A palestrante


Como todo final de ano a empresa onde eu trabalhava promovia uma semana de integração e confraternização entre os funcionários com dança, teatro, musica, shows e muitas palestras.
A empresa tinha por volta de 300 pessoas incluindo gerentes até o pessoal da limpeza que era terceirizado. Todos nesses dias tinham o mesmo tratamento.
As atividades eram separadas por período, de manha tínhamos gincanas junto com alguma coisa cultural e a tarde sempre eram as palestras.
Naquele ano o pessoal incrementou, inovou, tudo estava muito bom era gostoso passar o tempo com os colegas e também conhece los, eu era o gerente de finanças portanto o mais tenso e estressado, por conta da responsabilidade.
Era o terceiro dia e como nos outros de manha tivemos  eventos culturais e a tarde palestra, mas aquela tarde foi diferente.
Uma mulher, que hoje não ouso pronunciar o nome, foi falar conosco de motivação profissional.
Ela era estranhamente linda, hoje digo estranhamente mas naqueles dias o linda me bastava não só a mim mas a todos os homens daquela empresa e porque não dizer também algumas mulheres.
Sua beleza encantava tinha os olhos grandes um preto como jabuticaba e o outro tão azul quanto o céu ao meio dia em um dia de sol, o que chamava muito a atenção, cabelos castanhos claros e longos,  podia se dizer porque sempre estavam presos  a duas lanças feitas de madeira trabalhada, era alta como dificilmente se via mulheres serem, e tinha um tom de pele que radiava luminosidade.

Passou conosco três tardes, confesso que o mais interessante em sua palestra era ela e sua voz mediamente grave e que soava calma e penetrava em nossas mentes.
Era o ultimo dia, diferente dos outros estava nublado e muito quente, sem dizer do vento que assoviava por toda manhã. Mais uma tarde com ela e seria o fim das comemorações, e que fim!
De manha tivemos show e teatro, a tarde seria a palestra e no enceramento uma enorme queima de fogos de artificio, bem era pra ter sido assim...
Logo após o almoço seguimos para o salão onde aconteciam as palestras, enquanto todos se acomodavam ela chegou. Com uma enorme mala, guarda chuva, capa de três ou mais camadas, parecia estar mais alta do que de costume.

Foi entrando e logo dizendo que aquela ultima tarde seria a mais especial de todas inesquecível, onde nossos caminhos se cruzariam com o dela e que nossas almas encontrariam motivo para  viver.
Com tantas palavras bonitas e entusiasmadas todos nós a aplaudíamos como se ela fosse o melhor de nós, como se fossemos maquinas obedecendo a comandos.
Começou falando de vida e morte, estar ali e ter sorte, na hora não entendi, mas hoje sei que quem ali não estava e que teve sorte. 
Meia hora de conversa e o vento começava a atrapalhar nosso momento, entrava pelas janelas e por todas as fendas que ali houvesse e nos envolvia em círculos, as pessoas começavam a temer a situação principalmente as mulheres. Portas e janelas começaram a ranger e enquanto o medo era visível em nossos rostos dela deixava surgir estranhos sorrisos enquanto nos pedia calma dizendo que tudo estava por acabar; medos, pressa, indecisão, e continuou dizendo; sonhos, desejos vidaaaaaaaa...
Quando disse a ultima palavra aquela voz grave e calma se transformou em graves agudos, dentes podres e afiados surgiam, um mau hálito que empesteou o ambiente, os olhos antes admirados agora assombravam com suas pupilas exageradamente dilatadas. 
As pessoas gritavam e tentava correr fugir, eu também, mas com o levantar do dedo ela fechou qualquer passagem que houvesse, gritos de pássaros surgiam, seus cabelos soltos envolviam algumas pessoas como presas em teia de aranha, do guarda chuva corvos brotavam e faziam um som estridente, a capa rodopiava pelo salão fazendo pessoas se tornarem queimarem e virarem cinzas.
Eu tentava me esconder, fugir, mas nada adiantava, suas mãos tomaram tamanho gigante e das unhas vermes escorriam. Disse que limparia nossos corpos com fogo as cinzas dos já queimados se misturavam ao vento que nesse momento a muitos já cegava.
Suas pernas estavam esqueléticas, os pês imundos e gosmentos com dedos enormes. Eu e mais três colegas tentamos fazer algo lançando cadeiras, caderno de anotações, mas ela se desviava com muita  agilidade, andava pelo teto sugando a alma de mais algumas pessoas, era horrível, tenebroso horripilante, assustador e todos os outros adjetivos assombrosos.
Seguiu para onde eu estava, vomitava enquanto pronunciava palavras que eu não entendia e nem queria saber o que significavam.
O dia virou noite dentro do salão, muitos já haviam morrido e parecia que ela procurava por alguém em especial e pude perceber que esse alguém a preocupava, ela temia essa pessoa de alguma forma. De 300  já não éramos mais que meia dúzia e entre nos estivesse talvez o que poderia salvar  o mundo.
Mais mortos já éramos 5, os corpos que não sumiram feito cinza no vento estavam largados no chão, uns secos parecendo embalsamados, outros embebidos em sangue próprio e de outrem sem seus órgãos vitais.
Éramos 4 e ela nos cercava, rodeava, cuspia, seus olhos esbugalhados nos encaravam, os corvos nos bicavam, seu fedor nos fazia vomitar, aquela visão dantesca nos amedrontava mais que a própria morte quando de repente algo ela viu em meus olhos e pude ver que se amedrontou em um impulso que deu para trás.
Disse espumando algo marrom pela boca e com os dedos ensanguentados apontados para mim:
_ Você! Não! Você existe realmente!
_É o ultimo de luz não vai mais nos atrapalhar porque esse é seu fim.
E veio de braços abertos em um abraço me matar, mas quando  encostou eu a queimei, do nada fogo brotava de mim e  pra tudo que eu apontava se queimava, sem saber o que estava vendo fui para cima dela que tentou correr, mas foi barrada pelo fogo que agora ardia e dominava toda aquela cena.
Queimando ela dizias palavras impronunciáveis como se fossem códigos, o fedor que saia do seu corpo era ainda mais intenso, quando olhei para o lado os que estavam comigo também acabaram sendo queimados. Eu estava só vendo aquela cena que meus olhos não conseguem esquecer.
Alguns instantes depois chega a policia e os bombeiros, apagaram o fogo e viram apenas eu no meio de todo aquele horror, nada de corvos, pessoas nem daquela criatura, tentei explicar, mas não adiantaria, quem iria acreditar?
Hoje estou nessa cela condenado por incêndio criminoso, pelo homicídio de centenas de pessoas e ainda diagnosticado como louco.
Tentei explicar, mas cada vez piorava a situação, disseram que meu cargo havia me deixado louco e que pus fogo nas pessoas por raiva usando os fogos de artifício e tudo terminou assim.
Bem agora preciso ir, vou para mais uma sessão de choque elétrico que julgam tratar minha loucura,  mas no fim gosto porque é o único momento em que essas lembranças são trocadas pela dor.
Roberta Krev
Enviado por Roberta Krev em 14/08/2013
Código do texto: T4434298
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.