Exorcismo.

Chego pela parte da tarde na casa da pequena Emanuelle. Tudo está quieto ao redor da casa de fazenda, nenhum som de animal, pessoa ou mesmo do vento balançando a vegetação.

Sou recebido pelo avô da criança na soleira da casa. O homem parece exausto e cheio de medo.

-Padre! Graças ao Senhor chegastes!

Ele segura em suas mãos uma antiga bíblia e carrega em seu pescoço vários rosários, em suas roupas, respingos de sangue se fazem notar.

-O que houve homem? O menino que você enviou com o bilhete mal conseguiu explicar que tinha sido enviado por você e se negou a voltar comigo.

Um grito inumano vindo do interior da casa rompe o silencio quase sepulcral do lugar.

-O Diabo padre! O Diabo dominou a Emanuelle! Aquilo não é mais uma criança! É o próprio Satanás!

Mesmo assustado com o grito, não dou crédito ao homem, afinal a pobre criança tem apenas um mês e meio de idade. A superstição do folclore local sempre me trouxe problemas. A gente simples do lugar sempre associa qualquer doença, seja ela física ou mental, à obra do Diabo. Tento tranquilizar o pobre idoso com uma explicação de que nem todas as coisas que parecem ser diabólicas realmente o são e que a criança pode estar sofrendo de alguma doença incomum. O velho rejeita minhas palavras.

-O senhor verá que não é uma doença padre! É o demônio em pessoa! Tenho certeza!

Vendo que não conseguirei acalmar o homem, entro na casa onde sou recebido pela avó e a mãe da menina. Ambas estão aos prantos, beirando a histeria. A mãe me agarra pela manga da batina quase a rasgando.

-Padre! Por favor, nos ajude! Salve a alma de nossa menina!

Tento a acalmar com palavras de exaltação ao Senhor e Sua Boa Obra, mas elas pouco adiantam.

-Por favor, Padre faça algo! Meu Deus! Ajude-nos Senhor!

A pobre mulher desmaia aos meus pés, a idosa e eu a socorremos colocando-a deitada em uma poltrona.

Pergunto à velha senhora o que está acontecendo e ela entre prantos narra toda a história. Segundo a avó da criança, por volta de duas semanas atrás, uma caravana de ciganos acampou na região mais distante da propriedade. O avô, com medo de que algum roubo fosse cometido, junto de alguns homens, foi até ao acampamento para expulsar os ciganos de suas terras. Houve uma discursão e uma criança cigana foi ferida. O líder dos ciganos prometeu ao avô de Emanuelle que o seu povo sairia da propriedade no dia seguinte e para sanar qualquer prejuízo, deu um pequeno pingente de prata como pagamento. Ao retornar para casa, o idoso presenteou a neta com o tal pingente. Depois desse dia fatos estranhos começaram a acontecer, os animais morreram em massa, o leite era extraído azedo das vacas sobreviventes, sons estranhos eram ouvidos durante a noite e a criança passou a agir de forma sobrenatural. A menina recém-nascida começou a andar e falar, deixando toda a família em desespero com as obscenidades que proferia. Uma semana após a criança começar a falar, o pai desapareceu durante uma noite e dois dias depois o irmão mais velho da menina foi encontrado enforcado de ponta a cabeça no celeiro. A polícia local ao ser chamada para averiguar o caso, após ter contato com a menina, simplesmente não continuou a investigação do desaparecimento do pai e o suposto suicídio do menino. Na verdade, o delegado e o agente fugiram como animais caçados. Quando um dos trabalhadores da fazenda foi encontrado no meio do milharal, com espigas introduzidas em todos os seus orifícios, houve uma fuga em massa dos demais membros da equipe de trabalho. Mas somente ontem, quando a criança começou a falar sobre assuntos que mesmo um adulto idoso não falaria, que o avô decidiu aceitar que ela estava possuída pelo Mal.

Subo as escadas e ao me deparar com a porta do quarto da criança, uma sensação de desconforto físico me domina, a porta está coberta de rosários e várias imagens sacras estão colocadas em sua frente como se a vigiando. Como se tentando impedir que algo escape.

Entro no lugar cheio de receio. O quarto está bem iluminado e limpo, um forte cheiro de fumo domina o ambiente. Ao olhar para janela deixo escapar um pequeno grito de susto, uma bebê está sentado no parapeito da janela do quarto, ele segura um cachimbo. A menina está fumando enquanto cantarola algo. Alguns minutos se passam até que ela fale algo. Sua voz é a de um homem velho, uma voz calma e má. O medo me domina.

-Boa tarde Gregory. Sente-se.

A porta do quarto se fecha com força e um sofá é jogado contra minhas costas me forçando a sentar. Fico paralisado de horror.

A criança se vira para mim, seus olhos estão cerrados por completo, ela dá longas tragadas no cachimbo.

-Aceita um pouco de fumo Gregory? O velho que mora nessa casa tem bom gosto para fumo e bebidas.

Não consigo responder nada, o medo me domina por completo, me urino de tanto pavor.

-Gregory! Seu garoto sem educação!

A criança ri de mim, seu riso é terrível e cruel. Ela salta do parapeito da janela e caminha em minha direção enquanto dá várias tragadas. Quando ela chega até mim, salta em meu colo e com sua pequena mão direita, segura o meu queixo, sua mão é forte como a de um adulto e me machuca com a pressão antinatural que exerce. Tento não a olhar de frente.

-Olhe para mim Gregory... Olhe para mim seu viado enrustido! Olhe!

Acuado, obedeço. O horror então me domina. Os olhos da pequena Emanuelle são duas bolas repletas de pus e sangue pisado que secretam um liquido negro como se fossem lágrimas. Apesar de ser uma recém-nascida, a boca da criança está repleta de dentes, ou melhor, presas podres cobertas de um muco verde que escorre pelos cantos da boca.

-Vejam só que merda. O padre que veio é um tipo muito comum... Um merda sem fé. Puta que o pariu. Qual a graça nisso? Qual a graça de foder uma alma já tão fodida?

Novamente me urino de medo.

-Pare de se urinar seu frouxo. Morra como um homem seu merda.

Tento falar algo, mas a criança me interrompe.

-Sim, você vai morrer, mas não serei eu que te matarei seu merda. Já cansei dessa merda toda e já cumpri a minha parte da barganha. Só estava esperando que chamassem um padre para terminar minha obra com um grand finale, mas foderam tudo, pois mandaram um merda como você!

Tudo começa a girar e desmaio.

Quando acordo, me vejo completamente nu e banhado em sangue. Estou segurando a pobre Emanuelle enquanto a violo freneticamente. Ela está morta.

A porta do quarto se abre com violência, a família da criança me pega em flagrante enquanto comento essa atrocidade. O avô tem um rifle em suas mãos, ele grita enquanto mira em minha direção e dispara.

Sou jogado contra a janela e caio do segundo andar sobre um mourão da cerca. Caio sentado e sou empalado através de meu anus. A madeira rasga meu corpo saindo por minha garganta. Cheio de uma dor lancinante, ainda consigo ouvir a voz que era emitida pela criança, rindo. Rindo de mim e minha incapacidade e falta de fé.

Morro.

Gostaria de dedicar esse texto aos amigos Zeni Silveira Dosan, Qorpus Sancti e Gantz por seus comentários tão incentivadores e constantes. Obrigado a todos.

TTAlbuquerque
Enviado por TTAlbuquerque em 18/12/2013
Reeditado em 18/12/2013
Código do texto: T4617131
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