Vaga-lumes.

A chuva se acumula nas folhas da velha árvore e dançando em gotas pesadas cai em minha face.

Mais um longo dia de luta e sangue.

Pilhas de homens mortos jazem nos campos. Entranhas se misturam a lama entre gemidos moribundos e o som do temporal.

Raios cortam o céu de chumbo, trazendo o meio-dia por instantes ao som de explosões.

O frio me domina enquanto à noite caí sobre o mundo.

Não sinto cansaço ou medo, apenas vazio e tristeza.

Qual o sentido de tudo isso? Por que jovens devem morrer como animais em um campo distante e sem nome pelas moedas de outro, esse por sua vez, velho e já farto do melhor e do pior da vida?

Qual o sentido?

Encolho-me tremendo de frio, enquanto a chuva lava os mortos e afoga os moribundos.

Vultos caminham entre os caídos, ladrões e saqueadores, retiram o que podem dos corpos e vez por outra, mesmo o último alento de algum infeliz é tomado.

Cães latem na distancia, disputando a carne morta, são tão idiotas quanto nós, os homens, pois há tesouros suficientes no mundo para todos, mas ainda assim, lutam entre si.

Fogueiras são acessas no acampamento do inimigo, enquanto os vivos são costurados e bebem para celebrar a vitória.

Vitória?

Qual?

Que glória há em tudo isso?

Amanhã tudo terá um novo começo e os que agora se afogam no vinho barato, se afogarão em outro líquido rubro.

Sinto-me só. Sei ter perdido minha honra e viço. Nada parece ter sentido ante os anos de matança, solidão e tristeza.

Sou um homem velho, sem pátria, família, amigos ou fé, que flutua ante as marés da vida como um traste qualquer jogado ao largo.

E mesmo ansioso pelo final, sou sempre aquele que permanece ao fim do dia.

O destino parece se deliciar em manter minha constante decadência em seu curso.

A tempestade se torna mais violenta. O ribombar dos trovões é quase ensurdecedor, mas ainda assim, eu ouço.

Ouço o som de um carro de bois, que singra oque agora se tornou um mar de lama rubra.

Sobre o carro, uma jovem mulher conduz a parelha de touros negros. Sua pele é branca como a primeira neve do dia, assim como seus longos cabelos.

Ela estaciona o veículo próximo à árvore e se ergue enquanto começa um cântico que a tormenta oculta de meus ouvidos.

Nos campos, várias luzes, semelhantes a vaga-lumes azuis surgem e a mulher começa a dançar enquanto continua sua canção.

As luzes lentamente começam a marchar em direção do carro, enquanto o cântico se torna mais veloz e a dança mais sensual.

Em pouco tempo o enxame de luzes cerca a jovem e então o cântico cessa e como se sorvendo o melhor hidro mel, ela as engole. Até não restar nenhuma.

As rédeas estalam e a parelha começa a se mover, tento me erguer e alcançar a jovem, mas apenas tombo de joelhos na lama rubra como um idiota.

Então ela me nota.

Sorrindo a jovem se acomoda no carro enquanto olha diretamente em meus olhos. Arrasto-me na lama devolvendo o olhar, mas o meu, é cheio de súplicas, enquanto o dela é vazio e cruel.

Implorando com o olhar, vejo apenas o movimento dos lábios, pois ainda não consigo ouvir a voz, mas entendo a resposta:

-Não...

Ponho-me a chorar, enquanto o carro desaparece lentamente na distante escuridão.

A noite começa a terminar com os primeiros raios da aurora, assim como a tormenta que estia de forma abrupta.

Sentado na lama e imundo, ouço o urrar da trombeta de comando.

Um cavaleiro envergando uma brilhante armadura monta um enorme corcel enquanto é seguido por milhares de garotos, tão jovens ou mais que ele.

Ergo-me com dificuldade e caminho em sua direção.

Mais um dia de luta e matança.

Mais luzes para serem consumidas por Hella.

TTAlbuquerque
Enviado por TTAlbuquerque em 09/11/2013
Reeditado em 09/11/2013
Código do texto: T4563165
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