O Entalhador de Lápides, parte III - Final

O homem parou há mais ou menos um metro de mim, um sentimento horrível consumia-me, fazia-me escravo do medo. O sinistro ergueu o martelo que brilhou quando foi atingido pela luz da lua e, desceu a ferramenta na vertical contra mim em velocidade, mas, no último segundo, no último instante, no momento em que ele achava que ia levar mais um corpo, eu me ergui do solo com uma força que não sei de onde veio, o golpe passou raspando pela minha costela esquerda.

Disparei para o portão, a saída ficava maior à medida que eu avançava, via a luz dos postes lá fora, via as viaturas indo embora e me questionava se eu não estaria mais seguro dentro de uma delas. Eu já estava a poucos metros da saída e o maníaco vinha atrás com sua sede de morte e, na minha frente, saindo do ralo perto de um túmulo, a ninhada de ratos de esgoto que antes me ajudara, bloqueava o meu caminho e avançava feroz e lentamente contra mim, eu continuei correndo, a horda de roedores aguardava-me e o homem parara de me perseguir, apenas assistia a tudo. Os ratos saltaram sobre mim quando passei por eles, caí, eles roeram-me a carne, o rosto, os braços, pernas... Era uma dor insuportável, não havia casas por perto, éramos apenas eu e os mortos ao meu redor. Rolava no chão tentando me livrar dos animais, porém era inútil.

Olhei para cima e percebi que o homem caminhava até mim, com um olhar sombrio afastou os bichos do meu corpo e, com um sorriso orgulhoso, acertou-me uma pancada com o martelo. Apaguei.

Acordei novamente quando fui jogado no meu caixão.

— Você deve estar se perguntando, por que eu não me entreguei para a polícia? Por que isso está acontecendo comigo? — Debochava ele com estranha alegria no olhar.

— Você é doente!

— Não, não. Eu sou um servo, um servo fiel às ordens do meu mestre. — Disse ele — Eu trabalho por ele, eu VIVO por ele. Eu não sei se você percebeu, mas fui eu quem chamara a polícia, fui eu quem armara tudo, fui eu quem pregara o papel na parede do túnel de esgoto. “Na dúvida, siga o caminho dos ratos” — Ele riu repetindo a frase. Pegou a tampa do meu caixão ao lado da cova, ameaçava tampá-lo — Como você é idiota! Mas acho que em uma coisa nós dois concordamos, é bem melhor estar preso em uma cela que em um caixão.

— Não! Por favor! Tenha misericórdia! — Eu suplicava olhando nos olhos do maníaco enquanto ele ria incessante e ferozmente.

Não dera importância ao que eu suplicara, em vez disso sussurrou para si mesmo, mas eu consegui ouvir.

— Aqui está o que ordenara, mestre. — Algo começou a mover-se por dentro da manga direita de seu casaco, um enorme roedor subia-lhe pelo braço e caminhava pelos seus ombros — Faça bom proveito dele amado meu, eu vou... sentir saudades.

Tristemente, o homem jogou o rato gigante em cima de mim e tampou o caixão, meu corpo inteiro arrepiou-se enquanto aquele monstro caminhava sobre mim, eu gritava, mas não era ouvido, estava escuro lá dentro e ouvia a terra sendo jogada sobre a tampa do caixão. A minha mais nova companhia fazia dos meus braços o seu jantar, eu tentava afastá-lo, esmagá-lo contra as paredes de madeira em movimentos limitados pelo pouco espaço que eu tinha, mas ele se esquivava e me mordia mais.

Porém, depois de horas travado numa luta incessante com aquele rato, eu me conformei, sim, me conformei com o destino que recebera, mas o que eu poderia fazer?

Já me habituara com meu novo lar, tentei manter-me calmo imerso às trevas daquele local. Numa tentativa de afastar o roedor eu apalpei o bolso da camisa e senti o papel que encontrara no esgoto, foi aí que me veio a idéia de registrar tudo o que estava acontecendo comigo, puxei minha caneta do bolso de trás da calça com alguma dificuldade, ativei a lanterna do celular e agora escrevo aqui, nesse papel. Não possuo mais carne em minhas pernas, são apenas ossos. Tento afastar o roedor enquanto escrevo. Está ficando cada vez mais difícil respirar, sinto a morte chegando. Se tiver alguém lendo isso, obrigado por me acompanhar até aqui.

***

Há poucos dias, funcionários do cemitério municipal abriram a cova de um tal de Paulo Victor, nela encontraram uma pilha de ossos em estado pútrido e um rato gigante morto ao lado, em cima dos ossos do homem, um papel escrito algo sobre caminho dos ratos, no verso, uma história terrível.

Marcel Sepúlveda
Enviado por Marcel Sepúlveda em 03/08/2013
Código do texto: T4417117
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