O Amor Floresce na Macromegacidade... Infestada de Zumbis.

A cabeça de mais um deles explode com um soco. Quem se visse na mesma situação que esse homem ficaria mortalmente assustado, ainda assim, ele destrói mais um monstro com as próprias mãos.

Seu nome é Carls e ele não é um homem qualquer e quando outro zumbi se aproxima e ele esmaga o crânio com as próprias mãos fazendo pular seus miolos enegrecidos, sabe que este está fresco, pois se move com facilidade e tinha a carne toda no lugar ainda.

Lamenta por mais um humano perdido para as trevas.

Este homem, este caçador de monstros não é normal apenas pela sua falta de medo que mataria outros de terror absoluto, e quando de dentro do prédio da FIESP saem dezenas de engravatados cambaleantes e grunhindo Carls acha melhor sair de lá.

Ele foi o primeiro humano “transgênico” do ano de 2122 e que supostamente livraria o mundo das doenças genéticas. O homem que envelheceria tão lentamente que poderia ter a capacidade de viver por cerca de novecentos anos e que só poderia ser morto por altas doses de veneno, radiação, frio e calor intensos e que mesmo ferimentos infligidos pelo homem são curados rapidamente pelo seu organismo modificado. Um novo homem, o superhomem Nietzschiano, mas infelizmente isso desagradou gente poderosa.

Carls pode ser considerado um homem atraente ainda que não necessariamente belo, com aproximadamente 1,75 metro e pesando em torno de oitenta quilos não é musculoso, porém qualquer um que o tenha visto em ação tem que concordar que ele é forte, atlético e com reflexos admiráveis sempre reagindo rapidamente frente a qualquer situação de perigo, fisicamente é moreno claro e com estranhos olhos verdes perturbadores, com o rosto oval e a barba rala.

Seus cabelos castanhos sempre desalinhados estão na altura dos ombros e ele os mantém amarrados sempre em um rabo de cavalo curto. Costuma ser calado e tímido na presença de estranhos e quando faz amizade seu sorriso é fácil e franco

Seus criadores foram assassinados de maneira a não deixar pistas pelo poderoso Cartel da Saúde e as pesquisas abandonadas ou modificadas. Afinal, a quem interessa ter filhos perfeitos? Que nunca fiquem doentes?

Se todos quisessem descendentes assim em breve o Cartel teria cada vez menos poder, sem pessoas doentes para “tratar” e “curar”.

Logo, suas incríveis modificações genéticas que incluíam também velocidade sobre humana, força, audição e visão ampliada foram sendo gradualmente esquecidas e os grandes cartéis voltaram seu tempo e esforço em pesquisas para desenvolver a doença suprema, que incapacitasse gradualmente as pessoas, que fosse crônica, incurável, mas tratável, de maneira a criar dependência nos nove bilhões de seres humanos em medicamentos criados pelo Cartel da Saúde durante a maior parte de suas vidas. Não viram necessidade de destruir o “homem do futuro”, apenas o mantiveram vivo e volta e meia o testavam através de exames de sangue e físicos, bastando para isso demiti-lo de um emprego e admiti-lo em outro, quando ele passava por disfarçados “psicotécnicos” testes de saúde.

Passaram-se três décadas desde a criação de Carls e os anos de pesquisas geraram seu fruto maldito, um organismo artificial, que nenhum produto ou remédio natural poderia destruir, e eles o soltaram na natureza e para isso, como sempre, utilizaram a miséria do continente negro como vetor para a propagação do vírus.

Pobre, recentemente industrializado além de ter países envolvidos em intermináveis guerras, a África é um terreno fértil para a propagação do vírus e com medo de efeitos adversos como aconteceu com a AIDS séculos antes, que sofreu uma mutação e ficou mais branda sendo controlada em algumas décadas, o testaram nas mais diversas criaturas.

O único ser vivo que ofereceu reação ao vírus criado em laboratório foi o homem e contentes com o resultado disseminaram a praga em um aeroporto de Uganda e ele gradualmente foi se dispersando.

O Cartel da Saúde criou um soro que foi distribuído para todos os executivos e suas famílias e que garantia imunidade por cerca de seis meses, quando eles tinham de renovar a dose, sendo assim todos os que não foram imunizados sentiam dores nas articulações que iam se tornando mais agudas e logo eles mal podiam se mover, sua capacidade intelectual diminuía a ponto das pessoas se comportarem como crianças, ainda assim continuavam vivos e um estranho efeito colateral não previsto na criação do vírus era o aumento da fome. Especialmente a necessidade de proteína.

Carne.

Depois de dois anos deixando a humanidade sofrer e os biocientistas perplexos, o Cartel da Saúde “desenvolveu” um remédio inovador contra a “Imunossupressão Neurodegenerativa Associada à Ingestão Proteica Aguda” ou INANIPA na sigla popular.

Claro que os comandantes do Cartel riram muito disso tudo, afinal aquele nome pomposo dado por especialistas, apenas mascarava a batalha de alguns cientistas voltados para o bem de uma humanidade indefesa contra a ganância e o investimento que esse poderoso cartel teve.

Posteriormente, o Cartel da Saúde obteve outra vitória quando conseguiu ligar o vírus sintético ao da gripe fazendo com que a epidemia se transformasse em pandemia e sua propagação atingisse níveis mundiais e seus lucros, que já eram extraordinários em exorbitantes.

Foi nesse momento que algo deu errado.

A mãe natureza é ciumenta e logo retirou o controle da doença das mãos dos seres humanos arrogantes castigando a espécie toda por brincar com a vida. O vírus artificial se ligou a um inofensivo vírus animal de uma vespa chamada Vespa-jóia ou como é conhecida cientificamente, Ampulex-compressa. Essa vespa transforma baratas em zumbis e seu vírus se misturou com o artificial recombinando e gerando um terceiro organismo altamente letal com resultados imprevisíveis.

Com sua capacidade de transmissão aérea presenteada pela gripe comum e tão festejado pelo Cartel, o que era apenas uma doença crônica em alguns meses se torna o apocalipse pois apenas um terço da população é poupado, aqueles que por razões inexplicáveis são naturalmente imunes e em quem o poderoso Cartel da Saúde focava sua atenção em pesquisas para descobrir maneiras de infectar adequadamente e lucrar com a manutenção de sua doença.

Três bilhões de pessoas, espalhadas em um mundo hostil de maneira desigual. Desta vez, pelo menos, a natureza foi gentil com os negros tão usados, tão massacrados ao longo das eras e deixou seu continente com a maior parte dos imunes. A população negra por motivos que o Cartel não compreendeu até sua dissolução, em geral, é imune aos efeitos terríveis da doença que eles mesmos criaram.

Os outros continentes foram deixados à própria sorte pela natureza, e o Brasil com uma população de 265 milhões de habitantes tem apenas 10 milhões de pessoas imunes e outro tanto de não infectados.

Ou seja, uma horda duzentas vezes maior de zumbis ronda as pessoas saudáveis e chega a ser até pior em grandes Macromegacidades com mais de 35 milhões de habitantes como São Paulo, Rio de Janeiro e a Bahia, onde se calcula haver até 500 zumbis por cabeça.

Zumbis.

Essa é a palavra.

Destituídos de vontade própria, com alta capacidade infectante e famintos por carne, perambulam pelas ruas atrás de seu alimento favorito: o homem.

Se a África foi deixada relativamente em paz, a Europa e o continente americano, especialmente os Estados Unidos, foi totalmente devastado em alguns meses e os sobreviventes caçados pelos famintos zumbis. Os que não se transformavam por serem imunes logo morriam ou de hemorragia ou de infecções causadas pelas mordidas pútridas.

Quanto ao continente asiático não existem informações disponíveis ou confiáveis.

Carls não conhece sua origem, apenas percebeu desde a adolescência que era mais forte, resistente e nunca em sua vida ficou doente e que seus ferimentos cicatrizavam em alta velocidade e sendo assim passou uma vida solitária e mal completou seus estudos por ter que trabalhar pela própria sobrevivência em um mundo onde o Capital era mais importante que as pessoas e quando a praga zumbi teve inicio ele era apenas um pobre jardineiro tímido que admirava as rosas e a poesia.

Seu primeiro zumbi foi um homem de terno e gravata cinzento. Cuidando das plantas no jardim do seu patrão na Rua Doutor Arnaldo, ele notou o engraçadinho no gramado aparado e ficou nervoso, mas tentou ser educado com o homem que pisoteava a grama com ar avoado.

- Ei! Senhor? Poderia sair da grama?

Talvez pela distância e por ter falado relativamente baixo, como é seu costume habitual, ele não foi atendido. Tentou novamente, sem conseguir conter a raiva na voz.

- Ei! Dá pra sair da porra da grama?

Imediatamente o homem deixa cair à pasta barata e os papeis de seguro que estão dentro escapam levadas pelo vento, e ele se volta como um raio, fazendo Carls se arrepender de falar o palavrão.

O cara do homem jovem de cabelos rareando no alto da cabeça é uma máscara de ódio, coberta de sangue seco e com um fio de baba avermelhado escorrendo da boca e pingando de seu queixo lavando a lapela da camisa branca. Seus olhos focalizam o jardineiro e ele faz um som animalesco, impossível de ser reproduzido avançando como uma fúria para cima do rapaz.

- Ei! EI! Calma cara!

Carls é capoeirista e se esquivou com facilidade quando ele se aproximou, mas o homem de terno agarrou seu braço e nada o preparou para o que viria a seguida: foi mordido violentamente a ponto de ter a pele arrancada.

- AHHHHHHHHHHHHH! Filhadaputaaaa!

Carls o chuta longe e quando ele avança novamente o jardineiro tateia em volta pegando uma pá, cego de raiva, antes que possa perceber a pá já atravessou o espaço entre os dois, esmagando o lado da cabeça do homem de terno cinza.

Ele resmunga algo tentando estender as mãos na direção do jardineiro e cai morto fazendo com que Carls finalmente percebesse o tamanho do problema.

Ia ser preso e condenado.

Precisa fugir e rápido antes que alguém ouça e... Nesse momento percebe o barulho, a gritaria e o desespero que acontecem fora do pacato jardim que ele cuida com tanta dedicação.

Corre para a entrada da residência com o braço pingando sangue vê dezenas de pessoas de olhos vermelhos perseguindo e mordendo as outras pessoas que correm desesperadamente em todas as direções.

Um homem grisalho, provavelmente trabalhador de uma doceria pelo uniforme associado ao volume abdominal corre atrás de alguns meninos pequenos com idades em torno de uns cincos anos no máximo e suas mãos, Carls não pode acreditar, há uma pequena perna de criança parcialmente devorada e nesse momento o jardineiro é possuído por uma sede de vingança e vai atrás do homem gordo desferindo um golpe tão violento com a pá que este cai morto no mesmo instante.

Logo em seguida ele vê uma mulher tentando devorar uma jovem balconista de um café que se protege da investida da canibal com sua bandeja de metal fazendo com que Carls avance sobre a mulher e decepe o topo de sua cabeça com sua pá afiada e logo em seguida esmaga a nuca de um frentista de olhos injetados de sangue e mais uma pessoa a seguir e depois outra pessoa e mais outro e outros.

No fim do dia o jardineiro está na delegacia, preso por múltiplos homicídios, assim como um punhado de pessoas e assiste estarrecido o decreto de Lei Marcial, promulgado pelo presidente do Brasil alegando que um vírus mortal saiu do controle transformando pessoas sadias em bestas assassinas tomado pela fúria.

Mal sabiam eles...

A mutação do vírus protege algumas células da degeneração e outras se desfazem rapidamente de maneira que alguns zumbis duram alguns meses e outros, varias décadas.

O apocalipse zumbi atingiu o mundo e poucos sobreviverão a isso.

Agora o cotidiano de Carls se resume a sair todos os dias em uma bela Kawasaki 1800 cilindradas de cor preta, com um colete de couro com dois facões afiadíssimos enfiados em coldres, armas e duas granadas, mais algo para comer e muita, muita determinação para limpar a maior metrópole da America latina, São Paulo, dessa praga mortal despedaçando zumbis e resgatando os poucos sobreviventes imunes ou sortudos de não terem tido contato com praga e os levando para centros de abrigo existentes.

Com o colapso da civilização o governo não durou nem dois meses, dando lugar a grupos armados, sendo o mais poderoso o grupelho denominado “Soldados da Nação”, um grupo armado de ex-militares que agora vivem de extorsões e pilhagem dos grupos mais fracos e que detém a tecnologia da produção do Soro, que os cartéis liberaram, talvez tarde demais, para o publico e que os impede de se transformarem.

Carls consegue resgatar uma pessoa ou no máximo um pequeno grupo de pessoas por dia das mandíbulas insaciáveis dos zumbis e certa tarde de maio passeia pela Rua Conselheiro Zacarias, na região do Ibirapuera onde espera encontrar algum ser humano. Ao mesmo tempo tem que ser silencioso para não atrair grupos grandes de zumbis e também observador para perceber se alguma pessoa deixou pistas de sua presença.

Sua sorte é ser dotado de memória fotográfica o que o auxilia a perceber pequenas modificações em áreas onde já passou e ver se as mesmas foram feitas por pessoas ou desmortos.

Já havia decepado algumas dúzias de cabeças apodrecidas quando percebe uma seta desenhada com rímel azul em uma parede que não estava lá alguns dias antes. Ele caminha junto à parede e na entrada da Rua Veneza observa uma multidão de mortos vagando sem direção. Em alguns poucos segundos ele conta mais de trezentos, algo estranho para aquela região da cidade.

- Droga.

Em um muro despedaçado há outra seta desenhada apontando para a casa. Ele sente o cheiro antes sequer de ouvir qualquer som, um dos muitos zumbis se aproxima vagarosamente e ele faz um arco com seu facão debulhando a cabeça fétida no chão.

Uma senhora morta já há alguns meses dado o grau de decomposição, ela não grunhiu por que tem um buraco em sua garganta.

-“Traqueostomia” – pensa ele.

A maioria dos zumbis é idosa por que eles são a parcela da população que tem mais dificuldade de fugir dos zumbis, sendo transformados com grande facilidade por eles e após limpar na bainha de sua calça o sangue fétido, o caçador e começa a escalar uma parede íngreme de uma residência que deve ter pertencido a uma família rica de São Paulo.

Salta de telhado em telhado até conseguir entrar na casa com o muro derrubado. Lá dentro há cerca oito defuntos que o cercam e ele os despacha em segundos e olhando em volta, percebe dezenas de corpos nos mais variados graus de putrefação, todos abatidos de maneira semelhante. Com uma bala na cabeça.

Agora Carls já sabe o que atraiu semelhante multidão de andarilhos mortos de uma só vez.

- “Eles devem ter vindo atrás de alguém aqui e foram abatidos a tiros”. “Só que os tiros atraíram mais deles ainda”.

Entretido em seus pensamentos ele não percebeu a aproximação sorrateira por suas costas, do tipo que um zumbi nunca conseguiria e apenas deu por si quando o cano frio tocou sua nuca.

- Quem é você?

É uma linda voz de mulher e o caçador de monstros se move rapidamente como um felino segurando e levantando o cano da arma para cima, encarando a moça ferozmente e fazendo sem querer com que ela atire com o susto.

- Merda!

É a pessoa mais linda que ele já viu em sua vida.

Uma maravilhosa mulher de compridos cabelos castanhos escuros, lisos e com uma trança comprida que deita sobre seu ombro forte, com cerca de um metro e sessenta e cinco de altura e uns quarenta e nove quilos, tem um corpo magro e um rosto anguloso com lindos olhos castanhos amendoados emoldurados por sobrancelhas finas e os cílios mais longos que ele já viu e com lábios pequenos e apertados de medo que praticamente imploram por um longo beijo. Pequena e atlética, magra, porém com curvas ocultas e apenas insinuadas na roupa escura, usa botas, e na cintura carrega três armas calibre 38.

Imediatamente Zéfiro se vê apaixonado imediatamente e percebe nela uma guerreira como ele.

O caçador a empurra de volta para o interior da casa e imediatamente dezenas de zumbis invadem o quintal derrubando mais pedaços do muro e esmurrando as paredes e as portas logo se concentrando por instinto na porta de metal fosco que não vai resistir por muito tempo.

- Existe outra saída? – sussurra Zéfiro.

Ela balança a cabeça negativamente, ainda que apontando a arma para ele, sabe que é sua única esperança agora de sair viva daquela casa e Zéfiro prende a respiração, nunca em sua vida havia visto uma mulher tão linda. Seu coração parecia nunca haver batido até o momento e agora estava totalmente entregue a uma desconhecida.

Ainda assim o momento é crítico, não pode ficar divagando, pois uma legião de mortos tenta invadir a casa e se conseguissem pegá-los iam lhes devorar até os ossos e Carls já pode escutar a porta sendo balançada em seu batente de ferro e cedendo em alguns pontos.

Pega a moça pela mão e sobem as escadarias do sobrado logo chegando ao alto veem o quanto sua situação é desesperadora: algumas centenas de zumbis forçam a porta e onde ela foi arrombada já enfiavam suas mãos descarnadas tateando por dentro de onde o batente foi arrancado.

- Meu Deus! Vamos morrer!

As lágrimas correm pelo rosto da moça.

Carls, imperturbável, corre com ela até os quartos que dão para o os fundos do imóvel, olham para baixo pela enorme janela antiga de madeira e veem que os zumbis também ocupam todo os fundos do terreno e ao verem o casal na janela estendem os braços apodrecidos grunhindo feito feras em sua direção.

Os dois escutam o estrondo da porta de ferro caindo na cozinha do piso inferior e o caçador não pensa duas vezes antes de correr e trancar a porta do quarto e em seguida arrasta um armário de madeira maciça para bloquear a passagem dos mortos.

A jovem está em prantos.

Novamente o caçador corre até a janela e observa os arredores percebendo que depois do quintal nos fundos, a aproximadamente uns dez metros de distância há uma pequena laje do que parece ser uma lavanderia. Ele sabe que é arriscado, ainda assim é melhor do que esperar pela morte certa nas mandíbulas dos zumbis.

- Vamos pular.

Os lindos olhos castanhos da jovem se arregalam.

- Você tá louco? Não dá pra pular essa distância a gente vai cair e... EI! Me soltaaaaaa!

Alheio aos zumbis que já haviam descascado a porta e tentavam atravessar o armário batendo e arranhando violentamente seu fundo e que provavelmente não vai resistir muito tempo a essa investida, ela agarra a moça pelo colo e a joga com toda sua força pelo espaço rezando para que ela não quebre o pescoço na queda. Ela atravessa os dez metros com um grito agudo, e aterrissa rolando na laje. A porta do guarda roupa se abre e de repente um homem alto de porte atlético com um sutiã enganchado no pescoço entra no quarto grunhindo. Seria engraçado se ele não estivesse acompanhado por vários outros que entram emaranhados nas roupas do armário.

Carls salta do beiral da janela aterrissando exatamente de pé no muro que separa os fundos da propriedade enquanto os zumbis se encavalam no muro e os que invadiram a casa começam a cair por sobre os outros através da janela na tentativa de alcança-lo.

Olhando para baixo, o caçador percebe o risco a que expôs a linda garota.

Uma armadilha elaborada para não deixar nenhum zumbi entrar. Esta foi a tentativa dos donos da casa de se protegerem dos seres mortais forrando o chão de barras de ferro com as pontas serradas e lixadas até se tornarem agudas como estacas.

Com outro salto calculado ele para sobre a laje da lavanderia e a jovem se levanta com os braços ralados.

- Seu louco filhadaputa! Você quase me matou você... Você...

Ela arregala os olhos e se aproxima dele e os dois se beijam e sem nem entender qual o motivo, porém segundos depois ela o empurra violentamente aparentando estar muito confusa.

- Bem, isso foi estranho... Ah, eu me chamo Valencia.

Por dentro de seu corpo Carls vibra, mas ele sabe que ainda estão em perigo então ele se apresenta rapidamente e a pega no colo.

- Não grita. – pede ele.

Pula com ela da lavanderia de quatro metros de altura direto para o chão e imediatamente apura o ouvido atrás de sons ou vestígios de mais mortos daquele lado do terreno.

Nada.

Pega Valencia pelas mãos e percorre o terreno da casa silenciosa de lá saem para a rua ao lado onde o caçador corta alguns andarilhos e proíbe Valencia de atirar em um que chega perigosamente próximo.

- Você atrai mais deles assim! Tome.

Entrega nas mãos da jovem um facão afiadíssimo e eles continuam despedaçando os zumbis até chegarem à moto do caçador, montam e de lá, vão para o Centro de Sobreviventes no antigo edifício Copan, no centro de São Paulo.

Logo são mais do que amigos, tornam-se amantes e Carls leva a ex ajudante de cozinha para longos passeios pela cidade morta, sente que finalmente encontrou a mulher de sua vida apenas ficando triste por que o mundo teve que acabar para que isso acontecesse.

Naquele frio dia de agosto eles resolvem entrar em um grande atacadista Wal-Mart e tem que lidar com algumas dezenas de zumbis andarilhos e outros que como eles tentaram entrar para buscar alimento dentro do lugar dominado e não foram bem sucedidos.

Logo na entrada Valencia faz barulho e pelo menos dez zumbis em vários estágios de decomposição se aproximam e Carls acaba com eles rapidamente. Ela faz barulho mais alto e nada. Os dois entram no mercado silencioso e escuro e caminham com todo cuidado, sabem que os mortos muitas vezes não escutam o barulho pelo apodrecimento de seu canal auditivo, mas o cheiro dos humanos os atrai.

Carls e Valencia não perceberam que eram observados de longe através de binóculos, por dois homens bem armados e que depois de vê-los invadir o mercado, sorriem maldosamente um para o outro e atravessam a Avenida Aricanduva a caminho do mercado.

Dentro do centro de compras a todo o momento algum zumbi os ataca entre os corredores e eles tomam muito cuidado para não atirar lá dentro, ou podem acabar chamando a atenção de todos os mortos para si. Os homens entram e na mão de um deles há uma metralhadora, querem o controle do lugar e tinham prestado muita atenção na beleza da moça com seus lindos cabelos negros e escorridos. Tinham planos para ela também depois de assassinar seu parceiro.

Valencia pega um carrinho e começa a colocar alimentos de primeira necessidade para levar para o Copan e distribuir aos moradores da pequena comunidade humana no edifício, quando ela percebe um movimento as suas costas e se vira, um zumbi enorme mais de dois metros de altura e um facão encravado na cabeça avança sobre ela com as mãos estendidas. A pessoa que cravou o facão também abriu um talho em seu pescoço, de maneira que ele não emitiu som algum ao atacá-la.

Ela vira a arma apontando para a cabeça, mas o zumbi a derruba tentando mordê-la e Valencia acaba colocando sua arma entre os dentes apodrecidos do homem enorme, de maneira a tentar se proteger e o estúpido não para de morder o metal estourando os dentes podres, cujo sangue negro começa a escorrer da boca. Se ele sequer a arranhar e ela entrar em contato com algum fluído contaminado do morto, vai estar contaminada.

Algo, ou alguém suspende o zumbi por trás.

Ele agarra o cabo do facão cravado na cabeça do morto e termina o serviço, partindo seu crânio em duas partes como um melão apodrecido. Sorri para sua amada lhe oferecendo a mão para ela levantar.

Ela lhe dá a mão enquanto escuta um estampido seco.

O aperto de Zéfiro afrouxa e ele cai ajoelhado, liberando a visão atrás de si de um homem de aparência suja e maldosa.

- Foge... – implora o caçador.

Ela faz menção de se virar, mas vê outro homem no lado oposto do corredor com uma metralhadora na mão.

- Nada disso gatinha! Faz tempo que a gente não vê muié! Você vem com a gente!

Ela percebe vários vultos se aproximando por trás dele e sorri. Eles acabaram de chamar a atenção de todos os mortos vivos do Wal-Mart!

Seu amigo que atirou em Zéfiro com um fuzil arregala os olhos!

- Cuidado ai! JAPA!

Mas é tarde demais um mar de mãos puxa o homem e dezenas de dentes se cravam em todos os pontos do seu corpo arrancando o tecido grosso da sarja camuflada junto com sangue e carne do homem imprevidente e do outro lado do corredor uma multidão também se aproxima e o homem com o fuzil começa a atirar também dando tempo a Valencia socorrer seu homem.

- Caco? Amor, consegue se levantar?

Ele responde com o sangue escorrendo da boca.

- Sim, estou melhor já! – olha em volta – Vamos escalar!

Eles sobem por uma prateleira, deixando cair garrafas de bebida alcoólica no chão enquanto escutam os gritos desesperados de socorro do homem com o fuzil enquanto ele é pego e devorado pela multidão faminta.

As prateleiras de bebida são coladas na parede e no alto existe um tipo de corredor estreito que pode levá-los para um galpão ou depósito e Valencia chega primeiro agarrando a grade com força começando a subir para o corredor. Algo grunhe baixinho nas sombras densas.

- Estamos salvos amor. – avisa olhando para baixo.

O caçador vê os olhos vermelhos saindo do escuro e não tem tempo sequer de gritar.

O Zumbi magro com uniforme da empresa e cara de adolescente ainda morde o antebraço da jovem e é imediatamente abatido com um tiro na cabeça por Carls, que desequilibrado cai, atingindo o monstro na cabeça e protegendo sua mulher sobre a horda abaixo sendo seguido pelo cadáver apodrecido do zumbi agora morto de verdade.

Valencia grita de dor e medo, vendo convergir sobre seu amor uma montanha de cadáveres e ele os afasta com as mãos nuas enquanto leva uma série de mordidas atrás de mordidas.

Ao levar uma dentada no tendão da canela que o leva ao chão, casualmente Carls cai sobre o cabo da metralhadora, ainda segura por uma mão semidevorada e empunhando a arma começa a derrubar todos que se aproximam dele sendo auxiliado pela mulher que grita do alto da plataforma o guia para matar tudo o que se move lá embaixo.

Quando os zumbis já se foram ele berra para a mulher descer o mais rapidamente possível e os dois correm para a moto estacionada na saída. Valencia chora.

- Amor, eu sou imune. E tem mais: meu corpo se cura extremamente rápido. Precisamos do Soro pra você!

Voam pela Avenida Aricanduva até chegar ao centro, mas ao entrarem no Copam, têm uma surpresa macabra: Uma horda havia invadido o lugar e só existe a morte lá agora.

- Meu Deus! – grita Zéfiro atirando nas dezenas de zumbis que avançam sobre eles na

Avenida Ipiranga e eles voltam para a moto.

O caçador acelera queimando os neurônios e tentando lembrar-se de onde existia algum lugar que ele pudesse encontrar Soro e nesse momento se lembra do Emilio Ribas, um dos maiores centros médico-tecnológico da America latina para doenças infecto contagiosas.

Só há um detalhe: o lugar é há muito tempo controlado pelos “Soldados da Nação” um grupo paramilitar de quem Carls guarda distancia segura. Ainda assim ele tem que lhe dar uma dose de Soro e não pode esperar uma decisão do comando dos Soldados.

Precisa salvar Valencia.

Correndo com sua amada pela Rua Doutor Arnaldo ele não tem tempo para esquartejar aquela centena de zumbis que avançam contra os dois vindo de todos os lados e a metralhadora que tomou dos guerrilheiros no Wal-Mart vem bem a calhar agora, de longe ele atira nos zumbis sempre acertando na cabeça e apesar de estar todo mordido ele não apresenta sinal algum de que o vírus zumbi venceu seu sistema imunológico, diferente de sua amada.

Ele percebe que gradualmente Valencia não o acompanha mais. Ela começa a sentir o enrijecimento nas articulações e os zumbis começam a voltar sua atenção apenas para o caçador, o que mostra que ela está em processo acelerado de zumbificação.

Os dois entram no prédio cuja fachada em ruínas engana quem procura a ultima resistência humana na cidade e Carls sabe que se existe um lugar onde existe Soro sendo feito é lá, no antigo Hospital Emilio Ribas, centro de referência no estado de São Paulo quando se trata de doenças infecto contagiosas.

Infelizmente os zumbis surgem em proporção geométrica, precisando apenas de uma gota de seus fluidos infectarem e transformar um humano em um período de alguns minutos até dias de dores e febres excruciantes.

Com um olho nos últimos caminhantes da Avenida Doutor Arnaldo em frente do cemitério do Araçá e outro em Valencia para ver se ela não se transforma de repente, derruba-os a bala ou golpes de facão quando estão próximos demais.

Olhando sua bela mulher percebe um estranho movimento dentro do cemitério com o canto do olho ele se espanta quando vê centenas de mortos forçam os portões para sair e o caçador engole seco, em seu desespero, não imaginou ou sequer pensou que muitos dos enterrados eram zumbis que estavam inertes até escutarem o som da metralhadora e saírem das tumbas.

Ele precisa do Soro mais do que nunca agora, pois em alguns minutos o antigo Hospital Emilio Ribas será visitado pela maior horda de Zumbis já presenciada por aquela cidade.

Os dois entram correndo no edifício cuja fachada está destruída.

A área em torno da mordida em seu pulso perdera sua aparência inflamada e passa para uma cor cinza-chumbo descarnado.

Tudo o que ele não queria ver.

O tempo escorre literalmente pelas mãos dos dois.

Escutam o berro e o som do fuzil sendo engatilhado.

- Ei! Vocês! Parem aí onde estão!

Um soldado da Nação tenta parar Carls, mas é agarrado pela lapela do jaleco camuflado e atirado longe...

Armas se engatilham para eles, mas o caçador não liga, sabe que em ultimo caso, sua mutação o protegerá da morte pelas balas considerando é claro que ele não seja atingido na cabeça o que destruiria seu cérebro, tirando suas chances de se reconstituir. Com um forte empurrão, joga a linda moça febril para trás protegendo-a do que está por vir.

- NÃO! - Valencia grita!

As armas lançam uma saraivada de balas e o tranco quase leva o caçador ao chão e para sua sorte ele tropeça bem em cima do balcão que guarda as seringas carregadas de Soro.

Antes de cair ele pega uma das seringas com a inconfundível cruz rosa e girando o corpo no ar feito um gato atira a injeção de remédio com força contra Valencia, aplica a injeção com mais do que urgência, aplica com desespero puro, notando que grossas veias negras começam a subir do colo da mulher até seu pescoço cada vez mais pálido e ele sabe que se o vírus contaminar suas células nervosas ela estará condenada.

O medicamento atravessa o aposento onde as balas explodem vidros com remédios e rasgam o corpo do caçador que reza para não ser atingido na cabeça.

A seringa passa em frente ao rosto de um soldado e que se assusta e quase cai e segue seu caminho cravando-se no peito da moça que grita, mas o remédio, porém, para entrar na corrente sanguínea da linda moça, precisa ter o embolo apertado e no momento Valencia está em estado de choque com a agulha enfiada diretamente no seu coração.

- Aperta a seringa! – Urra Carls, porém na confusão, ninguém parece entender o que ele quer dizer.

O tomam por inimigo e ele percebe que um dos soldados está com um colete à prova de balas e também que os olhos da jovem estão mais vermelhos ainda. Em uma atitude perigosa e mais desesperada ainda, o caçador se desloca para a direita e entra na linha de tiro, sendo atingido umas seis vezes, ainda assim ele não cai, atirando com sua escopeta com o cano serrado e atingindo um dos soldados da nação no peito.

O coice atira o jovem fardado contra Valencia e a seringa é apertada fazendo o Soro entrar em sua corrente sanguínea. Imediatamente Carls solta sua arma no chão e os soldados confusos e nervosos param de atirar, mantendo-o perigosamente sob a mira de seus fuzis.

Ele não liga.

Mesmo doendo horrores enquanto seus tecidos e órgãos danificados se refazem, ele não liga e não solta um gemido sequer.

Apenas ela, Valencia, apenas ela importa.

Ele a observa com intensidade assassina e respira aliviado quando ela grita de dor, pois é um sinal de que ainda está viva e Valencia, cujos olhos já apresentavam o vermelho mortiço dos mortos parece brilhar novamente.

Ele ri de felicidade.

Ela fecha a boca em um beijo e o homem se aproxima para retribuir.

Os soldados da nação não parecem entender nada e logo algo fora do hospital chama a atenção deles, algo que se aproxima com centenas de pernas e milhares de dentes fazendo com que eles corram desesperados para o interior do enorme hospital.

Apenas um por cento dos infectados que tomam o Soro reagem negativamente ao tratamento e o caçador não notas as mãos de Valencia se deformar em um espasmo súbito e envolve-lo com força demais para um simples abraço, seus lábios femininos preparados para um beijo se desfazem em um esgar de dor e seus olhos se tingem totalmente de sangue. A reação ao Soro é violenta e Valencia é lançada instantaneamente no mundo dos não vivos.

Quando Carls abre levemente os olhos à espera do beijo que não vem, se depara com os olhos tomados pela morte viva e a boca escancarada em sua direção e sente a terrível dor, não apenas da mordida, mas sim de perder o amor de sua vida.

Lá fora os grunhidos de uma legião de mortos invadindo o hospital e os gritos dos últimos humanos de São Paulo se faz ouvir.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 21/11/2013
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