A obscura arte do medo

Minicontos de terror - Volume 1 

Autor:
Carlos Gonçalves
Arte: Darel Valença Lins


Vagner
 
          Durante a infância, sempre fui atormentada por um pesadelo: Vagner.
         Sim, era meu tio. Por motivos de doença, morou em minha casa até falecer. Mas, em vida, tentava praticar coisas estranhas comigo. Coisas cujos meus pais não poderiam saber.
          Em razão de tais praticas, quase todas as noites eu tinha pesadelos; onde ele entrava sorrateiro em meu quarto, para tentar concretizar aquelas ideias estranhas.

          Mas, a pior parte desses pesadelos, na verdade, era quando eu acordava no meio da madrugada. Pois quase sempre eu percebia Vagner me espreitando pela fresta da porta. Sozinho na escuridão da casa.


 
 
Trato é trato
 
          O baralho está disposto no centro da mesa, junto das velhas garrafas.
         Estou com meus amigos. Cada um está sentado em um canto - são quatro.
          No centro o revolver. Ele é carregado com apenas uma bala.

          - Quem tem coragem? – Lanço o desafio, olhando para Nicolas.
          - Só se você também tentar. – Respondeu.
          - Certo. – Confirmo.
          Nicolas apanha o revolver de minha mão, e dispara contra a própria cabeça. Nada acontece. Os amigos apenas riem. Bêbados.
          - Sua vez, panaca! – Diz ele, me encarando com sarcasmo, enquanto aponta o revolver na minha direção.
          - Trato é trato. – Respondo sem tardar, apanhando a arma.
          Retiro a bala do tambor, coloco-a de volta só que em outro espaço, e fecho. Miro o cano em minha própria têmpora, puxo o cão para trás e coloco o dedo no gatilho



 
 
No café da manhã
 
          - E essa noite filha? Conseguiu dormir bem? Teve aqueles pesadelos com aquele homem estranho de novo?
          - Dormi bem sim pai. Consegui dormir rapidinho! Ainda bem.
          - Isso ai! Toca aqui menina. Mas, em algum momento você acordou?
          - Só quando você entrou lá de madrugada, para fazer carinho em mim.
          - Filha... Eu não fui no seu quarto ontem!



 
Emergência
 
            Acho que nunca vou entender aquele caso. 
          Lembro-me que estava no quartel quando a sirene tocou. Partimos depressa para o local do chamado e, chegando lá, verificamos que se tratava de uma grande casa.
          Um homem estava na frente. No portão.
          - Ainda bem que chegaram. Foi eu que liguei para vocês.
          - O que ocorreu? – indaguei.
          - Eu estava passando aqui em frente e, nitidamente, escutei algo que dava a entender ser uma briga de casal, onde a mulher gritava alto por socorro.
          Após escutar o relato da testemunha, rapidamente violamos o portão e entramos na residência. Tudo estava normal, exceto por uma grande quantidade de sangue nos azulejos da cozinha, e uma grossa fumaça preta que saia do forno do fogão. Abrimos o forno e lá estava o corpo de um homem; carbonizado.
          Lembro-me que, de imediato, nossa preocupação foi encontrar a mulher. Procuramos por toda a casa e não encontramos nada. Até que nos deparamos com uma porta selada. Aparentemente trancada pelo lado de dentro. Sem tardar, quebramos a maçaneta.
          Ao entrar, nos deparamos com uma suíte de luxo. Sobre a cama havia um manequim de plástico, vestido de mulher e sujo de sangue.



 

Pizza
 
          Martha está inquieta na sala. Afinal de contas, a novela está acabando e a pizza ainda não chegou.
          - Caralho! Que fome! – Resmungou!
          Antes que pudesse esbravejar novamente, o interfone toca.
          - Até que enfim esse motoqueiro filho da puta chegou. – Exclamou Martha, indo à cozinha apanhar o interfone. São dez e quarenta da noite.
          - Pois não? É a entrega da pizza? – Adiantou.
          - Não. Aqui é a sua filha. Eu vim te ver... Mãe! – Diz uma voz de menina.
          - Está louca! – Reclamou Martha. - Você deve estar enganada! Não tenho nenhuma filha.
          - Se esqueceu do aborto que fez? No segundo mês de gravidez?



 
 
Hospital
 
          A paciente acorda atordoada dentro da UTI. Está com o corpo ligado em diversas máquinas.
          - Enfermeira, socorro! Não sinto meu braço! Onde está o meu braço! – Gritou com desespero.
          No lugar da enfermeira, o doutor é quem entra.
          - Fique calma Adriana, a cirurgia correu bem. Você está bem, não se preocupe. O braço infecionado já foi removido e, felizmente, você não corre mais risco algum!
          - Meu nome não é Adriana doutor, meu nome é Alessandra! – Exclama a paciente, em prantos. – Entrei hoje aqui no hospital para operar da apêndice!
          O doutor checa a ficha, confuso, e coloca as mãos na testa.

          - Estranho, aqui diz que você é Adriana!



Boa estada!

          - Vamos subir Tomaz, vou mostrar o quarto onde você passará a noite. – Disse meu tio, o velho Manoel.
          Eu, realmente, estava animado. Nunca tinha visitado meus tios em Minas Gerais. E o fato de ir passar o fim de ano na casa de campo deles me animava muito. Até que, naquela noite, finalmente conheci o quarto onde eu ficaria hospedado. Mas, logo de cara, algo não me agradou.
          - Aqui está Tomaz. – Disse meu tio, apresentando-me o velho quarto. – Não é grande coisa, mas é muito confortável. Sem contar que daqui de cima você tem toda a vista da parte da frente da casa. – Completou.
          - Legal Tio. Gostei muito. Quem dormia aqui? –
          - Sua prima, Joana!
          - Entendi. É a foto dela aqui nesse quadro? – Indaguei o meu tio, apontando para um velho quadro, pendurado na parede da cabeceira da cama.
          - Sim, é ela. Bonita não é mesmo? Nunca tinha visto ela?
          - Não, é a primeira vez que a vejo. Mas, porque ela está dormindo nessa foto?
          - Não está dormindo Tomaz, está morta. Essa foto foi tirada antes de ela ser levada para o velório.



 

Fim do volume 1.

 
Velho Gonçalves
Enviado por Velho Gonçalves em 24/11/2013
Reeditado em 10/01/2014
Código do texto: T4585196
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