Maldição Viral

Numa noite escura, um homem entra silenciosamente em uma capela da qual acabava de sair o último dos três parentes que vieram para a cerimonia antes do enterro no dia seguinte. Uma vela foi acesa, o homem se curvou no ouvido do morto, e começou a falar.

“Não costumo ir a velórios porque odeio esses rituais fúnebres sem sentido, mas, preciso admitir que você ficou bem ai neste caixão. Acho que você deveria se vestir assim mais vezes, não só pra ocasiões como esta... Me desculpe, isto é, se quiser me desculpar. Eu não me arrependo sabe? Eu faria tudo outra vez se você voltasse a cruzar meu caminho, provavelmente faria com outro se não fosse você, mas, como já fiz com você, farei certo desta vez, mesmo que com atraso... Farei da forma que precisa ser! Sabe? Eu tinha uma história para te contar, uma história que você só pode ouvir depois de morto para não contar a ninguém. Queria muito te contar esta história e por isto fiz o que fiz. Mas não me deixaram falar com você, também você fez tanto barulho antes de dormir que tive que fujir e te deixar lá... Não! Não sou um covarde! Não fugi por medo das sirenes. Só não queria que me parassem antes que eu pudesse contar a história pela última vez. A história que me libertará desta missão... Estou quase acabando de contá-las, e não podia perder você, por que a última vez que eu conto a história é para você, depois ela acaba...

Você não tinha muitos amigos né? Capela vazia... Só três vieram te ver, talvez para ter certeza que você morreu mesmo... O sujeito da história que eu vou lhe contar, também não tinha nenhum amigo. Desde o início, quando te vi estacionar o carro no mercado achei que ele fosse parecido com você. Você estava mesmo predestinado a ouvir esta história, da mesma forma que eu sempre estive predestinado a contá-la pra você.

Ele era só um garoto com uma pá que estava disposto a fazer qualquer coisa para se sentir integrado em um grupo de amigos. Os outros não gostavam dele, ele era burro demais, talvez sincero demais quando não havia necessidade, mas, quando precisaram cavar em um cemitério, ele foi a primeira opção. Ele desenterrou um caixão podre, a tampa já havia desabado com o peso da terra há muitos anos. Com as mãos, ele foi tirando a terra até que achou um corpo em perfeito estado de conservação. Todos ficaram muito impressionados sabe? O garoto mais velho queria fazer um ritual bobo de necromancia, mas, nunca imaginou um corpo em tão perfeito estado para realiza-lo. Existem muitas coisas que podem fazer um corpo não apodrecer sabe? Ali não era o caso, a explicação não era tão simples. Os garotos desenharam círculos e símbolos místicos de proteção no chão, entraram todos no circulo e deixaram o garoto da pá do lado de fora. “Como vou me proteger?” - ele perguntou - “Se proteja com a pá!” - reponderam para ele e deram risada. O pobre garoto aceitou e apenas observou enquanto os outros faziam o ritual, eles diziam palavras desconexas de um livro velho que nunca deveriam ter lido, nunca entendi por que alguém escreveria um livro assim. Pode parecer engraçado, eles estavam fazendo um ritual pra ressuscitar um morto, eles cavaram o sujeito de dentro da terra, eles falaram cada uma daquelas palavras que prometiam fazer o morto acordar para responder as perguntas que fossem feitas, mas, quando o morto abriu os olhos e se levantou saíram todos correndo. Bom... Não todos. O rapaz da pá ficou lá, ele nunca foi um bom corredor sabe? Também não era muito esperto. “Você me acordou?” - o defunto perguntou - “Não, eu só cavei. Os que saíram correndo que te acordaram. Acho que eles não pensaram que o ritual iria dar certo.”. Nesse momento o morto riu, não vou dizer que morreu de rir por que era bem ao contrário, ele parecia renascer de tanto rir. De um momento para o outro, o rapaz da pá pensou ter encontrado seu primeiro amigo. Eles conversaram bastante e fazendo um monte de perguntas o garoto descobriu que o ritual não havia de fato funcionado, que o homem foi morto por um amaldiçoado a viver em eterna dor e desespero, que o único meio dele se livrar desta maldição era contando como foi amaldiçoado a sete pessoas que jamais poderiam contar a história para ninguém. Ele ouviu a história que criou a maldição em seu assassino, e foi assassinado logo após para não poder contar a história a mais ninguém. Dias depois, quando o amaldiçoado contou a história para a sétima pessoa, todos os outros ouvintes silenciados despertaram com a mesma maldição em suas almas. O morto contou que passou muitos anos vivo e consciente aprisionado sob uma grossa camada de terra, até que o desenterraram. “Nossa! Que história incrível! Então o ritual não funciona?” - Falou o garoto da pá, muito lerdo para entender o que o defunto estava fazendo. “Tanto faz se matar antes ou depois de contar a história!” - falou o defunto - “Estou contando assim para você por que gostei mesmo de você!”. Depois disso, o defunto matou o rapaz com a mesma pá que o enterrou na mesma cova onde esteve. Nas semanas seguintes, o defunto amaldiçoado contou sua história para cada um dos que participaram daquele ritual idiota, mas, os enterrou em buracos muito mais fundos... Acho que ele realmente gostou de mim. Pois é, acho que você já tinha adivinhado que o garoto da pá era eu... Acordei com muita terra fofa sobre mim e não foi difícil sair de lá. Tenho tentado viver minha vida com a dor e o desespero que sinto. Nunca fui muito esperto, mas, também não sou uma má pessoa. Demorei quase vinte anos para decidir que isto tinha que acabar... Dói demais, você vaio ver que em algum momento você vai estar fazendo o mesmo que eu. Se você tiver sorte, acordará antes de te enterrarem, se é que se pode chamar isto de sorte. Eu já sinto a dor em meu peito diminuindo, não gosto de cemitérios, acho que vou embora agora e escolher outro lugar para morrer outra vez, desta vez, descansar em paz. Desculpe mais uma vez, mas você verá que não existe outra escolha. Verá que quando a dor luta contra a razão a dor sempre vence. Quando você quiser se libertar, contará a sua história, talvez com pedaços da minha por que agora nossas histórias são uma história só... Espero que seus três amigos te aceitem de volta pela manhã...”

Em uma noite escura, um homem morto a muito tempo sai de uma capela deixando um rastro de cinzas negras atrás de si para morrer uma última vez apenas a alguns metros do local, no mesmo instante, um senhor bem vestido abre os olhos dentro de seu próprio caixão, sentindo a mais agonizante dor em seu peito que seria possível alguém sentir, carregava em suas memórias a história que acabara de ouvir e muito rapidamente decidiu que deveria contá-la a todo custo para os primeiro sete azarados que cruzassem seu caminho.

Longe dali, em cemitérios espalhados pela cidade, os gritos de outros seis ouvintes amaldiçoados serão ignorados por anos, até que algo possa os libertar das grossas paredes de mármore com que foram cercados, como eles muitos esperam ser libertados para que possam também contar suas próprias histórias...

=NuNuNO==

(Que precisava contar isso para alguém...)

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 30/06/2013
Código do texto: T4365947
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