LIZANDRA (parte 1)

A casa foi posta à venda assim que Lizandra morreu. Tinha sido uma bela mulher em sua mocidade, e assim permaneceu até a casa dos vinte anos. Mas, a partir de então, destruiu sua beleza em meio aos mais variados vícios e rancores. Maldosa ao extremo, sentia um prazer imenso e intenso ao ferir, tanto por palavras e gestos quanto por ações. Gostava de causar dor às pessoas, tanto dores emocionais quanto as propriamente físicas. E assim dissipou sua beleza até não restar mais nada. Gastava inteiros os seus dias, e boa parte de suas noites tramando maldades. Quando chegou aos cinquenta anos, parecia ter setenta. Envelheceu muito mal, como se toda a crueldade que trazia no coração tivesse sido impressa em sua pele precocemente enrugada e em seus cabelos embranquecidos, que pareciam mais a teia de uma aranha milenar. Nem caíam, mas flutuavam ao redor do rosto cadavérico. As crianças tinham medo dela. E era um medo necessário, assim como a distância a ser mantida de suas garras vis.

Um dia, com quase oitenta anos – e aparentando mais de um século de existência –, a infeliz morreu. Ninguém chorou por ela. Os parentes, que desde muito tempo antes não tinham contato com ela, apareceram para tomar as providências do enterro. Não houve velório. Menos de dez pessoas, todas ligadas a ela unicamente por laços de sangue, estavam presentes ao lado da cova quando o caixão foi descido. Não havia testamento. De comum acordo, dividiram o espólio em partes iguais, e trataram de colocar a casa à venda.

Já faz vinte e dois anos. A casa continua com a placa de “Vende-se” afixada no gramado em frente à residência, uma casa grande e bonita (depois das reformas feitas para que pudesse ser vendida) onde Lizandra morara sozinha por décadas. Na verdade, a edificação chegou a ser vendida por três vezes, mas em todas elas os compradores desfizeram o negócio. A alegação era sempre a mesma: era impossível morar ali.

O que os corretores jamais informavam aos que pretendiam se tornar donos daquele endereço era um detalhe apenas, mas que fazia toda a diferença. Lizandra tinha sido a dona da casa, e depois de morta passou a ser parte do patrimônio. Era um mal móvel dentro do bem imóvel. Um mal atuante, de opressiva presença. Sua malignidade impregnava cada vão e cada reentrância da casa. Podia ser ouvida, e até mesmo vista – quase sempre de relance –, caminhando curvada pelos aposentos, como um sinal de interrogação macabro.

Foram feitos diferentes trabalhos de exorcismo no local, primeiro por dois padres e depois por um pastor. Nada deu resultados positivos. Representantes da Ciência também deram o ar da graça naquela desgraça de lugar, mas também não tiveram êxito. Lizandra, ao que parecia, não poderia ser tirada de lá. Até que o homem de sobretudo índigo apareceu. Ele disse que poderia convencê-la a se retirar, pacificamente e para nunca mais voltar, e então a casa poderia ser vendida. Os corretores concordaram, e quiseram saber quanto custaria. O preço era surpreendentemente baixo, e fecharam negócio.

Quando a noite chegou, apenas o homem trajando azul estava na casa, a julgar pelo que os olhos podiam ver. Mas ele não estava só...

(Continua...)

CELSO MORAES
Enviado por CELSO MORAES em 01/08/2013
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