o Promotor de Justiça inclinou o próprio tronco para trás, os olhos fechados e emitindindo soluços. Parecia ter adormecido.
Quando acordou, viu-se no meio da cama, com os pés e os braços abertos e presos por cordas às extremidades da peça do mobiliário na qual havia adormecido. Camisa desabotoada, vista levemente turva, reconheceu Roberta. 

- Sono bom, não? Curto mas bom.
- Por que estou assim...preso? - perguntou com a voz meio engrolada.
- Logo saberá. Não tenha pressa.
- Hã...você é adepta de sexo...
- Práticas sado-masoquistas? Mais ou menos...Suas pernas e mãos estão amarradas só por cautela, mas nem precisaria, porque ficaram imóveis logo que terminou de tomar o licor...Quer ver? - perguntou Roberta, encostando na sola de um dos pés do Promotor um espeto de churrasco incandescente. 
- AIIIII! - o que seria um grito teve a sonoridade de um simples gemido. A garganta do rapaz estava quase travada.
- Você sentiu a dor de uma queimadura, mas não executou nenhum gesto de defesa instintiva, porque está com o corpo envenenado. Um veneno que age axatamente tirando os movimentos das extremidades. A dor é sentida, mas a imobilidade dos membros impede qualquer reação. Quer ver? Eu vou desamarrá-lo e você ou melhor, o Senhor, Doutor Promotor de Justiça não vai poder fazer nada em sua defesa - disse Roberta, com ironia que beirava ao deboche, enquanto cortava, com auxílio de um punhal comprido, as amarras que prendiam o rapaz à cama. A cada nó desfeito, uma estocada com a ponta do instrumento nas palmas e solas da vítima, de cuja boca escapava um grito apenas ensaiado. Sangue escorria a cada punhalada, a dor era insuportável, mas nenhum movimento nos membros.
- Claro que está curioso para saber como  ficou inconsciente...
- Veneno? Tinha veneno nas taças?
- Desta cobra que está aqui - disse Roberta, tirando de uma caixa que estava sobre a mesa uma cobra com menos de um metro de comprimento e de couro rajado.
Enquanto o rapaz emitia seus gemidos, Roberta estirou-lhe a serpente no tórax  e ele sentiu a lambida do animal em um de seus mamilos.
- Nã-Nã-Não...Por favor...P-P-Pe-lo a-a-mor de D-D-Deus...
- Essa aí não vai lhe matar, o veneno que tinha foi extraído e está dentro de Vossa Excelência, Senhor Doutor Promotor de Justiça...Nem presas ela tem mais...Só faz lamber e sugar, como vai sugar AGORA seu MEMBRO viril. Vai fazer o que Vossa Excelência andou insinuando, mentirosamente, que eu fiz...Pois essa aí vai fazer o que Vossa Excelência esperava  me forçar a fazer. Não era essa sua expectativa quando aceitou o convite para vir até aqui? Hããã?

A voz de Roberta soava agora em tom de ódio, enquanto o rapaz sentia seu pênis ser sugado. A moça mostra as palmas das mãos e estira a língua, para então proferir:
- Está vendo minhas mãos? Minha língua?
Não é de meu corpo que está saindo essa sensação MA-RA-VI-LHO-SA que o está fazendo deixar o tórax empinado! É... o tórax, porque os membros não têm mais movimentos. E por que essa agonia toda? Calma, a serpente não vai arrancar esse...pedaço de carne NÃO! A que vai sangrar sua virilidade e inocular mais veneno é esta aqui. OLHA! - Gritou Roberta, exibindo outra cobra, de tamanho maior.
- E onde está sua virilidade, Excelência? Mesmo depois de sugado ainda não revelou que é homem! Estranho...Sugado na porção mais ... sensível do corpo e ... nunhuma REAÇÃO? Não era o que faltava nos homens desta cidade? Virilidade? Pois a sua, que ainda não deu sinal de existência vai ser mastigada, estraçalhada e engolida aos pedaços por ESTA!         


A primeira cobra, retirada do pênis do Promotor, foi colocada em seu rosto, junto aos lábios que logo começaram a ser lambidos pelo ofídeo. A outra serpente que lhe havia sido mostrada, substituiu a primeira nos tratos com o pênis da autoridade. Só que agora, em vez de sugadas, Sua Excelência sentia a ação de presas cravando em seu órgão viril. Antes, porém, foi colocada em um de seus peitos. Os sons que saíam da boca do rapaz subiram de tom, misturando-se às lágrimas e uma espécie de gosma que passou a escorrer de sua boca. Ele ainda viu quando Roberta se afastou, acenando e em seguida levantando os polegares.
- Vou ficar lá fora, observando o luar e sentindo o cheiro das plantas. Voltarei dentro de algumas horas, quando tudo estiver consumado, Excelência! Não precisa me chamar, as duas serviçais vão continuar lhe fazendo as ... cortesias. 
Lá fora, Roberta admirava a lua enquanto ouvia sons, agora quase de gritos, saídos da boca de sua vítima. 

Quatro dias depois, ela estava em seu quarto, conversando com uma prima, quando a mãe entrou esbaforida:
- Vocês não sabem quem morreu...Uma morte horrível, triste, pelo que contaram...
- Quem, mamãe? Alguém da família? Um conhecido? Diga logo...
- O Promotor de Justiça!
- Quem?
- O Promotor, aquele...
- Sei, era o único Promotor aqui na cidade. Mas morreu como? Ataque do coração?
- Não, foi quase todo estraçalhado...
O chefe da família chegou à porta do quarto, interrompeu e completou a fala da mulher:
- Dr. Venceslau e o Delegado acham que foi vingança, caso de adultério, crime passional!
- Assassinado, então? No hotel?
- Sim, com enormes requintes de crueldade... quer dizer, assassinato, sim, tudo indica, mas não aconteceu no hotel. O corpo foi encontrado em estado de decomposição, os médicos não puderam fazer um exame minucioso mas  constataram sinais de que sofreu terríveis maltratos. Sua mãe vai lhe passar alguns detalhes.
- Não foi no hotel, não. Em um matagal perto da barragem velha. Estava sem o pênis. Os peitos foram arrancados ...A pele... Ai! Eu sinto uma dor no peito só em lembrar o que me contaram.
- Calma, tia, senta aqui - disse a prima de Roberta.
- Mamãe, sabem quem fez isso? 
- O delegado disse que nunca vão saber, porque esse tipo de crime passional dificilmente é esclarecido, o corpo não prestava mais para ser examinado, um irmão está vindo buscar e...
- E o que, tiaaa? ...
- O irmão disse por telefone ao delegado que não foi surpresa para ele...
- Por que?
- Porque ele já tinha se envolvido com mulher casada quando era estudante. Com mais de uma, por sinal.

Os olhares das primas se cruzaram e as duas tiveram que levar as mãos à boca para impedir que as gargalhadas escapassem.
De costas para a mãe, Roberta estirou os braços e levantou os polegares em direção à prima. 

 
Alfredo Duarte de Alencar
Enviado por Alfredo Duarte de Alencar em 19/06/2013
Reeditado em 18/09/2021
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