Horror na floresta
Por JJ DE SOUZA
 
“A vida feliz da idade do ouro foi sempre uma condição estranha a raça humana, seja por não tê-la reconhecido quando poderia tê-la desfrutado, seja por tê-la perdido quando poderia reconhece-la’
Rousseau.
 
 
            Há dois dias eu caminhava como um zumbi naquela floresta negra que circundava a grande cidade, sem água nem comida suficientes, economizava o pouco que eu tinha: dois pães e um cantil de água na metade, a minha boca doía de tão seca e as gengivas ardiam vermelhas e gomosas.
             A floresta parecia ser toda igual, árvores sujas de um verde seco, úmido, atmosfera transgredia o próprio espírito limpo da floresta. Sombrio,  principalmente ao entardecer, um verde escuro opaco, quase cinza, parecia amaldiçoada, nem se via o chão nem o céu, um enorme labirinto circular.
              Procurava o meu pai, perdido há semanas naquela floresta, nenhuma autoridade queria procurar um velho bêbado que sumia constantemente, as buscas estavam encerradas, fui até a delegacia, só ouvia respostas negativas.
            Sentei na pedra úmida, o calor estava transformando a minha roupa em uma peça molhada e grudada ao corpo, quase sufoca a minha alma, sentia sede e não podia beber, pois acabaria com toda a água.
                Parado no meio da mata fechada olhei para a pequena clareira onde dormiria, não tinham mais de um metro e meio, além da pedra onde estava sentado, havia um lençol de folhas e uma arvore caída, com um lápis preto risquei no pequeno caderno o desenho do caminho que andei, colocando coordenadas do GPS, logo chegaria noite.
            -Onde você está pai? – perguntei olhando para a foto.
            Arrumei o saco de dormir no meio do lençol de folhas, levantei o GPS pela ultima vez aquela noite, anotei o números, depois ascendi uma fogueira e senti um frio sombrio mesmo perto do fogo tímido que havia criado.
 Todo coberto, pois o frio congelava minha alma, minha vontade, meus sonhos. Brincava com meus pensamentos diante de tamanha solidão.
            Tomando o café pensei em todas as vezes que procurei o pai, bebia e sumia, sabia que o velho era trabalhador, apaixonado pela vida, nunca teve muita sorte, casou com uma bela mulher que sumiu no mundo, depois voltou para buscar o filho já com nove anos, bem que não quis sair de perto do pai, porém havia a justiça e os argumentos da mãe foram convincentes ela disse:
            -Diante do acontecido, agora tem que morar comigo – minha mãe estava trabalhando e casada com um escrivão de policia, com o  meu pai  ela nunca casou.
 O velho só vivia de bicos e em uma casa caindo aos pedaços.
            Eu estava no meio de estranhos, um dia em uma briga com a mãe gritei com raiva.
            -Sou igual ao meu pai.
            -Deve ser mesmo, preguiçoso, ordinário, não dá valor ao que a mãe faz por você. - Mãe e pai não devem falar certas coisas, foi à última vez que a mãe gritou comigo, depois não escutava mais a voz dela, respeitava só o que meu coração dizia, um dia volto para o meu pai.
            Quando terminei o curso de engenharia civil, passei em um concurso e entrei em uma repartição pública, casei e tive um filho, assim soube como era difícil ser um bom pai e viver a vida.
 Tive muitas dificuldades com meu filho, não conseguia que o menino melhorasse o seu desempenho na escola, as brigas com a mulher ficaram constante sempre discordância na educação do menino.
            Não entendia! Eu fui um pai presente.
 Ajudava nas tarefas da escola, tinha uma esposa cuidadosa, o que faltava aquele menino? Seria a falta da falta? Ou a geração atual não se importava com a presença, a gente só se importa com o que falta.
                Meu pai sempre trazia alguma coisa para mim depois do trabalho, doces, balas e figurinhas, coisas bobas que faziam muita diferença para mim. Os álbuns de figurinha, ele comprava um para cada um, cinema, praia, era outra criança, dividindo comigo esta vontade de nunca ter saído da infância.
               Está certo que depois ele sumia, ficava sozinho, sobrevivendo aqui e ali, mendigando ajuda de parentes e visinhos, esperando a chegada dele.
            Eu fui um pai diferente, me preocupava com a educação, com os dentes, com os livros. Estava trabalhando muito, minha mulher também, em busca de um conforto maior para a família, já estávamos morando em um apartamento grande e agora pensávamos em uma casa. Em meio à vida corrida o nosso filho estava com quatorze anos, me pergunto quando isso aconteceu?
            Quase dormindo, assustei-me, pois a floresta teve o silêncio perturbado por passos rápidos e vacilantes, fiquei sentando no saco de dormir, meu coração disparado, pensei em pegar na mochila a arma que trazia para me defender.
               De forma espetacular, como saída de outra dimensão, pulou na minha frente saindo da mata fechada uma mulher, com sangue nas mãos, caiu perto da fogueira.
            -Me ajude tem uma coisa, um louco no nosso acampamento, ele já matou três dos rapazes e está atrás de mim com uma faca, por favor, tenho amigos presos, torturados e alguns já estão mortos, ele tem um machado...Acho que é o demônio – gritou a pobre mulher, com a voz trêmula ,fraca, sua face pálida e desesperada demonstrava o seu sofrimento, o seu pulso estava rápido e fino de quem perdeu sangue, em uma mistura de palavras e choro, seus cabelos estavam sujos de sangue e lama, a sua pele fria e branca, ela usava apenas calcinha e uma blusa de dormir, as pernas riscadas pelos arbustos da floresta sagravam, porém o sangramento maior era  no abdômen, segundo vi era um ferimento fatal.
            Peguei o revólver no saco de dormir, carreguei e perguntei qual caminho seguir.
            -Ande rápido. – Ela apontou a leste e falou com a voz fraca - reto por ai, moço cuidado ele parece um mostro, Deus me perdoe, acho que ele tem chifres.
            -Ficarei com você, não se preocupe - procurei a maleta de primeiros socorros, ela deveria sofrer de uma alucinação, provavelmente usou drogas, pressionei com uma toalha o ferimento quando ela deu a ultima convulsão, tentei reanimá-la, mas  tarde demais, o ferimento no abdômen era extenso e profundo, estava morta.
               Fiquei com medo, com as mãos sujas de sangue entrei em pânico, olhei para o celular, ele não tinha sinal, precisava ajudar aquelas pessoas.
            Sei o que a imaginação faz com as pessoas, alguém tinha atacado aquela mulher, corri o que pude, rasgando a minha pele na mata.
               Quando cheguei vi o fogo a distancia, aos poucos me aproximei e fiquei olhando o fogo do acampamento dos jovens, umas bicicletas, duas barracas e uma mesa de armar, eu  respirava com dificuldade por causa da corrida, tive medo de olhar aquilo, vi aquela criatura medonha.
               Aquela criatura apavorante se mexia com destreza, usava uma calça preta e tinha o corpo musculoso, nas mãos braceletes de aço, nunca tinha visto nada tão honroso, nem em meus sonhos, com quase dois metros de altura, possuía focinho e chifres, seu corpo parecia ter escamas. O som dos gritos que vinham do acampamento poderia deixar alguém louco.
               O ser parecia concentrado, havia retirado os membros de um adolescente de cabelos loiros e colocado a sua cabeça sobre a mesa improvisada de armar,  com um gole de machado partiu o crânio , cuidadosamente retirou os olhos e alguma coisa dentro do cérebro, depois comeu, os olhos ele colocou em um colar que tinha no pescoço, virou repentinamente, parecia ter me farejado, senti um suor frio e um gosto amargo na boca, depois vomitei, caindo de bruços suando frio.
Não podia esperar mais.
            Pensei em chamar ajuda, procurei o celular no bolso, havia deixado no acampamento, além do mais não dava para esperar, estávamos dentro da floresta,  havia dois adolescentes nus amarrados no chão e mais três em um tronco, não podia esperar a chegada de ajuda, tinha que fazer alguma coisa, pois a vida deles corria perigo, andei devagar pela lateral do acampamento, sempre escondido  e fiquei de frente para o mostro, atirei três vezes bem no peito, depois mais duas vezes na cabeça, então ele caiu.
               Parecia morto, eu fiquei paralisado com a arma na mão, olhando para os lados e ouvido o choro dos adolescentes, dessa vez eles gritavam  histéricos pediam socorro, o estranho foi que ao ver aqueles meninos nus distrai-me uns segundo foi quando notei que a criatura havia se levantado e andava na minha direção,  eu não tinha mais munição, com as pernas presas pelo medo eu estava preparado para correr quando vi uma figura chegar por trás do monstro e atingir-lo pelas costas com um machado no crânio.
            -Pai – disse em um misto de euforia e medo.
            -Com esse tipo de demônio tratamos é com o machado -  ele falou e deu mais cinco machadadas.
            O delegado andou no meio da floresta, os corpos estavam alinhados, havia muito sangue pelo trajeto. Ele nem olhava para mim e eu já tinha contado a história três vezes.
            -Seu pai chegou e matou o monstro de chifres?
            -Isso, o monstro deveria estar estendido bem aqui com a cabeça partida, cadê o meu pai? – disse.
            -Aqui até agora só achamos o corpo de dez adolescentes, totalmente esquartejados, nem sinal do seu mostro de chifres Sr. Oliver, nem do seu pai.
            As algemas apertavam o meu braço.
            Ainda ouvi um policial falar baixinho para que só o delegado escutasse. O que ele disse foi horrível e tenho certeza que estava equivocado.
            -Ele sabe que o corpo do pai dele foi encontrado aqui há vinte anos?
            O delegado fechou os olhos e balançou a cabeça, suspirou e disse:
            -Que merda! A imprensa adora essas coisas.
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 25/08/2013
Reeditado em 25/08/2013
Código do texto: T4451445
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