Juntas para sempre DTRL

Olívia pisava fundo no acelerador pelas ruas traiçoeiras, o asfalto era castigado pela chuva forte, qualquer desvio de atenção e o carro poderia se enfiar em algum poste que iluminava a penumbra das duas da manhã. No banco do carona, Fernando berrava:

— Olívia, vai devagar!

— A minha mãe tá morrendo cara! — Rebateu a mulher, estressada — Eu tenho que levar ela para um hospital, e depressa.

— Ah Olívia, faça-me o favor né? Você nunca se preocupou com aquela velha, a verdade é que você nunca a amou, agora que ela está morrendo você tá aí, toda nervosin... O que é? Vai chorar agora? Pode chorar, que eu não tô nem aí. Foi você mesma quem a colocou naquele inferno, agora está com remorso, está?

Chegando ao asilo Olívia estacionou o carro de qualquer jeito e entrou, sim, a porta de entrada estava aberta, mesmo sendo duas da manhã. Porém, na recepção não havia ninguém, todo o prédio estava na mais perfeita calmaria, exceto pela chuva que batia forte nas janelas.

— Amor? — Disse Fernando, paciente, enquanto acendia um cigarro — Eu acho que não tem ninguém morrendo aqui não, está tudo quieto.

Olívia tinha os olhos perdidos no chão de ardósia, permaneceu desse modo por uns segundos, talvez refletindo, e, depois, explodiu:

— AQUELA VELHA MALUCA! ME FEZ SAIR DE CASA NESSA CHUVA À TOA! Argh, ela vai me pagar!

A mulher avançou em passos firmes para a escadaria que leva aos quartos, mas antes de subir o primeiro degrau, Fernando a impediu.

— Não Olívia, espere — Pôs a mão no ombro da namorada — Deixa essa velha em paz, ela não vale nosso tempo.

— Como é que é? Essa desequilibrada me fez sair nessa chuva por nada! Quem ela acha que é?

— Isso é coisa da idade meu bem, ela passa muito tempo sozinha, acho até que você deveria vir aqui visitá-la amanhã, com mais calma.

— Só se for para sufocá-la com o travesseiro!

— Ai Olívia... Vamos para casa.

Fernando levou a mão à maçaneta da porta para sair, Olívia foi logo atrás.

— O que aconteceu? — Perguntou Olívia.

— Essa merda está trancada — Fernando sacudia a porta para sair, mas nada a fazia abrir e, depois de quase um minuto esmurrando a porta ele concluiu — É, parece mesmo que essa velha está sacaneando a gente...

— Só pode!

Os dois então resolveram ir até o quarto da idosa; subiram a escadaria e seguiram pelo corredor que, assim como a recepção, era bem iluminado e conservado. As portas dos quartos colocavam-se frente a frente uma da outra durante todo o comprimento do mesmo, que era bem longo, e o quarto da mãe de Olívia era um dos últimos.

Ambos caminhavam decididos, quando, de repente, ao longe, ouviu-se um estalo e as lâmpadas do asilo, depois de um chiado, se apagaram.

O casal de namorados foi mergulhado nas trevas daquele corredor, Algo gelado subia vagarosamente pela espinha de Olívia, uma sensação ruim dominou-lhe: O mais profundo pavor! Ela apalpava a escuridão em busca do namorado, mas não o encontrava. A temperatura baixava pouco a pouco, Olívia podia sentir. Suas pernas tremiam, seus ossos vacilavam em sustentar-lhe o peso do corpo, e a temperatura caía cada vez mais, e mais, e mais... Seu coração pulsava acelerado e sua respiração ofegante era o único som ali. Até que, ouviu-se outro estalo e, por fim, a luz se espalhou subitamente pelo corredor; e Fernando caiu aos pés da namorada, com um objeto pontiagudo enterrado nas costas.

Olívia berrou de pânico com os olhos fixos no namorado banhado em sangue e, quando enfim juntou forças, isso durou apenas dois segundos, disparou para o primeiro quarto que viu.

Já lá dentro, girou a chave na fechadura e apertou o interruptor, o cômodo iluminou-se revelando uma cama desarrumada, ao lado dela um criado mudo e um velho careca com uma perfuração no peito caído no carpete com uma poça de sangue sob ele. Num canto, uma poltrona, e nela, Angelina, a mãe de Olívia.

A idosa, sentada com as pernas cruzadas, trajava um longo e elegante vestido vermelho e na mão segurava uma taça de vinho bem rubro. Os olhos perversos de Angelina fitavam a ofegante Olívia, que ainda estava com a imagem do namorado morto na mente

— Sua velha idiota! Foi você! Você matou o Fernando!

Angelina ergueu-se da poltrona com um sorrisinho e pegou do chão a garrafa com o vinho que estava bebendo, depois cumprimentou a filha com as seguintes palavras:

— Boa noite pra você também meu amor, que bom que veio me visitar, já fazem... quanto tempo mesmo? Três anos. Sim, Três anos que você não dá as caras aqui. — A idosa sorveu o último gole do vinho na garrafa e continuou — Quanto ao seu namoradinho, foi para ficar com ele que você me colocou nesse inferno não foi? Sim, eu o matei e antes de vocês chegarem eu matei todos esses velhos enquanto eles dormiam, uma única facada no peito foi o suficiente! Agora não temos mais ninguém para nos separar, agora estamos juntas e assim vamos ficar, para sempre!

A velha quebrou uma parte da garrafa de vinho na parede e avançou em direção a filha com o objeto de pontas irregulares. Logo no primeiro golpe, Olívia ganhou um corte no pescoço que tingiu sua camisa branca de vermelho, e o objeto cortante caiu no chão deixando um talhe na palma da mão de Angelina que, num único e súbito impulso, pulou sobre a filha sufocando-a com as mãos firmes em torno de seu pescoço, apertando sua garganta deixando-a sem ar, mas, antes de se entregar à morte, a astuta jovem agarrou o caco de vidro ao seu lado e, num golpe de sorte, o enterrou pela metade no peito da mãe.

As mãos enfraqueceram-se em torno do pescoço de Olívia e ela sentiu novamente o frescor do ar entrando em seus pulmões. Angelina tinha os olhos fixos na sua algoz. Da sua boca escorria um sangue espesso e, num último suspiro, a velha perdeu as forças e caiu sobre a filha que, antes de dar seu suspiro aliviado, sentiu uma fisgada no peito, era o objeto pontiagudo que não entrara completamente em Angelina, e agora enterrou-se em seu tórax com o peso da mãe.

Filha e mãe, que viveram vidas tão separadas, agora, por uma ironia deprimente, estarão juntas, para sempre, no inferno!

Marcel Sepúlveda
Enviado por Marcel Sepúlveda em 18/09/2013
Reeditado em 19/09/2013
Código do texto: T4487800
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.