O Entalhador de Lápides, parte II - O caminho dos ratos

Enquanto a confusão ardia lá na frente, eu me escondi atrás de uma máquina caça níqueis.

No final, todos foram levados, menos eu.

Era hora de sair dali, mas seria visto se saísse pela porta, então me lembrei do dia em que Seu Júlio abrira o cassino no subterrâneo do bar, ele me mostrara o mecanismo que fazia a cristaleira mover-se para o lado e também o alçapão sob a mesa de bilhar, minha única salvação.

Andei pelo lugar desolado até a mesa de sinuca, empurrei o pesado objeto um ou dois metros à frente e vi o alçapão sob meus pés. Levantei a tampa de madeira para cima que soltou um rangido. Olhei para baixo, o cheiro pútrido de esgoto me dava náuseas, mas eu tinha de sair dali! Agarrei-me à escada de madeira que descia pelo buraco e segui em frente, senti a água malcheirosa banhando meus pés, caminhei pelo túnel iluminando o caminho com a luz do celular, fazia frio ali dentro e ouvia os carros passando na rua acima de mim, mas de repente parei, pois o túnel se ramificava para a esquerda e direita e também seguia para frente. Nesse momento eu já não sabia mais o que fazer, não sabia para onde mais andar. Não podia voltar, Poderia ter polícia me procurando lá em cima, mas também não podia ficar cozinhando o tempo ali, e se eles descessem pelo alçapão que eu esquecera aberto e viessem atrás de mim? Não, eu não podia fazer isso... E se eu escolhesse um dos túneis para seguir em busca da saída? Não, eu poderia me perder e, daqui a no mínimo vinte anos alguém poderia encontrar uma pilha de ossos no chão, com um celular em cima.

Mergulhado em dúvidas e abraçado pela escuridão, cansado, estendi o braço para me apoiar na parede da direita, SORTE! Senti minha mão tocando num papel preso e levei a luz do celular até ele. Li a seguinte mensagem: “Na dúvida, siga o caminho dos ratos”. Logo notei uma trilha de ratos de esgoto caminhando tangentes à parede, e depois viravam para a ramificação da direita. Refletindo um pouco, mas sem ter nenhuma outra opção, arranquei o papel, enfiei no bolso e segui a fila de roedores.

Poucos minutos depois eu olhei para cima e vi um rombo no teto, grande o suficiente para eu passar por ele. Depois de um tremendo esforço eu consegui agarrar-me as bordas incertas do buraco e surgi dentro de uma grande caixa de mármore, eu tinha um corte em cada uma das mãos, lá embaixo no esgoto a trilha de ratos ainda seguia seu caminho. Pus-me de pé e agarrei-me as bordas de mármore branco do cubículo que eu estava e lancei-me para fora. Era um túmulo aberto! Eu estava no cemitério da cidade.

Do outro lado da rua as pessoas flagradas pela polícia entravam em fila nas viaturas, entre eles Cláudio, Seu Júlio, o homem de terno risca de giz e outros, porém não vi a bela Helena e nem o estranho homem gordo que perdera o jogo. Não vira na fila, junto com os outros, mas ele passava na minha frente, arrastando a imóvel Helena pelo chão com uma estaca de madeira enterrada entre seus olhos. Eu me escondi atrás de um túmulo de mármore negro, não muito grande, uma sensação de pavor queimava-me por dentro, era terrível, meus braços tremiam e não me obedeciam. O homem levou a bela moça até uma cova aberta com um caixão dentro, arrancou a madeira de sua cabeça fazendo um “CRACK” e seus cabelos loiros tingiram-se de vermelho. Jogou a desfalecida mulher lá dentro e fechou o caixão, depois pegou uma pá e completou a cova com terra.

O trabalho estava feito! A lápide do túmulo dizia: “Helena Borges Sobrinho”, também continha sua data de nascimento e de falecimento, o dia em que estávamos.

O homem mudou sua atenção para a lápide ao lado, na frente dela mais uma cova aberta com um caixão dentro. Ele levou a mão ao cinto e de lá pegou algumas ferramentas de entalhe, trabalhou naquela lápide vazia por uns dez minutos, eu o observava atônito. Quando ele se levantou e deu o último sopro para afastar o pó, a sensação que me dominou foi pior do que todos os meus pesadelos, que todos os meus medos e minhas angústias.

“Paulo Victor da Silva Drummond”

Era o que ele entalhara a lápide, era eu! Era o meu nome! Minha data de nascimento e morte, o dia de hoje! Era pra isso que ele pegara minha identidade, para saber quem eu era!

— Eu sei que você está aí! — O sinistro homem virou-se na direção do túmulo que eu estava escondido e foi caminhando até lá, eu me agarrei rente ao solo banhado pela penumbra da noite, ele não me percebera, passara direto. Percebi que ele segurava um pequeno martelo na mão esquerda, pequeno sim, mas ameaçador! — Apareça, e meu mestre lhe oferecerá uma morte rápida, não adianta se esconder, ninguém pode se esconder dele, NINGUÉM! — Ele estava de costas para mim, tentando me encontrar, eu ainda estava deitado no chão de terra, a lua jogava sua luz prata sobre o homem. Achei por bem sair dali, se ele se virasse ia me ver. Levantei o corpo com a força dos braços, trêmulos, me fizeram cair novamente sobre a terra, mas ele não percebera. Eu não tinha tempo, o homem varria todo o local com olhos de lince. Consegui erguer-me novamente, dessa vez não caí, porém ouvi o pior som que poderia ouvir naquele momento: “CRECK” Um graveto partira-se sob meu pé, nessa hora eu já estava entregue.

Ele se virou, ele me vira! Seus olhos azuis fitavam-me de ponta a ponta, com um apetite de morte insaciável no olhar. Ele avançava erguendo o martelo acima da cabeça. Soltou um riso sinistro enquanto andava. Eu não me mexia, nada, minhas pernas e braços estavam mais inúteis que os cadáveres ali enterrados, vi que a morte se aproximava aos poucos, sentia o ar pesado, gélido, triste e sem vida.

CONTINUA...

Marcel Sepúlveda
Enviado por Marcel Sepúlveda em 01/08/2013
Código do texto: T4414451
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